Fariseus (possivelmente do hebraico para “separatistas”) partido associado aos escribas judeus piedosos no período do Segundo Templo dedicados ao estudo detalhado do texto bíblico, especialmente à luz da “lei oral” (tradições de interpretações bíblicas) (cf Mc7: 3).
Os fariseus foram os precursores do judaísmo rabínico. As controvérsias entre os fariseus e Jesus, em vez de refletir grandes diferenças em suas visões religiosas e sociais, na verdade sugerem semelhanças significativas entre os dois lados. Esses tipos de conflitos geralmente ocorrem entre grupos que têm muitas coisas em comum e, portanto, se chocam com as pequenas questões que os separam (ver Mt 23).
Origem dos fariseus
As origens dos fariseus são um tópico de estudo complexo, pois os registros históricos e religiosos da época não oferecem um relato claro de sua fundação. As primeiras menções de um grupo distinto de fariseus, ou Perushim, aparecem em textos da antiguidade que os retratam como uma seita religiosa e uma força política influente, mas não como uma entidade recém-criada. A ausência de um “momento fundador” nos registros antigos levou os historiadores modernos a reconstruir suas origens a partir de menções fragmentadas e contextos sociopolíticos da época.
Os primeiros relatos históricos que nos dão alguma pista sobre os fariseus vêm de Flávio Josefo (c. 37-100 d.C.), historiador judeu e ex-fariseu. Ele introduz os fariseus, saduceus e essênios como as três “escolas filosóficas” do judaísmo durante o reinado do sumo sacerdote hasmoneu Jônatas (c. 160-143 a.C.), em sua obra Antiguidades Judaicas (13.171-173). Josefo observa que os fariseus viviam de forma simples e eram altamente respeitados pelo povo por sua interpretação precisa das leis, e que eles possuíam “regulamentos transmitidos por gerações anteriores e não registrados nas Leis de Moisés”, uma referência à Lei Oral. Embora Josefo não forneça uma história de sua origem, sua menção durante o reinado de Jônatas sugere que eles já eram um grupo estabelecido em meados do século II a.C. Também narra um episódio durante o reinado de João Hircano (135-104 a.C.), onde o fariseu Eleazar confronta o sumo sacerdote (Antiquidades 13.288) por ter assumido o título de rei e sumo sacerdote, o que leva a um conflito e a aliança de Hircano com os saduceus. Mais tarde, os fariseus ascenderiam ao poder político sob a rainha Salomé Alexandra (76-67 a.C.), conforme relatado por Josefo.
Outras fontes contemporâneas também testemunham a presença dos fariseus sem detalhar sua fundação. O Novo Testamento apresenta-os como um grupo proeminente, definido por sua estrita adesão à “tradição dos anciãos” (Lei Oral) e à Torá Escrita (Marcos 7:3, Mateus 15:2), seu foco na pureza ritual, dízimos e observância do sábado, e suas crenças na ressurreição dos mortos, anjos e espíritos (Atos 23:8), que os colocavam em oposição aos saduceus. De maneira similar, o filósofo judeu helenístico Fílon de Alexandria (c. 20 a.C. – 50 d.C.), em sua obra Cada Homem Bom é Livre, descreve as “escolas” filosóficas judaicas, mencionando os essênios e, indiretamente, o grupo que os estudiosos identificam como fariseus. Fílon não se aprofunda na origem histórica deles, mas os apresenta positivamente como judeus devotos e filosóficos. A ausência de uma história de fundação nestas fontes sugere que os fariseus já eram uma presença estabelecida no cenário religioso judaico.
As fontes rabínicas, como o Talmude (séculos III-VI d.C.), que se veem como herdeiros intelectuais e espirituais dos fariseus (Perushim), também não narram sua origem histórica. O Talmude assume a existência deles e, no tratado Avot (1:1-16), estabelece uma cadeia de transmissão da Lei Oral desde Moisés até uma série de “pares” de líderes (os Zugot, como Hillel e Shammai), que são entendidos como sábios farisaicos. Esta genealogia rabínica estabelece sua autoridade, rastreando-a até o Monte Sinai, e não a um evento histórico específico. Textos posteriores, como Avot de-Rabbi Natan (c. século X d.C.), contêm lendas sobre o conflito entre os fariseus e os saduceus, mas essas narrativas são consideradas fábulas morais e não registros históricos confiáveis. A patrística doséculos II-IV d.C., como Orígenes e Jerônimo, também não oferecem informações novas sobre as origens dos fariseus, reiterando o que leram em Josefo e no Novo Testamento.
Dada a falta de um relato claro nas fontes primárias, os historiadores modernos sintetizam as evidências para formular uma origem plausível. A maioria dos estudiosos sugere que a emergência formal dos fariseus como um grupo distinto ocorreu durante a Revolta Hasmoneana (meados do século II a.C.). Eles são frequentemente vistos como os descendentes espirituais dos Hasidim (“os Piedosos”), um grupo que inicialmente apoiou a revolta dos macabeus por liberdade religiosa, mas que mais tarde se retirou quando os hasmoneus assumiram o reinado político e o sumo sacerdócio, o que eles consideravam uma violação da tradição.
Sobrevivência e desenvolvimento do judaísmo rabínico
Dos principais grupos judaicos da época do Segundo Templo — os saduceus, os essênios e os zelotes —, os fariseus foram os mais bem posicionados para sobreviver. Os saduceus, cuja base de poder era o Templo e o sacerdócio, desapareceram com a destruição de seu centro de culto e poder político. Os essênios, isolados em Qumran, foram provavelmente aniquilados pelos romanos, e sua visão de mundo apocalíptica era inadequada à nova realidade. Já os zelotes foram militar e ideologicamente dizimados, pois sua rebelião contra Roma havia resultado em desastre. A sobrevivência dos fariseus se deu porque não dependiam do Templo; sua autoridade se baseava no conhecimento da Lei Oral e Escrita, não na linhagem sacerdotal. Suas práticas, como a oração, o estudo e a observância dos mandamentos (mitzvot), podiam ser realizadas em qualquer lugar, na sinagoga ou em casa. Além disso, eles já eram um movimento descentralizado, com líderes (rabbis) e discípulos espalhados por toda a Judeia e Galileia.
Após 70 d.C., a designação “fariseu” (Perushim, que significa “separados”) perdeu o sentido, já que seus principais concorrentes haviam desaparecido. Eles então adotaram o termo mais genérico e honorífico “Rabino” (“Meu Mestre” ou “Meu Professor”), sinalizando seu novo papel como líderes. O evento central para essa transformação foi o estabelecimento de um centro de estudos judaicos em Yavneh (Jamnia). Segundo a lenda talmúdica (Guittin 56b), o líder farisaico Rabban Yohanan ben Zakkai foi contrabandeado para fora de Jerusalém sitiada e, ao profetizar que o general romano Vespasiano se tornaria imperador, obteve dele a permissão para fundar um centro de ensino em Yavneh. Embora os detalhes possam ser lendários, a verdade histórica é que os romanos permitiram a criação de um conselho acadêmico e judicial em Yavneh, que se tornou a nova capital espiritual do judaísmo.
Em Yavneh, os sábios, liderados por ben Zakkai e, posteriormente, por Rabban Gamaliel II, empreenderam a monumental tarefa de redefinir o judaísmo sem o Templo. Eles padronizaram as orações, como a Amidá, que passou a substituir os sacrifícios, e formalizaram a lei judaica (Halakha) para a nova realidade. A canonização da Bíblia Hebraica também foi finalizada nesse período. A partir de Yavneh, o modelo do líder comunitário passou a ser o rabino, cuja autoridade derivava do aprendizado e da piedade, e não do nascimento. O que antes era uma prática farisaica se tornou o padrão para todos os judeus, e o judaísmo rabínico se apresentou não como uma seita, mas como a continuação autêntica do judaísmo bíblico. O trabalho iniciado em Yavneh resultou na codificação dos debates e das opiniões legais dos rabinos, conhecidos como Tannaim (“professores”), na Mishná (c. 200 d.C.), o texto legal fundamental do judaísmo rabínico. Os debates sobre a Mixná, por sua vez, levaram à criação dos Talmudes de Jerusalém (c. 400 d.C.) e Babilônico (c. 500 d.C.)
