Propagação do pecado adâmico

A passagem de Romanos 5:12-21 na antropologia cristã (doutrina da humanidade) e a soteriologia (doutrina da salvação) descreve como o pecado e a morte se espalharam à humanidade a partir de Adão, o primeiro homem. O versículo chave, Romanos 5:12, apresenta o ponto central de divergência teológica na interpretação da frase: “assim também a morte se estendeu a todos os homens, porque todos pecaram.”

As diferentes visões se concentram em dois conceitos principais sobre a relação entre Adão e seus descendentes:

Representação federal: Adão é o representante ou cabeça de aliança de toda a humanidade. Seu pecado é legalmente imputado a todos. A humanidade é culpada devido ao ato de Adão.

Representação seminal (ou realismo): a humanidade estava literalmente presente na semente de Adão. Quando ele pecou, todos participaram do ato. A humanidade é culpada porque pecou nele.

As tradições ocidentais (católica e protestante) geralmente afirmam tanto a culpa original quanto a corrupção original.

A visão agostiniana (representação seminal), historicamente dominante, sustenta que o pecado e a culpa são transmitidos biologicamente. Ao pecar, todos pecaram nele (in quo omnes peccaverunt — “em quem todos pecaram”). A natureza do pecado original é uma culpa legal e uma corrupção moral herdadas, que colocam cada pessoa sob a condenação de Deus desde a concepção. Leva a uma doutrina de depravação universal, onde todos os aspectos da natureza humana estão corrompidos. O conceito agostiniano de transmissão do pecado por ato sexual silenciosamente foi deixado de lado com o avanço das fertilizações in vitro no final do século XX.

Ja visão escolástica (agostinianismo refinado) da teologia medieval (e.g., Tomás de Aquino) sistematizou a visão agostiniana, focando na perda. O principal problema é a perda da justiça original (a graça que orientava a humanidade para Deus), transmitida biologicamente, ou como diríamos hoje, no DNA, resultando na concupiscência (desejos desordenados). A natureza do pecado original foi a privação da justiça original, levando à corrupção das faculdades humanas. A culpa ainda é transmitida, mas o foco recai mais sobre a corrupção da natureza. O batismo removeria a culpa do pecado original, mas não erradica totalmente a concupiscência.

O luteranismo reafirmou o agostinianismo. Enfatiza ainda mais a depravação universal e a culpa original. O pecado é uma condição positiva e rebelde que permeia a natureza humana. A natureza humana é corrompida e culpada. O livre arbítrio está escravizado ao pecado, necessitando de uma salvação monergística (obra exclusiva de Deus) pela graça somente. Na interpretação de Romanos 5:12 entende-se que todos estão incluídos no pecado de Adão e, portanto, nascem pecadores e culpados.

Na visão da representação federal (reformada) centra-se no aspecto da aliança. Adão foi o representante da aliança (federal head) de toda a humanidade sob um “Pacto de Obras”. Sua desobediência é legalmente imputada a todos, não porque a humanidade estivesse seminalmente presentes, mas porque ele foi seu representante nomeado. As pessoas nascem culpadas devido à transgressão de Adão (culpa imputada) e com uma natureza corrompida (poluição herdada). A interpretação de Romanos 5:12 é que o sentido é que todos pecaram em Adão, seu representante. Esta visão estabelece um paralelo teológico com a justificação: assim como a culpa de Adão é imputada à humanidade, a justiça de Cristo é imputada aos crentes por meio da união com Ele.

A tradição ortodoxa oriental rejeita a transmissão da culpa de Adão. A humanidade herdou as consequências do pecado de Adão – principalmente a mortalidade (corrupção e morte) – mas não a sua culpa legal. Não há uma culpa legal, mas uma doença espiritual ou corrupção (“pecado ancestral”). O problema primário é a morte, que enfraquece a natureza humana, levando ao pecado pessoal (o pecado é um sintoma da mortalidade). A salvação é vista como cura (a theosis, ou deificação) e vitória sobre a morte por meio da ressurreição de Cristo, em vez de satisfação de uma penalidade legal.

Na visão anabatista (e tradição de igrejas livres) enfatiza a responsabilidade pessoal e rejeita a culpa herdada. A humanidade herdou uma inclinação pecaminosa ou um ambiente corrompido, mas não a culpa de Adão. Cada pessoa é responsável apenas pelos seus pecados voluntários. A queda de Adão representa a fraqueza moral ou forte tendência a pecar, mas não uma depravação total que elimina o livre arbítrio. Bebês nascem inocentes, estando sob a graça de Deus até atingirem a “idade da responsabilidade” e pecarem por vontade própria. Isso leva ao batismo de crentes (pois os bebês não são considerados pecadores nascidos que necessitam de limpeza da culpa original) e à ênfase no discipulado e na capacidade de escolher seguir a Cristo.