Lúcifer

O termo lúcifer não é originalmente um nome próprio, mas uma palavra latina que significa “estrela da manhã” ou “portador da luz” (“lux”, luz; “ferre”, carregar). Na literatura latina, é usado para designar o planeta Vênus quando visível no céu matutino antes do nascer do sol. Em contraposição, o termo “Hesperus” era usado para referir-se a Vênus no céu vespertino. A associação de Lúcifer como uma figura espiritual ou demoníaca emergiu posteriormente e não reflete o uso original.

Na tradução da Vulgata latina da Bíblia, “Lúcifer” aparece em passagens como Isaías 14:12 (“Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da alva!”). Esta passagem refere-se ao rei da Babilônia, usando uma linguagem metafórica para descrever sua queda de grandeza. Contudo, a menção de uma “queda do céu” levou à interpretação espiritual por parte de cristãos, identificando Lúcifer com Satanás. No Novo Testamento, em 2 Pedro 1:19, o termo grego correspondente “Phosphoros” também é traduzido como “estrela da manhã” e é associado a Cristo, indicando o caráter metafórico e ambíguo do termo.

A associação de Lúcifer com Satanás consolidou-se no terceiro século, quando teólogos como Orígenes e Tertuliano identificaram o “portador da luz” com o diabo. Orígenes, por exemplo, comparou Lúcifer (ou Eóforo) com o espírito celestial que caiu do céu ao tentar equiparar-se a Deus. Esta visão foi compartilhada por outros autores patrísticos, como Cipriano e Jerônimo, que viam a queda descrita em Isaías como um reflexo simbólico da queda de Satanás do estado celestial.

Na literatura judaica esotérica, o nome Lúcifer raramente aparece. Satanás é geralmente chamado de “Samael” ou simplesmente “O Adversário”. Textos como o Livro de Enoque descrevem a queda dos anjos sob a liderança de figuras como Samḥazai e Azael, que, ao transgredirem, foram condenados a habitar entre os humanos ou a vagar entre o céu e a terra. Essa narrativa também foi interpretada como um precursor das lendas cristãs sobre Lúcifer.

Durante a Reforma, João Calvino rejeitou a associação de Lúcifer com Satanás, preferindo interpretar Isaías 14 como uma alusão direta ao rei babilônico e não a uma figura demoníaca.

Astronomia na Bíblia

A Bíblia, embora não seja um texto científico, contém diversas referências a corpos celestes e fenômenos astronômicos. Essas referências refletem a compreensão do cosmos pelos povos do antigo Oriente Próximo (AOP) e do mundo bíblico, e são utilizadas com propósitos diversos, desde a marcação do tempo e das estações até a expressão de ideias teológicas e literárias.

Astronomia no Antigo Oriente Próximo

Os povos do AOP desenvolveram um conhecimento astronômico sofisticado, motivado por necessidades práticas como a agricultura e a navegação, bem como por crenças religiosas e astrológicas. Observavam o céu a olho nu, identificando estrelas, constelações e planetas, e registrando seus movimentos e ciclos. Associavam os corpos celestes a divindades e acreditavam que sua posição e seus movimentos influenciavam os eventos terrestres. A astronomia era, portanto, uma disciplina integrada à religião, à mitologia e à vida cotidiana.

Astronomia Bíblica

A Bíblia Hebraica contém inúmeras referências astronômicas, muitas vezes entrelaçadas com a cosmologia e a teologia. O Gênesis descreve a criação do universo, incluindo o Sol, a Lua e as estrelas, como obra de Deus. Outros livros mencionam constelações como as Plêiades (Kimah), Órion (Kesil) e a Ursa Maior (Mezarim), demonstrando familiaridade com o céu noturno. A Bíblia também alude a eventos astronômicos como eclipses solares e lunares, interpretados como sinais divinos.

No Novo Testamento, as referências astronômicas são menos frequentes e geralmente simbólicas. A “Estrela de Belém” guia os magos até o local de nascimento de Jesus, representando a manifestação divina. Em outros trechos, as estrelas são usadas como metáforas para pessoas ou eventos, como em Judas 1:13, onde “estrelas errantes” simbolizam indivíduos que se desviaram da fé.

Compreensão e Uso da Astronomia

É importante reconhecer que a compreensão astronômica na Bíblia reflete o conhecimento da época. A cosmologia bíblica era geocêntrica, com a Terra no centro do universo. As estrelas eram frequentemente vistas como “luzes” no firmamento, e os planetas eram considerados “estrelas errantes”. No entanto, a Bíblia também expressa admiração pela ordem e beleza do cosmos, reconhecendo a glória individual de cada corpo celeste (1 Coríntios 15:41).

As referências astronômicas na Bíblia cumprem diversas funções. Algumas são usadas para marcar o tempo e as estações, como no ciclo lunar que regia o calendário religioso. Outras servem como metáforas e alegorias, enriquecendo a linguagem poética e profética. Em alguns casos, os eventos astronômicos são interpretados como sinais divinos, prenunciando julgamentos ou eventos importantes.

LISTA DE CORPOS CELESTES

Ash/Ayish (עש): Possivelmente o aglomerado estelar das Híades, localizado na constelação de Touro. Jó 9:9; 38:31.

Hadre Theman (חדרי תימן) – “câmaras do sul”: Região do céu visível no hemisfério sul, possivelmente incluindo estrelas como Canopus, o Cruzeiro do Sul e Alfa Centauri. Jó 9:9.

Kesil (כסיל): Constelação de Órion, com estrelas brilhantes e formato distinto, facilmente reconhecível pelos povos antigos. Jó 9:9; 38:31; Amós 5:8.

Kimah (כימה): Identificado como o aglomerado estelar das Plêiades, um grupo de estrelas jovens visível a olho nu. Jó 9:9; 38:31; Amós 5:8.

Mazzaroth (מזרות): Um dos termos mais difíceis de identificar. Uma forte hipótese o associa ao planeta Vênus, como estrela da manhã (Lúcifer) e estrela da tarde (Vésper). Jó 38:32; 2 Reis 23:5.

Mezarim (מזרים): Provável referência às constelações Ursa Maior e Ursa Menor, importantes para a navegação por serem circumpolares. Jó 37:9.

Nachash (נחש): Constelação do Dragão, que serpenteia ao redor do polo norte celeste. Referências bíblicas: Jó 26:13.

Shemesh (שמש); hélios (ἥλιος) – Sol: A estrela central do nosso sistema solar, fonte de luz e calor para a Terra. Gênesis 1:16; Salmos 19:1; Mateus 24:29.

Yareach (ירח), selēnē (σελήνη) – Lua: Satélite natural da Terra, responsável pelas marés e pela iluminação noturna. Gênesis 1:16; Salmos 104:19; Mateus 24:29.