Versões italianas

As versões italianas da Bíblia têm uma história longa e variada.

No início do século XIII, Giacomo da Viraggio, arcebispo de Gênova, teria feito uma das primeiras traduções da Bíblia para o italiano. Essas e outras primeiras traduções eram geralmente traduções livres de livros individuais, muitas vezes contendo notas e quase sempre anônimas. Dessa época apareceu a versão dominicano Domenico Cavalca sobre o livro de Atos. Todas elas foram baseadas na Vulgata.

A primeira Bíblia italiana impressa foi a de Nicolo di Malermi, um monge beneditino veneziano. Foi publicada em Veneza em 1º de agosto de 1471, chamada de Bibbia d’Agosto, baseado na Vulgata . No mesmo ano, outra Bíblia vernacular foi lançada, com base nos textos do século XIII da tradição toscana. Esta edição foi apelidada de Bibbia Jensoniana ou Bibbia d’Ottobre.

Em 1530 Bruccioli publicou sua tradução do Novo Testamento. Mais tarde, em 1532, veio a edição de toda a Bíblia. Mas em 1555 sua tradução foi colocada no Índice de Livros Proibidos por Papa Paulo IV. Foi julgado por heresia, condenado e forçado a se retratar, apesar de nunca ter oficialmente deixando o catolicismo.

Sua versão serviu de base para a versão Diodati. Embora reivindique ter traduzido a partir dos originais, parece que utilizou as versões latinas de Sante Pagnini para o Antigo Testamento e de Erasmo para o Novo.

Em 1536, o frade dominicano Zaccheria de Florença produziu seu Novo Testamento, que consistia apenas em um simples retoque do texto de Brucioli, ao qual aplicava variações quase exclusivamente estilísticas e formais. Em 1538, La Bibbia nuouamente tradotta dalla hebraica verità in lingua thoscana foi publicado sob a supervisão do frade dominicano Santi Marmochino, também baseada em Sante Pagnini, Brucioli, Zaccherie.

Em 1551, Il Nuouo ed Eterno Testamento di Giesu Christo foi publicado em Lyon pelo frade beneditino Massimo Theofilo Fiorentino, que traduziu diretamente do grego original. Em 1555, uma edição bilíngue em italiano e francês do Novo Testamento foi publicada sob a supervisão do valdense Giovan Luigi Pascale. Esta foi a primeira versão italiana a incluir a subdivisão em versos, além de ser a primeira declaradamente protestante.

A partir de 1559, o Papa Paulo IV mandou compilar o Index Librorum Prohibitorum, que continha proibições de impressão, leitura e posse de versões da Bíblia em línguas vernáculas sem prévia autorização pessoal e por escrito do bispo, do inquisidor ou mesmo do papa. Como consequência dessas disposições, a produção de Bíblias em italiano foi interrompida abruptamente.

No século XVII, Giovanni Diodati publicou sua versão em Genebra em 1607 em uma tradução diretamente dos textos originais grego e hebraico, embora também tenha consultado o texto de Brucioli.

Em 1757, o Papa Bento XIV incentivou a tradução da Bíblia em italiano. O abade Antonio Martini publicou primeiro o Novo Testamento em seis volumes (1769-1771) e, posteriormente, também o Antigo Testamento em dezessete volumes (1776-1781). Martini traduziu da Vulgata latina e colocou ao lado do texto italiano em uma coluna paralela. Esta tradução teve grande sucesso entre os católicos de língua italiana e até ganhou a aprovação do Papa Pio VI.

No final do século XIX, o crescimento do evangelismo italiano demandou novas publicações da Bíblia. Assim, foi revisada a Diodati em 1894. Mas em 1924, a tradução de Diodati foi atualizada quanto à língua e ao texto-base pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. O trabalho liderado pelo valdense Giovanni Luzzi.

Em 1968 a editora Mondadori publicou o Bibbia Condordata. Foi traduzida das línguas originais, com notas, produzida pela Sociedade Bíblica Italiana e em colaboração com biblistas católicos, protestantes, ortodoxos e judeus.

Em 1971, seguindo as diretrizes do Concílio Vaticano II (1965), a Conferenza Episcopale Italiana produziu a Versione CEI, o texto oficial da Igreja Católica para usos litúrgicos.

Em 1991 a editora La Buona Novella publicou o Nuova Diodati. Trata-se de uma versão do Diodati revisada apenas quanto à linguagem. Seu texto base do Novo Testamento foi o Textus Receptus. Seguiu-se uma edição revisada em 2003.

Em 1994, a Sociedade Bíblica de Genebra publicou a versão Nuova Riveduta, com a atualização linguística e textual da Luzzi e Diodati. Em 2006 foi publicada uma nova versão ligeiramente revista (a Nuova Riveduta 2006). A ADI-Media, a editora das Assemblee di Dio in Italia, lançou a Riveduta 2020, com atualizações linguísticas.

Bíblia

Coleção de escritos sagrados considerados como Palavra de Deus escrita nas religiões abraâmicas. Trata-se de uma biblioteca circulante e viva, fixada em vários suportes, assumindo caráter de autoridade para a vida pessoal e cultual no Cristianismo.

Chamada internamente de as Escrituras, esta coletânea ganhou a atual designação de Bíblia (em grego βιβλία) por João Crisóstomo (século IV d.C.) como plural de biblion (volume ou livros), termo já utilizado desde as Antigas Versões Gregas em Daniel 9:2 para referir-se aos livros (ta Biblia) dos profetas. Já em 1 Macabeus 1:56 e 2 Macabeus 2:13-15 falam de coleções de “a biblia da lei” e “a biblia sobre os reis e os profetas”. Josefo refere-se aos 22 rolos (biblia) que constituem o cânon hebraico (Contra Apion 1.37).

Esta antologia foi canonizada, isto é, reconhecida como Escrituras em um longo processo. A partir do século IV passou a ser reproduzida entre cristãos como uma coletânea em poucos ou um só volume. Com a invenção da imprensa, popularizou-se sua edição em um só volume.

Sua mensagem é diversa, polifônica, mas coesa e coerente como em um mosaico, o qual não é algo fragmentário ou parcial, mas capaz de transmitir efetivamente sua comunicação revelada.

Seus livros no cânon protestante reúne 66 títulos.

Vulgata

A Vulgata é a versão da Bíblia latina, revisada ou traduzida do hebraico e do grego por Jerônimo, identificada pela sigla Vg.

Em 382, ​​o papa Dâmaso encomendou a Jerônimo que produzisse uma tradução latina aceitável da Bíblia a partir das várias traduções divergentes (a Vetus Latina ou Ítala).

Exímio latinista e estudioso bíblico, Jerônimo contou com a ajuda de mulheres eruditas como Marcela e Paula. Além disso, viajou, discutiu e aprendeu as línguas semíticas enquanto vivia no Levante, onde se estabeleceu em Belém. Sua versão dos Evangelhos foi entregue ao papa em 384. Usando a versão grega da Septuaginta do Antigo Testamento, ele produziu novas traduções latinas dos Salmos, o Livro de Jó e alguns outros livros. Entretanto, decidiu que a Septuaginta era insatisfatória e começou a traduzir todo o Antigo Testamento a partir uma versão hebraica hoje perdida. No Novo Testamento traduziu os evangelhos enquanto replicou os outors livros a partir da Ítala. Finalizou a Biblia toda por volta do ano 405.

Escreveria ainda anotações e introduções dos livros da Bíblia, a qual seria uma das primeiras edições a contar com um aparato filológico e exegético.

A vulgata levaria tempo para ter aceitação. O próprio antigo saltério latino revisado por Jerônimo continuou a ter maior aceitação. Na baixa idade média a Vulgata ganharia a preferência dos eruditos e no uso litúrgico ocidental.

No Renascimento e Reforma surgiram várias edições e reviões. A revisão Sixto-Clementina seria adotada como a versão oficial para a Igreja Católica a partir do Concílio de Trento. Em 1979 foi lançada uma nova revisão, a Nova Vulgata.

A vulgata é uma obra singular por vários motivos. Seria a primeira tradução feita praticamente por um único indivíduo, o qual era consciente dos problemas exegéticos e de teoria da tradução. Também seria a primeira versão feita em um só processo editorial a reunir todo o cânon que, mais tarde, seria juntado em um só volume de livro.

Livros da Bíblia

Por conveniência e uma longa história editorial as Escrituras é comumente difundida em um só volume impresso. Entretanto, a Bíblia é uma biblioteca de vários livros de gêneros diversos e que circularam de forma independente ou em antologias e em suporte diferente.

O próprio termo Bíblia é plural de biblion, rolos de papiros ou pergaminhos, então o formato mais comum dos livros na Antiguidade tardia. Aos poucos, pelos processos de antologização e canonização, esses rolos foram agrupados em coleções.

A lista que se segue contém os 66 livros do cânone protestante.

Antigo Testamento (39 Livros)

PENTATEUCO (5)

Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio

HISTÓRICOS (16)

Josué
Juízes
Rute
1 Samuel
2 Samuel
1 Reis
2 Reis
1 Crônicas
2 Crônicas
Esdras
Neemias

POÉTICOS E SAPIENCIAIS (5)


Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares/Cântico dos Cânticos

PROFETAS MAIORES (6)

Isaías
Jeremias
Lamentações
Ezequiel
Daniel

PROFETAS MENORES (12)

Oseias
Joel
Amós
Obadias
Jonas
Miqueias
Naum
Habacuque
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias

Livros do Novo Testamento ( 27 Livros )

EVANGELHOS (4)

Evangelho segundo Mateus
Evangelho segundo Marcos
Evangelho segundo Lucas
Evangelho segundo João
Atos dos Apóstolos

EPÍSTOLAS PAULINAS (12)

Romanos
1 Coríntios
2 Coríntios
Gálatas
Efésios
Filipenses
Colossenses
1 Tessalonicenses
2 Tessalonicenses
1 Timóteo
2 Timóteo
Tito
Filémon

EPÍSTOLAS GERAIS

Epístola aos Hebreus

Epístola de Tiago
1 Pedro

2 Pedro
1 João
2 João
3 João
Epístola de Judas
Apocalipse


Sinopse dos livros da Bíblia

Perícope

Perícope vem do grego “recorte ao redor”, é um trecho de texto com sentido completo. Localizar e delimitar um perícope é um dos primeiros passos para entender a mensagem inteira de um texto.

Idealmente, cada capítulo indicaria um perícope, mas isso não acontece. Não existe um padrão unificado de divisão em perícope. Tradutores, editores e biblistas dividem a Bíblia com critérios diferentes.

É difícil dividir os textos em perícopes, pois os textos antigos eram contínuos. Na Bíblia Hebraica às vezes sinais finais ou espaços ajudam a dividir perícopes.

A divisão pode ser deduzida pela narratologia, retórica e estilística. Para uma interpretação coerente, os mesmos critérios de divisão devem ser usados de forma consistente.

Um perícope pode ser muito curto, como um aparte para glosar sobre um detalhe, ou aparecer em diferentes livros, como o Ciclo de Elias e Eliseu.

Um perícope pode ocorrer dentro de outro ou fazer parte de um perícope maior se for considerado diferentes critérios.

Indicadores de início

  1. Tempo e espaço: na narrativa podem indicar o início, a continuação, a ação, a conclusão ou a repetição de um episódio. (Mt 2:1; 4:1; 8:5).
  2. Personagens: introduzidos em cena. (Mc 7:1; Lc 1:26).
  3. Argumento: com mudança de assunto, introduzidas por “finalmente…”, “a propósito de…” (1 Co 12:1; 2 Tm 4:6).
  4. Anúncio do tema: alguns perícopes anunciam em seu final os assuntos tratados a seguir (Hb 2.17-18 c/ 3.1 –5.10).
  5. Introdução: indicada no próprio texto. (Ap 2:1,8,12).
  6. Vocativo ou novos destinatários: indicam a quem é dirigido. Ex: Gl 3:1; Ap 2:1,8,12.
  7. Introdução ao recurso: o próprio texto introduz a fala de um novo personagem. (Lc 15:3,8,11).
  8. Inserção de um aparte: uma glosa que explica algo detalhadamente.
  9. Mudança de estilo ou gênero textual: transição de um discurso para uma narrativa (Mt 10:4-5), da prosa para a poesia (Fp 2:5-6) ou da poesia para a prosa (Mt 11:1-2).

Indicadores de final

  1. Personagens: aumento de número (Mc 1:45; Lc 5:15), ou mesmo reduzido (Mc 9:28; Mt 17:19) obscurecendo o foco .
  2. Espaço: mudança por partida (Mt 21:17) ou ampliação (Mc 1:39).
  3. Tempo: alteração da sequência dos eventos (At 10:48) e o chamado “tempo terminal” concluído (Jo 13:30).
  4. Ação do tipo partida: normalmente o personagem central sai de cena, separando-se dos demais (Mc 8:13).
  5. Ação terminal: consequência do episódio narrado (Mt 9:8).
  6. Ruptura do diálogo: com a fala conclusão. (Lc 14:5-6).
  7. Comentário: o narrador interrompe sua exposição para fazer observações que dão sentido ao relato (Jo 2:21-22).
  8. Estilo comum: por uso de concatenação, enumeração, paralelismo e paranomásia.
  9. Sumário: recapitulação resumida do que se disse (Jo 8:20).
  10. Inclusio: repetição de estruturas quiásticas. O Sermão da Montanha começa e termina com a expressão “a Lei e os Profetas” (Mt 5:17 + 7:12).

Conteúdos comuns

Alguns dos elementos presentes no corpo de um perícope:

  1. Ação: núcleo de um perícope narrativa, com indicações de tempo, espaço e personagens (Mc 6:17).
  2. Campo semântico: grupo de palavras cujos significados pertencem à mesma classe ou tema. Gn 22:6-10 utiliza o campo semântico “sacrifício”: lenha, fogo, cutelo, altar, cordeiro, assim por diante.
  3. Intercalação: interrupção para incluir outro perícope, como (Mc 3:20-21 e 30-31).
  4. Motivo literário (motif): repetição de palavra, frase ou ideias que junta partes do perícope, como “E viu Deus que era bom” em Gn 1.
  5. Quiasmo: estrutura “espelhada” muito comum em textos orais e abundantes na Bíblia:

A fuga para o Egito (Mt 2: 13-15)

   A (2:13) Palavras de um anjo

     B (2:14) partida para o Egito.

   A‘ (2:15) Palavras de um profeta

Emprego dos perícopes

Os perícopes fazem parte das porções de leituras (lecionários) e influenciariam a divisão em capítulos e versículos.

São elementos indispensáveis para entender tanto a história da interpretação quanto a boa exegese.

O estudo da divisão em perícopes se chama Crítica da Delimitação.

O símbolo de parágrafo ¶ originalmente indicava o perícope.

SAIBA MAIS

CRAIN, Jeanie C., Reading the Bible as Literature: An Introduction. Cambridge/​Malden, MA: Polity Press, 2010.

SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.

Lista de perícopes dos evangelhos

http://www.semanticbible.com/cgi/2004/11/pericope-index.html

Site especializado sobre a divisão em perícopes e a Crítica da Delimitação, repositório da série Pericope: Scripture as written and read in antiquity (Leiden, Brill) http://pericope.net/