Divórcio

O divórcio é a dissolução dos vínculos matrimoniais. Na Bíblia, o assunto não inequívoco.

Embora tolerado em algumas situações na Lei Mosaica (Dt 24:1), o livro de Malaquias fornece uma condenação ao divórcio que pode ser interpretada como uma resposta à política de Esdras e Neemias. Eles, ao retornarem do exílio babilônico, implementaram medidas rigorosas para preservar a identidade religiosa de Israel. Uma dessas medidas foi a exigência de que judeus divorciassem suas esposas estrangeiras, conforme descrito em Esdras 9-10 e Neemias 13. Embora o objetivo fosse evitar a influência de culturas e religiões estrangeiras, tal política resultou em sofrimento e injustiça para muitas famílias. Talvez contemporâneos a eles, Malaquias 2:10-16 denuncia a traição e a deslealdade, comparando-as à violação da aliança entre Deus e Israel. A abordagem do profeta sugere um contraste entre a fidelidade divina e a infidelidade humana, defendendo o casamento como uma união sagrada abençoada por Deus. Ao criticar o divórcio, Malaquias parece destacar não apenas uma questão moral, mas também a hipocrisia de um sistema que promovia a justiça ritual em detrimento da justiça social.

O divórcio também foi tema de intensos debates rabínicos no período do Segundo Templo, especialmente entre as escolas de Hillel e Shamai. Ambas interpretavam Deuteronômio 24:1, que menciona “alguma coisa indecente” como motivo para o divórcio, mas chegavam a conclusões opostas. A escola de Shamai defendia uma interpretação restrita, permitindo o divórcio apenas em casos de adultério ou imoralidade sexual grave. Essa abordagem refletia uma leitura rigorosa da Lei e buscava proteger a santidade do casamento. Por outro lado, a escola de Hillel propunha uma interpretação mais liberal, permitindo o divórcio por qualquer razão que desagradasse o marido, como queimar a comida. Essa visão enfatizava a prerrogativa masculina no divórcio, exacerbando as desigualdades de gênero na sociedade judaica da época. Esse debate ilustra como a interpretação da Torá era moldada por preocupações teológicas, sociais e políticas. As divergências entre as escolas de Hillel e Shamai não só refletem a diversidade do pensamento judaico, mas também o impacto das mudanças culturais e legais no conceito de casamento e divórcio.

Jesus, ao ser questionado sobre o divórcio, não se alinha completamente com nenhuma das escolas rabínicas. Ele reafirma o ideal divino do casamento como uma união séria, destacando que a Lei mosaica permitiu o divórcio apenas por causa da “dureza de coração” humana (Gn 2:24; Mc 10:9). Contudo, Jesus admite o divórcio em casos de “porneia”, (Mt 19:9; 5:32), um termo que pode abranger desde adultério até outras formas de imoralidade sexual e abrangeria também a infedelidade masculina — algo geralmente desconsiderado na época. A posição de Jesus transcende os debates rabínicos ao enfatizar a fidelidade à criação, apresentando o casamento como uma instituição divina destinada a ser permanente.

Paulo, por sua vez, abordou o divórcio em contextos específicos, como a conversão de um dos cônjuges (1Co 7:15), orientando os cristãos a buscarem a reconciliação sempre que possível.

No mundo antigo, as leis sobre sexo, casamento, adultério e divórcio estavam mais relacionadas à propriedade do que à moralidade. O casamento era visto como um contrato que garantia a transferência de bens e a perpetuação da linhagem familiar. A mulher era considerada propriedade do homem, e o adultério por parte da mulher era uma violação dessa propriedade. O divórcio, portanto, era uma forma de dissolver o contrato matrimonial e restabelecer os direitos de propriedade do homem. Essa perspectiva patriarcal e materialista contrasta com o ensino bíblico sobre o casamento como uma união de amor, fidelidade e companheirismo mútuo.

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