Principados e potestades

Um conjunto de poderes humanos e espirituais chamados Tronos (θρόνοι), Dominações (κυριότης), Potências, Autoridades ou Potestades (ἐξουσίαι), Principados ou Regentes (ἀρχαί) aparece principalmente nos escritos paulinos para denotar um sistema de forças influentes. Essas passagens são interpretadas variadamente como seres demoníacos, hierarquia de anjos, poderes deste mundo ou entidades espirituais moralmente ambivalentes. Todavia, qualquer que seja o entendimento, biblicamente aparecem sujeitos a Cristo.

Em Romanos 8:37–39, Paulo diz que nada pode nos separar do amor de Deus, inclusive tais poderes. A vitória de Cristo sobre todas as forças opostas é assegurada, sendo os crentes mais que vencedores por meio de Cristo.

Colossenses 1:16 afirma que Deus é o Criador e Governante de todas as autoridades, quer se submetam a Ele ou se rebelem contra Ele. Esses poderes podem até forçar algum poder, mas ainda sob o controle de Deus, e Ele usa até mesmo os ímpios para cumprir Seu plano.

Colossenses 2:15 declara o poder supremo de Jesus sobre todos os poderes, tendo-os desarmado por meio de Sua morte na cruz. Ao fazer isso, triunfou e libertou a humanidade de seu domínio. As acusações contra os crentes são destruídas, sendo vindicados como inocentes perante Deus.

Em Efésios 3:10–11, os principados e potestades nas regiões celestiais testemunham a sabedoria e o propósito de Deus. As hostes contemplam a glória de Deus e a preeminência de Cristo.

Efésios 6:12 infere uma guerra espiritual contra os poderes das trevas. Apesar de seu desarmamento e da vitória prometida, exorta a confiar na sabedoria e no poder de Deus.

Em Tito 3:1 refere-se às autoridades governamentais designadas por Deus para nossa proteção e bem-estar.

As autoridades terrenas ainda estão sujeitas ao domínio divino (Romanos 13:2).

No final do século XIX, a existência de seres espirituais com poder havia sido descartada por muitos trabalhos acadêmicos como superstições pré-modernas. No entanto, a teologia dos Blumhardts e de Karl Barth trouxe de volta a atenção para a relevância do mal sistêmico.. Alguns autores recentes têm discutido amplamente o tema:

Charles H. Kraft, enfatiza a realidade das forças espirituais malévolas conhecidas como principados e potestades. Kraft argumenta que essas forças buscam escravizar a humanidade e se opor ao reino de Deus, exigindo que os cristãos se envolvam em uma guerra espiritual capacitada pelo Espírito Santo.

Walter Wink, oferece uma abordagem não violenta para entender os principados e potestades. Ele sugere que, embora essas forças sejam sistêmicas e possam ser corrompidas pelo pecado e pela violência humana, elas não são inerentemente más. Wink defende a guerra espiritual por meio da resistência não violenta e do amor pelos inimigos, desafiando estruturas opressivas.

Clinton Arnold procura recuperar a crença cristã pré-moderna na existência de seres sobrenaturais malignos. Ele reconhece a existência “real” de um reino espiritual e entidades demoníacas governadas por Satanás, contrariando a tendência de desmitificar os principados e potestades na erudição ocidental.

Marva J. Dawn expande a compreensão dos principados e potestades além das entidades espirituais. Ela os vê como estruturas sociais e culturais que moldam as relações e instituições humanas. Dawn convoca os cristãos a se envolverem em uma guerra espiritual, incorporando o amor e a justiça de Deus, confrontando sistemas opressivos.

Esther Acolatse explora poderes e principados na perspectiva bíblica, comparando contextos africanos e ocidentais. Investiga diferenças culturais e teológicas, examina passagens bíblicas relevantes e explora cosmovisões africanas. Acolatse enfoca as forças espirituais e seu impacto, abordando a tensão entre as crenças tradicionais e os ensinamentos bíblicos. Seu objetivo é aprofundar a compreensão dos poderes e principados em ambos os contextos.

Apesar das diferentes interpretações sobre a ontologia (realidade) desses seria, há o consenso quando esses poderes obscuros passam a serem adorados pelas pessoas, como as forças da violência, ganância e idolatria, os governantes humanos são influenciados e se envolvem em ações anti-criação e corruptoras.

BIBLIOGRAFIA

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Direito na Bíblia

O Direito e as instituições jurídicas no Antigo Testamento, longe de constituírem um sistema monolítico, refletem uma complexa interação de tradições e influências ao longo da história de Israel. Essa diversidade manifesta-se nos diferentes códigos legais encontrados na Bíblia. O Código da Aliança (Êxodo 20-23) apresenta leis casuísticas, concretas e enraizadas nos costumes tribais. O Código Deuteronômico (Deuteronômio 12-26) enfatiza a centralização do culto e a justiça social, refletindo uma sociedade mais complexa e urbanizada. Já o Código de Santidade (Levítico 17-26) prioriza a pureza ritual e a separação do povo de Deus. Essas variações demonstram a adaptação das leis às transformações sociais e religiosas de Israel.

As instituições jurídicas israelitas evoluíram com o tempo. Anciãos e chefes de clã eram inicialmente responsáveis pela administração local da justiça. Com a monarquia, o rei assumiu um papel central, embora sempre sujeito à lei divina. Profetas funcionavam como a consciência crítica da sociedade, denunciando injustiças e exigindo a observância da lei, enquanto sacerdotes interpretavam as normas e resolviam disputas relacionadas à pureza ritual. Essa rede de autoridades evidencia a importância do Direito na manutenção da ordem social e religiosa.

O Direito israelita não se desenvolveu isoladamente. Influências de códigos legais mesopotâmicos, como o Código de Hamurabi, podem ser observadas, especialmente no Código da Aliança. Contudo, Israel adaptou essas influências à sua própria realidade religiosa e social, criando um sistema jurídico único. A lei mosaica também foi reinterpretada ao longo da história, como evidenciado nos ensinamentos dos profetas e na tradição sapiencial.

Apesar das mudanças e da diversidade de códigos legais, certos princípios fundamentais permanecem constantes no Antigo Testamento. Justiça, equidade e compaixão são valores centrais, com ênfase especial na proteção dos vulneráveis, como viúvas, órfãos e estrangeiros. A lei visava promover a harmonia social e o bem-estar da comunidade, refletindo a aliança entre Deus e o povo.

No Novo Testamento, há uma pluralidade jurídica. O povo judeu vivia sob o domínio romano, submetido às leis imperiais para estrangeiros (lex gentiles), e, ao mesmo tempo, às leis mosaicas, interpretadas por líderes religiosos e instituições como o sinédrio e as sinagogas. O Novo Testamento ensina a submissão às autoridades constituídas (Romanos 13:1-7), reconhecendo que estas foram estabelecidas por Deus para manter a ordem social. No entanto, essa submissão não é absoluta, mas condicionada à consciência e aos princípios do Reino de Deus. Quando as leis humanas entram em conflito com a vontade divina, os cristãos devem obedecer a Deus antes de obedecer aos homens (Atos 5:29).

A Igreja, como comunidade de crentes, tornou-se uma instituição jurídica com normas próprias, mas separada do direito estatal. Conflitos internos devem ser resolvidos pacificamente, com base nos princípios do perdão e da reconciliação (Mateus 18:15-17).