A teologia dos atributos discute a natureza e características de Deus. Partindo do pressuposto que algum aspecto do caráter de Deus seja cognoscível, a teologia dos atributos podem ser a priori (fundamentada na teologia natural) ou a posteriori (fundamentada na revelação).
Alguns teólogos e tradições teológicas utilizam os conceitos de essências/energias, perfeições, características, modos, nomes e adjetivos com conotações similares aos de atributos.
DIFERENTE ABORDAGENS
No judaísmo do Segundo Templo surgiram personificações dos atributos divinos. Agentes divinos como a Sabedoria ou a Palavra aparecem para explicar a atuação de Deus na criação. Essa tendência iria continuar na via mística do judaísmo, sobretudo na cabala medieval.
Outra abordagem no judaísmo é a das midot ou atributos de Deus na reflexão rabínica para descrever do caráter e a natureza de Deus. As midots são derivadas a posteriori de Ex 24:6-7. Algumas das midot mais comumente reconhecidas incluem: chesed (bondade amorosa), rachamim (piedade), emet (verdade), tzuriyyot (força) e din (justiça). Essas midot facilitam compreender e se relacionar com Deus, orientando o comportamento ético e moral dos judeus. O conceito de midot é um aspecto importante na teologia judaica, estando presente na liturgia, oração e mística judaicas. Esses midot são conceitos apreendido pela reflexão e experiência religiosa vivida, pois desde Maimônides há uma tendência de rejeitar no judaísmo qualquer tentativa de delimitar por definições os atributos de Deus. Para Maimônides os atributos divinos não podem expressar a essência de Deus, mas descrevem seus atos. Lidar com os atributos de Deus a priori com base no racionalismo ou teologia natural seria conceber Deus em termos humanos, ou seja, idolatria.
A via apofática, também conhecida como “caminho da negação”, é uma tradição da teologia cristã que busca entender Deus examinando o que Deus não é, em vez do que Deus é. Essa abordagem enfatiza a inefabilidade e a transcendência de Deus, sugerindo que Deus está além da compreensão e da linguagem humana. Ao negar todos os atributos e conceitos que limitariam ou definiriam Deus, a via apofática busca transmitir um sentido do mistério e majestade do divino. Dessa forma, Deus é compreendido não por meio de afirmações positivas, mas por meio de um processo de negação e abandono de noções preconcebidas.
Os teólogos mais conhecidos que seguiram a via apofática incluem Dionísio, o Areopagita, Gregório de Nissa, Máximo, o Confessor, e no ocidente João da Cruz. Esses místicos e teólogos enfatizaram o conceito de “desconhecimento” e os limites da linguagem e compreensão humana quando se trata de compreender o divino. Seus escritos e ensinamentos ajudaram a estabelecer a via apofática como uma tradição central dentro da ortodoxia oriental e vertentes místicas do cristianismo ocidental. Esses pensadores continuam a ser amplamente lidos e estudados por suas percepções sobre a natureza de Deus e a relação entre o humano e o divino.
Na teologia da Ortodoxia Oriental, a distinção entre as essências e as energias de Deus é um conceito fundamental para compreender a natureza de Deus e a relação divino-humana. A essência de Deus se refere ao que é intrínseco e imutável, e que não pode ser comunicado ou compartilhado. As energias de Deus, por outro lado, são as expressões ou manifestações da essência divina que podem ser experimentadas pela humanidade. Esta distinção permite um equilíbrio entre a transcendência e a imanência de Deus, e destaca a ideia de que, enquanto a essência de Deus está além da compreensão humana, as energias de Deus podem ser experimentadas no mundo. O conceito de energias de Deus está frequentemente ligado à ideia de deificação, ou teologia, que sustenta que a humanidade pode participar da vida divina através da união com as energias de Deus.
Durante o período abássida (750-1258 EC), os filósofos muçulmanos desenvolveram uma teologia rica e sofisticada dos atributos de Deus a partir da fusão da dialética aristotélica siríaca com a teologia islâmica (kalam e tasuf). O Corão proíbe definir Deus e criar um ídolo conceitual. Mas por estarem na encruzilhada de contato entre várias religiões (judaísmo, cristianismo, budismo, hinduísmo) os teólogos muçulmanos queriam uma clareza quanto a concepção de Deus, quanto sua essência (dhāt) e atributos (sifāt). Assim, surgiram três escolas no islã:
- Hanbali: para quem os atributos de Deus são iguais aos atributos humanos; portanto, a linguagem humana é capaz de expressar os atributos divinos.
- Mutazila: há uma diferença irremediável entre o Criador e a criação, portanto, não há palavras ou conceitos para comparar Deus para estabelecer seus atributos. Contudo, tenta descrever Deus com “modos”, categorias entre algo existente e não existe ou por negações (via apofática).
- Asharia: Deus é inescrutável (com os mutazila), mas expressou seus efeitos em linguagem humana aproximável da realidade (como os hanbali). Fazem a distinção entre sifat (atributos) x asma’ (nomes). Os atributos divinos seriam somente adjetivos (particípios ativos) como “sapiente”, “potente” e “vivente” enquanto os nomes seriam substantivos “sábio”, “poderoso” e “vivo”.
Com a tradução na Espanha das obras de Avicena, Averróis, Avicebron, Al-Farabi e outros para o latim, essa questão entrou na teologia escolástica. Os defensores do método catafático (descrever Deus com afirmações) ganhou força. Além disso, havia os não realistas, os nominalistas e os realistas. E as três escolas islâmicas ganharam correspondentes no cristianismo.
Com base na vertente asharita veio a teologia ontológica de Anselmo, bem como a discussão dos atributos em relação estrutural entre si. Aselmo, contra a abordagem apofática, tratou Deus seria um Ser (ontos, entis); portanto, compreensível pelas categorias da filosofia. A partir disso, surge na teologia ocidental uma discussão sobre o elenco e classificação de atributos, bem como a inter-relação lógica entre eles. Os escolásticos, particularmente Tomás de Aquino, incorporaram elementos dessa teologia em suas próprias reflexões sobre os atributos de Deus e os usaram para desenvolver ainda mais sua própria compreensão da natureza de Deus.
No período sucessor da Reforma, a escolástica protestante dos luteranos e reformados baseou-se numa teologia dos atributos. Em fusão com a racionalidade da era moderna que nascia, os atributos foram discutidos em termos atomísticos e em linguagem univocais. Autores puritanos como Stephen Charnock (1628–1680), William Perkins (1558-1602) ou da Segunda Reforma Holandesa como Gisbertus Voetius (1589-1676) fundamentaram suas teologias nos atributos da natureza de Deus.
Em caminho contrário, herdeiros da Devotio Moderna, os anabatistas, radicais e pietistas desenvolveram uma teologia relacional. Ao invés de conhecer acerca da natureza de Deus, o conhecimento de Deus seria via comunidade e discipulado (caso dos anabatistas) ou por luz interior (caso dos radicais como os Quakers e Schwekenfelders) ou por transformação devocional (como os pietistas).
No século XIX houve um renovado interesse na teologia dos atributos no Alto Calvinismo. Teólogos como A.H. Strong, a Escola de Princeton, A. W. Pink, Bavinck, definiram, classificaram e discutiram os atributos de Deus em termos de uma racionalidade positivista. Pressupondo uma relação isomórfica entre linguagem e realidade, os atributos de Deus seriam compreensíveis de modo seguro. Em seguida, como em um sistema matemático, os atributos serviriam como axiomas do qual derivariam corolários e julgaria todas outras doutrinas.
A categorização dos atributos é algo importante para essa escola. Teólogos como Henry Thiessen e Vernon Doerksen classificam os atributos em não moral e moral. Outra proposta por Augustus Hopkins Strong classifica Absolutos/Imanentes e Relativos/Transitivos. Diferente classificação faz William Shedd, Charles Hodge, Louis Berkhof e Herman Bavinck em atributos Incomunicáveis e Comunicáveis. Esses autores também divergem nas definições de cada atributo.
As abordagens inspiradas na teologia natural e no racionalismo foram vistas por suspeição por diversas correntes teológicas do século XX. Em comum, parte de uma elaboração a posteriori, quer na pessoa de Cristo, quer na filosofia da revelação do Ser, quer em termos biblicistas, essas teologias preocuparam-se menos em definir a natureza divina e mais em um conhecimento imediato.
Na teologia acadêmica, Barth acreditava que os atributos de Deus não devem ser compreendidos como uma lista de características divinas, mas sim como as formas pelas quais Deus se revelou na Bíblia. Ele argumentou que os atributos de Deus não são estáticos, mas estão constantemente se desenrolando e mudando em resposta à auto-revelação de Deus no mundo. A partir da revelação de Deus em Cristo, Barth discute as perfeições de asseidade, simplicidade, imutabilidade, impassibilidade e atemporalidade de Deus. Para Barth, os atributos de Deus não eram inerentes à natureza divina, mas eram resultado da interação de Deus com a humanidade. Isso significa que os atributos de Deus dependem da relação de Deus com a humanidade e não podem ser totalmente compreendidos fora dessa relação. A tradição barthiana, também conhecida como neo-ortodoxia, enfatiza a ideia de que Deus é radicalmente transcendente e além da compreensão humana, mas que Deus pode ser conhecido através da auto-revelação de Deus em Jesus Cristo.
Paul Tillich, teólogo protestante alemão-americano, compreendeu os atributos de Deus de uma forma única. Tillich acreditava que os atributos de Deus não eram traços ou características que pudessem ser atribuídos a Deus, mas sim eram expressões do ser de Deus. Deus é a base de todo ser e que os atributos de Deus são as formas pelas quais o Ser de Deus teve manifestação no mundo. Para Tillich, os atributos de Deus não eram separados ou distintos do Ser de Deus, mas eram, em vez disso, o resultado do Ser de Deus no mundo. Isso significa que os atributos de Deus não são isolados ou desvinculados, mas são, ao invés disso, essenciais para compreender a realidade completa do ser de Deus.
Pentecostais entendem as atributos de Deus através da lente de Jesus Cristo como Salvador, Batizador com o Espírito Santo, Aquele que Cura e Rei Vindouro. Como parte do evangelho pleno, acreditam que o ministério terreno de Jesus foi uma revelação completa do caráter e atributos de Deus, como compaixão, poder, sabedoria e justiça. Assim, Jesus é visto como o Salvador divino através de sua morte e ressurreição, o Batizador mediante o Espírito Santo, Aquele que cura através de seus milagres e o Rei Vindouro cumprindo sua promessa de um reino futuro. Pentecostais acreditam que através do Espírito Santo, os efeitos desses atributos estão disponíveis para os crentes, capacitando-os a refletir o caráter de Deus e a participar de sua obra redentora contínua no mundo.
Na filosofia ocidental passou-se a discutir se os atributos são internamente coerentes (por exemplo, onibenevolência com onipotência) e suas compatibilidade com outras realidades ontológicas como a existência do mal, a liberdade humana ou as leis da natureza.
BIBLIOGRAFIA
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Wierenga, Edward R. The Nature of God. Ithaca: Cornell University Press, 1989.
APÊNDICE: ATRIBUTOS DE DEUS SEGUNDO ABORDAGENS DA TEOLOGIA NATURAL OU ATRIBUTOS A PRIORI
- Amor
- Asseidade
- Autoexistência
- Autosuficência
- Bondade
- Criador
- Doador da vida
- Espírito
- Eterno
- Fidelidade
- Graça
- Imanência
- Imaterialidade
- Impassibilidade
- Impecabilidade
- Imutabilidade
- Incompreensibilidade
- Incorporalidade
- Infinidade
- Ira
- Justo
- Misericórdia
- Missão
- Mistério
- Onibenevolência
- Onipotência
- Onipresença
- Onisciência
- Paciente
- Perfeito
- Pessoalidade
- Providência
- Sabedoria
- Santidade
- Simplicidade
- Soberania
- Sustentador
- Transcendência
- Triunidade (Trindade)
- Unidade
- Veracidade
- Zeloso