O conceito de pecado “mortal”, “pecado de morte” ou “pecado que leva à morte” é um tanto vago. Contudo, o conceito reflete a crença dos tempos bíblicos que alguma forma o pecado tem consequências mortais.
A origem desse conceito hamartiológico encontra base nas expressões hebraicas que conectam ḥṭʾ (pecado/ofensa) com mwt (morrer/morte). Essa conexão é vista em várias passagens, como Números 18:22, Deuteronômio 21:22 e Ezequiel 3:20. O texto mais antigo que liga o pecado e a morte é provavelmente Amós 9:10 que afirma: “Todos os pecadores do meu povo morrerão à espada”.
O significado original e o contexto de “pecado mortal” são vistos em textos bíblicos como Deuteronômio 21:22 e 22:16, que dizem respeito a procedimentos judiciais civis, e Números 18:22 e 27:3, refletindo a lei sagrada. Outras passagens utilizam o conceito de pecado mortal em um contexto profético. É importante notar que, em um sentido mais amplo, todo pecado pode ser considerado “mortal” porque todas as pessoas morrem como consequência de algum pecado.
Numerosos textos bíblicos afirmam a conexão entre pecado e morte. Expressões como “cada um morrerá por causa do seu pecado” (Números 27:3; Deuteronômios 24:16; 2 Reis 14:6) ou “por causa da sua transgressão” (Josué 22:20; Ezequiel 4:17 ; 7:13, 16; 18:17, 20; 33:6, 8, 9; Gênesis 19:15) enfatizam a inevitabilidade da morte para o pecador. Diz-se que o pecador “carrega seu pecado”, implicando em assumir a responsabilidade ou a culpa por suas ações (Gn 4:13; Êx 28:43; Lv 5:1, 17; Nm 9:13; Ez 14: 10).
No Novo Testamento, o pecado mortal é mencionado em passagens difíceis. Em 1 João 5:16, é feita uma distinção entre o pecado que não leva à morte e o pecado que leva à morte. Um exemplo que ilustra as consequências de certos pecados que levam à morte é encontrado no relato de Ananias e Safira em Atos 5:1–10.
O Novo Testamento também faz referência a um pecado eterno ou imperdoável conhecido como blasfêmia contra o Espírito Santo. Esse pecado é especificado em passagens dos Evangelhos Sinópticos (Marcos 3:28–29, Mateus 12:31–32, Lucas 12:10), bem como em Hebreus 6:4–6, 10:26–31 e em algumas interpretações de 1 João 5:16.
EXCURSO: Interpretações acerca 1 João 5:16-17
- Distinção entre gravidade do pecado: Esta visão sugere que existem duas categorias de pecado. Pecados menores, “que não levam à morte”, podem ser perdoados por meio da oração. Contudo, um pecado mais grave, que leva à morte, é imperdoável. A natureza específica do pecado imperdoável não é mencionada por João.
- Foco no arrependimento: Outra interpretação enfatiza o coração do pecador. Se o pecado leva a um coração endurecido e à rejeição do perdão de Deus, torna-se um pecado “até a morte”. Por outro lado, um pecado cometido por fraqueza, com desejo de arrependimento, não é um pecado que leva à morte.
- Identificação incerta: Algumas interpretações reconhecem a existência de um pecado imperdoável, mas argumentam que os humanos não podem determinar quais pecados se enquadram nesta categoria. Portanto, devemos orar sempre pelo arrependimento do pecador, deixando o julgamento para Deus.
- Interpretação simbólica: Uma visão menos comum sugere que “morte” é simbólica, referindo-se à morte espiritual ou separação de Deus. Todos os pecados levam a esta separação, mas através da fé e do arrependimento, a pessoa pode ser restaurada à comunhão com Deus.
- Alusão a pecados puníveis com pena capital na Lei Mosaica: Embora a Torá descreva vários crimes puníveis com morte, é importante ter em mente os diferentes propósitos. A Lei Mosaica serviu como código legal para os israelitas, descrevendo as ofensas sociais e suas punições. 1 João, parte do Novo Testamento, concentra-se na fé cristã e no perdão. Além disso, a passagem de 1 João parece mais preocupada com o estado interno do pecador (arrependimento versus coração endurecido) do que com ações específicas. A Lei Mosaica, por outro lado, trata das ações externas e da manutenção da ordem dentro da comunidade israelita. Contudo, pode haver uma conexão a ser estabelecida em termos da gravidade do pecado. Algumas interpretações de 1 João usam as ofensas capitais da Lei Mosaica como forma de ilustrar a gravidade do “pecado que leva à morte”. A ideia é que este pecado seja tão grave, ou até mais grave, do que as transgressões puníveis com a morte na Lei Mosaica.
