O amor, nas Escrituras, é uma realidade teológica de amplitude singular, que articula a relação entre Deus, o ser humano e a comunidade. Longe de se reduzir a emoção ou afeto, o amor bíblico é uma disposição volitiva, uma orientação da vontade expressa em fidelidade e ação. É tanto um dom recebido quanto um mandamento a ser praticado, o princípio estruturante da fé e da ética judaico-cristã.
No Antigo Testamento, o termo hebraico ḥesed (חֶסֶד) concentra a ideia do amor divino como lealdade e benevolência pactuais. Traduzido por “misericórdia”, “bondade” ou “amor leal”, ḥesed designa o compromisso irrevogável de Iahweh com Israel, fundado não no mérito humano, mas em Sua própria fidelidade (Dt 7:7–9). Este amor de aliança é figurado de modo dramático no profetismo de Oséias e nos cânticos do Servo de Iahweh, onde a misericórdia divina triunfa sobre o juízo. O verbo ’āhab (אָהַב) e o substantivo ’ahavah (אַהֲבָה) exprimem o amor como dever ético e religioso: amar a Deus “de todo o coração, de toda a alma e de todas as forças” (Dt 6:5) é o núcleo do Shemaʿ, e amar o próximo (Lv 19:18) é sua consequência natural. Assim, a ḥesed divina e a ’ahavah humana formam os dois eixos do amor bíblico: o amor recebido e o amor correspondido.
O Novo Testamento retoma e amplia esta concepção à luz da revelação em Cristo. O termo grego agápē (ἀγάπη) torna-se a expressão suprema do amor divino, caracterizado pela gratuidade e pelo sacrifício. Este amor atinge sua plenitude na encarnação e na cruz: “Deus prova o seu amor para conosco, em que, sendo nós ainda pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5:8). A Primeira Epístola de João identifica a essência de Deus com o próprio amor — ho theós agápē estin (1Jo 4:8,16).
Jesus redefine a ética do amor, deslocando-a da reciprocidade para a graça: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5:44). Seu “novo mandamento” (Jo 13:34) estabelece o amor segundo o modelo do próprio Cristo: “Assim como eu vos amei”. Este padrão confere ao amor uma dimensão existencial e comunitária inédita, em que o sacrifício e o serviço são a medida do discipulado.
O apóstolo Paulo consagra o amor como o princípio supremo da vida cristã. No hino de 1 Coríntios 13, ele afirma que, sem o agápē, todo dom espiritual perde sentido. O amor é o “vínculo da perfeição” (Cl 3:14), o cumprimento da Lei (Rm 13:8–10) e o caminho “sobremodo excelente” (1Co 12:31). Na teologia paulina, o Espírito Santo é o agente que derrama o amor divino nos corações (Rm 5:5), tornando possível a prática do amor que vem de Deus e retorna a Ele.
Outros vocábulos gregos esclarecem nuances adicionais. Philia (φιλία) refere-se ao amor de amizade e afeição recíproca, manifesto nas relações de Jesus com os discípulos (Jo 15:13–15). Storgē (στοργή) designa o amor familiar, aparecendo em formas compostas (Rm 12:10), enquanto érōs (ἔρως), embora ausente do Novo Testamento, é afirmado na tradição sapiencial e poética como expressão legítima do amor conjugal (Ct 8:6–7).
