Demonologia

Demonologia, em termos teológicos, é o estudo de entidades malignas, demônios ou espíritos malignos dentro do contexto da crença cristã. Examina sua natureza, origens, atividades e sua relação com Deus, a humanidade e o reino espiritual.

A demonologia investiga a compreensão teológica dos espíritos malignos ou demônios, conforme descritos na Bíblia e na tradição cristã. Ele explora sua existência, características e influência sobre os seres humanos e o mundo. Além disso, examina suas interações com Deus, anjos e seres humanos, bem como seu papel na batalha espiritual cósmica entre o bem e o mal.

O estudo da demonologia utiliza vários métodos para examinar textos bíblicos, tradições teológicas, relatos históricos e testemunhos pessoais. Ele se envolve em exegese bíblica, analisando passagens que descrevem encontros com demônios e suas atividades. Também se baseia em fontes teológicas e históricas, incluindo os escritos de teólogos, pais da igreja e místicos cristãos. Além disso, incorpora análise crítica e discernimento para distinguir entre fenômenos espirituais genuínos e influências enganosas.

Tópicos principais:

  • Natureza dos Demônios: explora a natureza e a essência dos demônios. Ele examina sua origem, seja como anjos caídos ou espíritos desencarnados, e suas características e habilidades distintas. Isso inclui seus poderes sobrenaturais, influência nas vidas humanas e táticas enganosas.
  • Relatos das Escrituras: investiga relatos bíblicos de possessão demoníaca, exorcismo e guerra espiritual. Investiga narrativas e ensinamentos do Antigo e do Novo Testamento que envolvem encontros com demônios, como as descrições dos exorcismos de Jesus nos Evangelhos.
  • Guerra Espiritual: enfoca a batalha espiritual entre o bem e o mal, incluindo as atividades dos demônios em tentar, oprimir e enganar os seres humanos. A demonologia explora a resposta cristã à guerra espiritual, enfatizando a autoridade e o poder de Cristo e as armas da armadura espiritual descritas em Efésios 6:10-18.
  • Libertação e Exorcismo: aborda a prática de libertação e exorcismo, que envolve a expulsão de demônios de indivíduos ou lugares por meio de oração e autoridade espiritual. Ele explora os princípios, diretrizes e controvérsias que cercam essas práticas dentro da teologia e ministério cristãos.
  • Implicações teológicas: cruza com outras áreas da teologia, como angelologia, soteriologia e escatologia. Ele considera as implicações da atividade demoníaca na salvação humana, a obra redentora de Cristo e a derrota final do mal no cumprimento escatológico.
  • Discernimento e Disciplinas Espirituais: enfatiza a importância do discernimento e das disciplinas espirituais para reconhecer e resistir às influências demoníacas. Ele explora práticas como oração, jejum, estudo das escrituras e confiança no Espírito Santo para discernir e combater o engano espiritual.

A demonologia procura fornecer uma compreensão abrangente da natureza e influência dos demônios dentro da cosmovisão cristã. Destina-se a equipar os crentes com conhecimento e discernimento para reconhecer e responder à atividade demoníaca à luz da autoridade e vitória de Jesus Cristo. Também enfatiza a importância do discernimento espiritual, da oração e da confiança na orientação e proteção de Deus ao navegar no reino espiritual.

Judaismo enoquita

O judaísmo enoquita é um conceito desenvolvido por pesquisadores para referir-se às crenças e práticas de algumas vertentes do judaísmo do Segundo Templo.

Uma tendência purista de judeus esposava um dualismo cósmico entre o bem e o mal, a onipotência de Deus, fatalismo, a identificação da impureza com o mal e um sectarismo.

A literatura enoquiana sumariza as crenças dessa vertente. Para esses grupos (considerando que não utilizavam o termo “enoquiano” como autodesignação) reverenciava a figura do patriarca Enoque. Criam que anjos caídos trouxeram o mal ao mundo.

Os enoquianos acreditavam que a restauração da ordem de Deus ainda era um evento futuro.

BIBLIOGRAFIA

Gabriele Boccaccini, Giovanni Ibba, eds. Enoch and the Mosaic Torah: The Evidence of Jubilees. Grand Rapids: Eerdmans, 2009

Cristologia

A cristologia é um ramo da teologia sistemática que se concentra no estudo de Jesus Cristo, examinando especificamente Sua natureza, personalidade e obra. Procura compreender a identidade e o significado de Jesus na fé cristã.

A cristologia explora a pessoa e a obra de Jesus Cristo, considerando Suas naturezas divina e humana, Seu papel na salvação, Seu relacionamento com Deus Pai e Seu impacto na humanidade. Examina as dimensões histórica, bíblica e teológica da existência e missão de Cristo.

O estudo da cristologia emprega vários métodos e abordagens. Envolve exegese bíblica, examinando as passagens do Antigo e do Novo Testamento que revelam a identidade e os ensinamentos de Cristo. Também se dedica à análise histórica, estudando o desenvolvimento das doutrinas cristológicas e a compreensão cristã primitiva de Jesus. Além disso, utiliza o raciocínio filosófico para explorar as implicações e a coerência de várias perspectivas cristológicas.

Tópicos principais:

  • Encarnação: A cristologia explora a doutrina da encarnação, que afirma que Jesus Cristo é totalmente Deus e totalmente humano. Investiga como o eterno Filho de Deus assumiu a carne humana, habitando entre a humanidade para realizar a salvação.
  • Pessoa e Naturezas de Cristo: Este tópico investiga a personalidade de Jesus e a relação entre Suas naturezas divina e humana. Examina a união hipostática, afirmando que em Jesus há uma só pessoa com duas naturezas distintas, divina e humana.
  • Títulos e Nomes de Cristo: A cristologia considera os vários títulos e nomes atribuídos a Jesus na Bíblia, como Messias, Filho de Deus, Filho do Homem e Salvador. Ele explora o significado e as implicações dessas designações para entender Sua identidade e papel.
  • Expiação: O estudo da obra de expiação de Cristo examina Sua incarnação, ministério, morte sacrificial na cruz, ressurreição e ascenção, tendo em vista seu significado para o perdão dos pecados e a reconciliação entre Deus e a humanidade. Explora diferentes teorias de expiação, como expiação substitutiva, Christus Victor e influência moral.
  • Ressurreição e Exaltação: investiga a ressurreição de Jesus e sua subsequente exaltação à direita de Deus. Explora as implicações da ressurreição de Cristo para a esperança da vida eterna e Seu papel contínuo como mediador e advogado dos crentes.
  • Segunda Vinda: O estudo da cristologia inclui a expectativa futura da segunda vinda de Cristo. Explora o significado escatológico do retorno de Cristo, o julgamento final e o estabelecimento de Seu reino eterno.

Teologia Própria

A Teologia Própria, também conhecida como “Paterologia”, “Teo-Ontologia” ou “Teologia de Deus”, é um ramo da teologia sistemática que se concentra no estudo de Deus. Procura compreender a natureza, os atributos e a existência de Deus. Aqui está um resumo da Teologia Própria, incluindo seu escopo, métodos e tópicos principais:

A teo-ontologia explora as questões fundamentais sobre a natureza de Deus, examinando conceitos como a existência de Deus, atributos divinos, relacionamento com o mundo e interação com a humanidade. Procura desenvolver uma compreensão coerente de quem é Deus e como Deus se relaciona com a criação.:
O estudo da Teologia Própria emprega vários métodos e abordagens. Isso pode incluir raciocínio filosófico, exegese bíblica, análise histórica e envolvimento com as tradições teológicas. O uso da razão, revelação e experiência são muitas vezes integrados para desenvolver uma compreensão abrangente de Deus.

Tópicos principais:

  • Existência de Deus: Teologia propriamente dita investiga argumentos para a existência de Deus, como argumentos cosmológicos, teleológicos, morais e ontológicos. Aborda questões sobre a natureza da existência divina e a relação entre Deus e o mundo criado.
  • Atributos de Deus: explora as qualidades ou atributos atribuídos a Deus, como a onisciência, onipotência, onipresença, eternidade, imutabilidade e amor de Deus. A teologia adequada procura entender esses atributos e suas implicações para a natureza e as ações de Deus.
  • Trindade: investiga a natureza de Deus como um Deus em três pessoas: Pai, Filho (Jesus Cristo) e Espírito Santo. Examina o fundamento bíblico, o desenvolvimento histórico e as implicações teológicas da doutrina da Trindade.
  • Providência Divina: considera o conceito da providência de Deus, que explora como Deus interage e governa a ordem criada. Examina a relação entre a soberania divina e a liberdade humana, explorando questões relacionadas à vontade de Deus, agência humana e o problema do mal.
  • Deus e a Criação: exame da relação de Deus com o mundo criado. Ele explora tópicos como criação, providência, sustento e o propósito divino para o universo.
  • Revelação Divina: o conceito de revelação divina, que envolve como Deus se dá a conhecer à humanidade. Explora os meios e modos de revelação, como escritura, natureza, razão e experiências pessoais de encontro com Deus.

Soteriologia

Soteriologia, vem do grego σωτήρ sōter, ‘salvador’ , ‘sustentador’ e λόγος lógos, ‘fala’ ou ‘discurso’, denota a subdisciplina e loci teológico acerca da doutrina da salvação das pessoas e da nova criação.

Tópicos comumente tratados sob a soteriologia incluem:

  • Expiação e reconciliação: O estudo de como a morte de Jesus Cristo traz a reconciliação entre Deus e a humanidade, abordando questões de sacrifício, perdão e redenção.
  • Graça: O conceito de favor divino imerecido e seu papel no processo de salvação. Isso inclui discussões sobre graça preveniente, graça salvadora e graça santificante.
  • Justificação: A compreensão teológica de como os indivíduos são justificados diante de Deus. Este tópico explora o papel da fé, das obras e da justiça imputada de Cristo.
  • Fé: O significado da fé no processo de salvação, incluindo discussões sobre a natureza e o papel da fé, sua relação com as obras e os diferentes entendimentos da fé dentro de diferentes tradições teológicas.
  • Regeneração: O renascimento espiritual ou renovação de um indivíduo através da obra do Espírito Santo. Isso inclui discussões sobre a natureza da regeneração, sua conexão com o batismo e seus efeitos na vida de uma pessoa.
  • Conversão: A experiência de se voltar para Deus e abraçar a fé em Jesus Cristo. Este tópico explora o processo de conversão, incluindo arrependimento, fé e os efeitos transformadores da conversão na vida de uma pessoa.
  • Ordem salvação (ordo salutis) ou via de salvação (via salutis) dos meios e processos de salvação.
  • Eleição e Predestinação: As doutrinas teológicas concernentes à soberana escolha e presciência de Deus na salvação de indivíduos e corporativamente, bme como a vontade de Deus em relação à liberdade humana.
  • Ética e dimensões políticas da salvação.
  • Escatologia: O estudo do destino final da humanidade e o cumprimento do plano de salvação de Deus. Isso inclui discussões sobre tópicos como céu, inferno, julgamento final e ressurreição dos mortos.
  • Universalismo vs. Particularismo: O debate teológico sobre a extensão da graça salvadora de Deus. O universalismo entende que grande parte (ou todos) possuem chances de salvação, enquanto o particularismo sustenta que a salvação é limitada a um grupo específico de pessoas.
  • Soteriologia Comparada: O estudo comparativo da salvação em diferentes tradições religiosas, examinando semelhanças e diferenças em crenças, práticas e entendimentos da salvação.

Dentre os focos, as teologias ortodoxa, anabatista, pietista, wesleyiana tendem a focar aspectos de soteriologia transformativa, enquanto as teologias reformadas (calvinistas, arminianas, neo-ortodoxas) e confessionalismo luterano tendem a salientar o polo de soteriologia forense. Já no meio desse contínuo estão as teologias Keswickiana e pentecostais clássicas.

Os verbetes sobre soteriologia podem ser encontrados nesse link.

Agora e ainda não

A escatologia agora e ainda não é um termo usado para descrever a tensão entre a realidade presente do reino de Deus e a consumação futura do reino de Deus. Enfatiza que o reino de Deus já foi inaugurado por meio da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, e que esse reino inaugurado agora está presente na vida dos crentes por meio da obra do Espírito Santo.

Ao mesmo tempo, porém, esta escatologia reconhece que o reino de Deus ainda não foi plenamente realizado e que há um aspecto futuro do reino que ainda está por vir. Esse aspecto futuro inclui o julgamento final, a ressurreição dos mortos, a renovação de todas as coisas e a plena realização do reinado de Deus sobre toda a criação.

O conceito decorre das Duas Eras presentes na Bíblia. Em hebraico- “ Olam hazzeh” que é “esta era” e “Olam Habah”, “a era vindoura.” O grego do Novo Testamento emprega essas mesmas duas divisões de tempo cerca de trinta vezes: “Aion ho houtos, “esta era” e “Aion ho mellon”, “a era do porvir”. A “Era vindoura” se sobrepõe a “esta Era” com a obra de Cristo em expulsar demônios e, especialmente, em sua ressurreição dentre os mortos. Enquanto a “era porvir” ainda está apenas em sua forma incipiente, pois o segundo advento virá no futuro em sua plena realização.

A escatologia “agora e ainda não” reconhece a tensão entre o já presente e os aspectos ainda não totalmente realizados do reino de Deus. Encoraja os crentes a viverem na realidade do reino de Deus agora, ao mesmo tempo em que espera seu cumprimento final no futuro.

Deus e feminilidade

Deus na Bíblia aparece em termos tanto transcendentes quanto antropomorfos ou personificados. Em algumas passagens antropomorfas, Deus aparece com aspectos femininos, bem como em termos gramaticais femininos ou em metáforas femininas.

Algumas passagens notórias são: Deus como Espírito pairando com uma forma verbal com terminação feminina, מְרַחֶ֖פֶת m’rechephet (Gênesis 1:2). Ainda na criação, a Imagem de Deus no ser humano criado como macho e fêmea (Gênesis 1:26-27). Deus poderoso com peitos e nutriz (El Shaddai) (Gênesis 17:2); Deus como mãe parturente (Eloah) (Deuteronômio 32:18); Deus como mãe águia (Êxodo 19:4). Deus como mãe que amamenta aparece em Isaías 49:14-15; 66:9-13, também possivelmente Oseias 11:4. Uma passagem compreensiva de vários desses aspectos femininos é Jó 33:4.

Quatro substantivos femininos são usados ​​no Antigo Testamento associados a Deus. O Espírito (Ruach) de Deus é uma hipóstase de Deus agindo no mundo. A Sabedoria (chokmah) de Deus é personificada com os propósitos de Deus, por vezes identificado como uma hipóstase ou identificado na tradição cristã com o Espírito Santo ou com o Verbo. A justiça de Deus aparece tanto na forma masculina (Tzedeq) quanto na feminina (Tzedakah). A Glória de Deus, Shekiná, também é tida por vezes como uma hipóstase ou indentificada com o Espírito Santo.

VEJA TAMBÉM

Midot – Atributos bíblicos de Deus.

Teologia dos Atributos

Santificação

A doutrina da santificação ou hagiologia é o estudo da transformação pessoal e social proporcionada pela fé em Jesus Cristo pela agência progressiva do Espírito Santo.

Individualmente, a santificação é um processo ao longo da vida que envolve o crente crescendo em maturidade espiritual e tornando-se mais semelhante a Cristo. Coletivamente, as várias formas da igreja cumprem o mandado de santificação ao espelhar-se em Cristo e buscar cumprir seus mandamentos conforme os ensinos nos evangelhos.

Geralmente são temas com maior importância em teologias da tradição ortodoxa grega e oriental, na tradição wesleyana (especialmente no movimento de santidade), pietista, anabatista e do movimento de Keswick.

Os tópicos típicos estudados na disciplina teológica da santificação incluem:

  • Os fundamentos bíblicos da santificação incluindo os papéis da fé, da graça e do Espírito Santo no processo. Como as Escrituras servem para o crescimento de fé e conduta (2 Tm 3:15-17), é natural busca nelas bases para subsidiar decisões éticas que afetem a santificação.
  • A natureza da santificação ou como como a santificação é alcançada, como é o processo e qual é o objetivo da santificação.
  • As concepções errôneas de santificação, tais como separatismo, legalismo, elitismo, falso moralismo, individualismo, egoísmo, buscar santificação pelo própri esforço, negligenciar o próximo e a criação na santificação.
  • A relação entre justificação e santificação, explora a conexão entre a retidão (ser justificado) pela fé e ser santificado pelo Espírito Santo.
  • Os meios da graça pelos quais os crentes podem crescer em santificação, incluindo oração, estudo da Bíblia, adoração, comunhão e serviço.
  • Os desafios da santificação que são os obstáculos e dificuldades que os crentes enfrentam no processo de santificação, incluindo pecado, tentação e conflito espiritual.
  • A santificação e ética ou das maneiras pelas quais a santificação molda o comportamento moral e ético dos crentes, enquanto buscam viver em comunhão e obediência à vontade de Deus.
  • A dimensão escatológica da santificação envolve explorar a relação entre a santificação e a esperança futura do crente, incluindo a ressurreição e a vida eterna.

Midot

Midot, plural do hebraico midah, medidas, normas, são os atributos bíblicos (isto é, inferidos nos textos bíblicos, não a partir da teologia natural ou da filosofia) que revelam o caráter de Deus.

Em comum salientam vários aspectos da graça: Deus é misericordioso; piedoso; tardio em irar-se; grande em beneficência; veraz; cheio em beneficência; que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; sem leniência com o culpado e a iniquidade.

Aparecem em Êx 34:6–7; Nm 14:18; Jl 2:13; Jn 4:2; Mq 7:18; Na 1:3; Sl 86:15; 103:8; 145:8; Ne 9:17.

Teologia dos atributos

A teologia dos atributos discute a natureza e características de Deus. Partindo do pressuposto que algum aspecto do caráter de Deus seja cognoscível, a teologia dos atributos podem ser a priori (fundamentada na teologia natural) ou a posteriori (fundamentada na revelação).

Alguns teólogos e tradições teológicas utilizam os conceitos de essências/energias, perfeições, características, modos, nomes e adjetivos com conotações similares aos de atributos.

DIFERENTE ABORDAGENS

No judaísmo do Segundo Templo surgiram personificações dos atributos divinos. Agentes divinos como a Sabedoria ou a Palavra aparecem para explicar a atuação de Deus na criação. Essa tendência iria continuar na via mística do judaísmo, sobretudo na cabala medieval.

Outra abordagem no judaísmo é a das midot ou atributos de Deus na reflexão rabínica para descrever do caráter e a natureza de Deus. As midots são derivadas a posteriori de Ex 24:6-7. Algumas das midot mais comumente reconhecidas incluem: chesed (bondade amorosa), rachamim (piedade), emet (verdade), tzuriyyot (força) e din (justiça). Essas midot facilitam compreender e se relacionar com Deus, orientando o comportamento ético e moral dos judeus. O conceito de midot é um aspecto importante na teologia judaica, estando presente na liturgia, oração e mística judaicas. Esses midot são conceitos apreendido pela reflexão e experiência religiosa vivida, pois desde Maimônides há uma tendência de rejeitar no judaísmo qualquer tentativa de delimitar por definições os atributos de Deus. Para Maimônides os atributos divinos não podem expressar a essência de Deus, mas descrevem seus atos. Lidar com os atributos de Deus a priori com base no racionalismo ou teologia natural seria conceber Deus em termos humanos, ou seja, idolatria.

A via apofática, também conhecida como “caminho da negação”, é uma tradição da teologia cristã que busca entender Deus examinando o que Deus não é, em vez do que Deus é. Essa abordagem enfatiza a inefabilidade e a transcendência de Deus, sugerindo que Deus está além da compreensão e da linguagem humana. Ao negar todos os atributos e conceitos que limitariam ou definiriam Deus, a via apofática busca transmitir um sentido do mistério e majestade do divino. Dessa forma, Deus é compreendido não por meio de afirmações positivas, mas por meio de um processo de negação e abandono de noções preconcebidas.

Os teólogos mais conhecidos que seguiram a via apofática incluem Dionísio, o Areopagita, Gregório de Nissa, Máximo, o Confessor, e no ocidente João da Cruz. Esses místicos e teólogos enfatizaram o conceito de “desconhecimento” e os limites da linguagem e compreensão humana quando se trata de compreender o divino. Seus escritos e ensinamentos ajudaram a estabelecer a via apofática como uma tradição central dentro da ortodoxia oriental e vertentes místicas do cristianismo ocidental. Esses pensadores continuam a ser amplamente lidos e estudados por suas percepções sobre a natureza de Deus e a relação entre o humano e o divino.

Na teologia da Ortodoxia Oriental, a distinção entre as essências e as energias de Deus é um conceito fundamental para compreender a natureza de Deus e a relação divino-humana. A essência de Deus se refere ao que é intrínseco e imutável, e que não pode ser comunicado ou compartilhado. As energias de Deus, por outro lado, são as expressões ou manifestações da essência divina que podem ser experimentadas pela humanidade. Esta distinção permite um equilíbrio entre a transcendência e a imanência de Deus, e destaca a ideia de que, enquanto a essência de Deus está além da compreensão humana, as energias de Deus podem ser experimentadas no mundo. O conceito de energias de Deus está frequentemente ligado à ideia de deificação, ou teologia, que sustenta que a humanidade pode participar da vida divina através da união com as energias de Deus.

Durante o período abássida (750-1258 EC), os filósofos muçulmanos desenvolveram uma teologia rica e sofisticada dos atributos de Deus a partir da fusão da dialética aristotélica siríaca com a teologia islâmica (kalam e tasuf). O Corão proíbe definir Deus e criar um ídolo conceitual. Mas por estarem na encruzilhada de contato entre várias religiões (judaísmo, cristianismo, budismo, hinduísmo) os teólogos muçulmanos queriam uma clareza quanto a concepção de Deus, quanto sua essência (dhāt) e atributos (sifāt). Assim, surgiram três escolas no islã:

  1. Hanbali: para quem os atributos de Deus são iguais aos atributos humanos; portanto, a linguagem humana é capaz de expressar os atributos divinos.
  2. Mutazila: há uma diferença irremediável entre o Criador e a criação, portanto, não há palavras ou conceitos para comparar Deus para estabelecer seus atributos. Contudo, tenta descrever Deus com “modos”, categorias entre algo existente e não existe ou por negações (via apofática).
  3. Asharia: Deus é inescrutável (com os mutazila), mas expressou seus efeitos em linguagem humana  aproximável da realidade (como os hanbali). Fazem a distinção entre sifat (atributos) x asma’ (nomes). Os atributos divinos seriam somente adjetivos (particípios ativos) como “sapiente”, “potente” e  “vivente” enquanto os nomes seriam substantivos “sábio”, “poderoso” e “vivo”.

Com a tradução na Espanha das obras de Avicena, Averróis, Avicebron, Al-Farabi e outros para o latim, essa questão entrou na teologia escolástica. Os defensores do método catafático (descrever Deus com afirmações) ganhou força. Além disso, havia os não realistas, os nominalistas e os realistas. E as três escolas islâmicas ganharam correspondentes no cristianismo.

Com base na vertente asharita veio a teologia ontológica de Anselmo, bem como a discussão dos atributos em relação estrutural entre si. Aselmo, contra a abordagem apofática, tratou Deus seria um Ser (ontos, entis); portanto, compreensível pelas categorias da filosofia. A partir disso, surge na teologia ocidental uma discussão sobre o elenco e classificação de atributos, bem como a inter-relação lógica entre eles. Os escolásticos, particularmente Tomás de Aquino, incorporaram elementos dessa teologia em suas próprias reflexões sobre os atributos de Deus e os usaram para desenvolver ainda mais sua própria compreensão da natureza de Deus.

No período sucessor da Reforma, a escolástica protestante dos luteranos e reformados baseou-se numa teologia dos atributos. Em fusão com a racionalidade da era moderna que nascia, os atributos foram discutidos em termos atomísticos e em linguagem univocais. Autores puritanos como Stephen Charnock (1628–1680), William Perkins (1558-1602) ou da Segunda Reforma Holandesa como Gisbertus Voetius (1589-1676) fundamentaram suas teologias nos atributos da natureza de Deus.

Em caminho contrário, herdeiros da Devotio Moderna, os anabatistas, radicais e pietistas desenvolveram uma teologia relacional. Ao invés de conhecer acerca da natureza de Deus, o conhecimento de Deus seria via comunidade e discipulado (caso dos anabatistas) ou por luz interior (caso dos radicais como os Quakers e Schwekenfelders) ou por transformação devocional (como os pietistas).

No século XIX houve um renovado interesse na teologia dos atributos no Alto Calvinismo. Teólogos como A.H. Strong, a Escola de Princeton, A. W. Pink, Bavinck, definiram, classificaram e discutiram os atributos de Deus em termos de uma racionalidade positivista. Pressupondo uma relação isomórfica entre linguagem e realidade, os atributos de Deus seriam compreensíveis de modo seguro. Em seguida, como em um sistema matemático, os atributos serviriam como axiomas do qual derivariam corolários e julgaria todas outras doutrinas.

A categorização dos atributos é algo importante para essa escola. Teólogos como Henry Thiessen e Vernon Doerksen classificam os atributos em não moral e moral. Outra proposta por Augustus Hopkins Strong classifica Absolutos/Imanentes e Relativos/Transitivos. Diferente classificação faz William Shedd, Charles Hodge, Louis Berkhof e Herman Bavinck em atributos Incomunicáveis e Comunicáveis. Esses autores também divergem nas definições de cada atributo.

As abordagens inspiradas na teologia natural e no racionalismo foram vistas por suspeição por diversas correntes teológicas do século XX. Em comum, parte de uma elaboração a posteriori, quer na pessoa de Cristo, quer na filosofia da revelação do Ser, quer em termos biblicistas, essas teologias preocuparam-se menos em definir a natureza divina e mais em um conhecimento imediato.

Na teologia acadêmica, Barth acreditava que os atributos de Deus não devem ser compreendidos como uma lista de características divinas, mas sim como as formas pelas quais Deus se revelou na Bíblia. Ele argumentou que os atributos de Deus não são estáticos, mas estão constantemente se desenrolando e mudando em resposta à auto-revelação de Deus no mundo. A partir da revelação de Deus em Cristo, Barth discute as perfeições de asseidade, simplicidade, imutabilidade, impassibilidade e atemporalidade de Deus. Para Barth, os atributos de Deus não eram inerentes à natureza divina, mas eram resultado da interação de Deus com a humanidade. Isso significa que os atributos de Deus dependem da relação de Deus com a humanidade e não podem ser totalmente compreendidos fora dessa relação. A tradição barthiana, também conhecida como neo-ortodoxia, enfatiza a ideia de que Deus é radicalmente transcendente e além da compreensão humana, mas que Deus pode ser conhecido através da auto-revelação de Deus em Jesus Cristo.

Paul Tillich, teólogo protestante alemão-americano, compreendeu os atributos de Deus de uma forma única. Tillich acreditava que os atributos de Deus não eram traços ou características que pudessem ser atribuídos a Deus, mas sim eram expressões do ser de Deus. Deus é a base de todo ser e que os atributos de Deus são as formas pelas quais o Ser de Deus teve manifestação no mundo. Para Tillich, os atributos de Deus não eram separados ou distintos do Ser de Deus, mas eram, em vez disso, o resultado do Ser de Deus no mundo. Isso significa que os atributos de Deus não são isolados ou desvinculados, mas são, ao invés disso, essenciais para compreender a realidade completa do ser de Deus.

Pentecostais entendem as atributos de Deus através da lente de Jesus Cristo como Salvador, Batizador com o Espírito Santo, Aquele que Cura e Rei Vindouro. Como parte do evangelho pleno, acreditam que o ministério terreno de Jesus foi uma revelação completa do caráter e atributos de Deus, como compaixão, poder, sabedoria e justiça. Assim, Jesus é visto como o Salvador divino através de sua morte e ressurreição, o Batizador mediante o Espírito Santo, Aquele que cura através de seus milagres e o Rei Vindouro cumprindo sua promessa de um reino futuro. Pentecostais acreditam que através do Espírito Santo, os efeitos desses atributos estão disponíveis para os crentes, capacitando-os a refletir o caráter de Deus e a participar de sua obra redentora contínua no mundo.

Na filosofia ocidental passou-se a discutir se os atributos são internamente coerentes (por exemplo, onibenevolência com onipotência) e suas compatibilidade com outras realidades ontológicas como a existência do mal, a liberdade humana ou as leis da natureza.

BIBLIOGRAFIA

Bray, Gerald, Graham A Cole, and Oren R Martin. The Attributes of God. Wheaton: Crossway, 2021.

Brondos, David A. “Sola Gratia as Divine Attribute: Resurrecting the God of the Gospel.” Dialog : A Journal of Theology 54, no. 3 (2015): 269-79.

Dayton, Donald W. Theological roots of Pentecostalism. Hendrickson, 2000.

Hurtado, Larry W. One God, One Lord : Early Christian Devotion and Ancient Jewish Monotheism. Cornerstones. London: Bloomsbury T&T Clark, 2015.

Lévi, Ide, and Alejandro Pérez. “Editorial: God’s Nature and Attributes.” TheoLogica 3, no. 2 (2019): 1-2. DOI: https://doi.org/10.14428/thl.v3i2.52523

Vondey, Wolfgang. Pentecostal Theology: Living the Full Gospel. London: Bloomsbury T&T Clark, 2017.

Wierenga, Edward R. The Nature of God. Ithaca: Cornell University Press, 1989.

APÊNDICE: ATRIBUTOS DE DEUS SEGUNDO ABORDAGENS DA TEOLOGIA NATURAL OU ATRIBUTOS A PRIORI

  • Amor
  • Asseidade
  • Autoexistência
  • Autosuficência
  • Bondade
  • Criador
  • Doador da vida
  • Espírito
  • Eterno
  • Fidelidade
  • Graça
  • Imanência
  • Imaterialidade
  • Impassibilidade
  • Impecabilidade
  • Imutabilidade
  • Incompreensibilidade
  • Incorporalidade
  • Infinidade
  • Ira
  • Justo
  • Misericórdia
  • Missão
  • Mistério
  • Onibenevolência
  • Onipotência
  • Onipresença
  • Onisciência
  • Paciente
  • Perfeito
  • Pessoalidade
  • Providência
  • Sabedoria
  • Santidade
  • Simplicidade
  • Soberania
  • Sustentador
  • Transcendência
  • Triunidade (Trindade)
  • Unidade
  • Veracidade
  • Zeloso