Acaso

O conceito de “acaso” na Bíblia é expresso por diferentes termos hebraicos e gregos, cada um com suas nuances. A ideia de sorte ou fortuna está presente em Gênesis 30:11, onde na Septuaginta Leia usa a palavra tyche (traduzida como “afortunada”). Em Isaías 65:11, tyche representa a deusa Fortuna, associada ao destino e à sorte.

A noção de acaso como “má sorte” aparece em 1 Samuel 6:9, onde os filisteus cogitam atribuir suas calamidades ao azar. O termo hebraico pega’ expressa a ideia de acaso ou evento inesperado em Deuteronômio 22:6 e 2 Samuel 20:1. Em Eclesiastes 9:11, pega’ se refere ao “tempo e à sorte”, enquanto em 1 Reis 5:4 significa “mau encontro” ou “infortúnio”.

A palavra hebraica qara, frequentemente traduzida como “acontecer” ou “encontrar por acaso”, expressa a ideia de um evento fortuito ou inesperado. Ela aparece em diversos contextos no Antigo Testamento, ilustrando a ocorrência de eventos que parecem estar além do controle humano, mas que, na perspectiva bíblica, estão sob a soberania de Deus.

Exemplos do uso de qara na Bíblia:

  • Encontrar algo inesperado: “Quando encontrares [por acaso] algum ninho de ave no caminho…” (Deuteronômio 22:6).
  • Encontrar alguém inesperadamente: “Se achou ali, por acaso, um homem…” (2 Samuel 20:1).
  • Eventos inesperados na vida: “…o tempo e o acaso pertencem a todos” (Eclesiastes 9:11). Aqui, a palavra qara é traduzida como “acaso” e expressa a imprevisibilidade da vida e a ocorrência de eventos que fogem ao controle humano.
  • Ausência de adversidades: “…adversário não há, nem algum mau encontro [ou infortúnio]” (1 Reis 5:4). Neste caso, qara se refere à ausência de eventos negativos inesperados.

É importante notar que a perspectiva bíblica sobre o acaso é complexa. Embora reconheça a existência de eventos inesperados e imprevisíveis, a Bíblia afirma a soberania de Deus sobre todas as coisas. Provérbios 16:33 declara que “a sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a decisão”. Isso significa que, mesmo nos eventos aparentemente aleatórios, Deus está no controle, guiando a história e as vidas de acordo com seus propósitos.

Alma

ALMA O conceito de “alma” na Bíblia Hebraica, expresso pelo termo néfesh, difere significativamente da noção platônica de uma entidade imaterial e imortal separada do corpo. Em vez disso, néfesh denota a própria vida, o princípio vital que anima o ser humano e o distingue dos seres inanimados. A “alma vivente” em Gênesis 2:7, por exemplo, não se refere a uma substância imaterial, mas sim ao ser humano como um todo, um organismo vivo e animado pelo sopro divino.

A néfesh abrange as dimensões física, psicológica e espiritual do ser humano, incluindo apetite, emoções, intelecto e vontade. Ela não é imortal por natureza, mas está sujeita à morte física, como expresso em diversos textos bíblicos (e.g., Ezequiel 18:4). A esperança de vida após a morte no Antigo Testamento está ligada à ressurreição do corpo, não à imortalidade inerente da alma.

No Novo Testamento, o termo grego psyché mantém uma relação complexa com o conceito hebraico de néfesh. Em alguns contextos, psyché se refere à vida física ou à pessoa como um todo, enquanto em outros, parece denotar uma dimensão interior que pode ser separada do corpo após a morte, como em Mateus 10:28. Essa aparente dualidade reflete a influência do pensamento grego sobre a cosmovisão judaica no período intertestamentário.

O debate entre dicotomistas e tricotomistas sobre a constituição do ser humano (corpo e alma versus corpo, alma e espírito) ilustra a complexidade do tema e a diversidade de interpretações. A Bíblia não apresenta uma teoria sistemática sobre a alma, mas utiliza a linguagem de forma dinâmica e contextualizada para expressar a totalidade da experiência humana.

A “alma” na Bíblia, portanto, não se encaixa perfeitamente nas categorias filosóficas modernas do mundo Ocidental. Ela representa a vida em sua plenitude, a unidade psicossomática que define o ser humano como criatura de Deus.  

Donum Superadditum

Donum Superadditum é a doutrina escolástica de que graça foi superacrescentada a Adão. Seria um dom gratuito de Deus que vai além dos dons naturais que acompanham a natureza humana. Um exemplo desse dom sobrenatural é a graça divina salvítica.

O primeiro homem teria recebido tal graça além de seus poderes naturais, e cuja graça foi perdida pela Queda. Na teologia escolástica de Scotus Erigena w Boaventura, a justiça original (justitia originalis) foi adicionada aos poderes naturais do homem (pura naturalia) como um donum superadditum. Já para Tomás de Aquino o homem foi criado na posse da justiça original, mas ainda assim como uma graça acrescentada aos seus poderes naturais.