A Antropologia Teológica é um ramo da teologia sistemática que lida com temas relacionados à humanidade e sua constituição diante das coisas divinas.
Como subdisciplina, essa abordagem discute tópicos como:
- Constituição ontológica do ser humano;
- Imortalidade e atitude diante do mundo vindouro;
- Estado intermediário;
- A ressurreição e corporalidade;
- A inerente bondade, maldade ou um misto dos dois;
- O pecado original, o hybris, a expiação e redenção;
- Livre-arbítrio e determinismo;
- A origem do sofrimento e o propósito do mal;
- O significado da vida ou o propósito da existência.
Constituiçao ontológica do ser humano
Diversas posturas biológicas, psicológicas, antropológicas e teológicas discutem como é constituído o ser humano:
- Monismo imaterial ou idealismo: há somente uma realidade espiritual e o ser humano integra-a. Proposta por George Berkeley.
- Monismo material ou fisicalismo: o ser humano é mais um animal, ainda que culturalmente complexo, com a emergência da consciência como variável de processos biológicos sem haver uma alma ou espírito imaterial. Proposta por Uriel Acosta, Marx, Nietzsche, Darwin, Spencer, Freud, L. Baker e Kevin Corcoran.
- Monismo e teísmo naturalista: pressupõe a existência integrada do ser humano, com um componente (alma ou espírito) emergente da composição biológica. O divino age na história e na natureza de modo imanente, portanto, sem necessidades sobrenaturais de constituir a existência. A novidade dessa abordagem é a combinação de exegese bíblica com informações da antropologia e da neurociência. Seus expoentes são Henry Wheeler Robinson, Aubrey Johnson, N.T. Wright, Nancey Murphy (fisicalismo não reducível) e Joel Green, os últimos ambos ligados ao Seminário Fuller.
- Emergentismo: sustenta que as almas são pessoais e individuais com propriedades ontologicamente distintas e irredutíveis e capacidades geradas por processos físicos e biológicos de seus corpos. Defendida por A. Peacocke, P. Clayton e T. O’Connor.
- Monismo psicofísico: almas e corpos (pessoalidade e organismo) são aspectos correlativos de seres humanos. O seres humanos são eventos primordiais que não são nem puramente materiais nem imateriais, mas geram ambos. Postura de John Polkinghorne, Wolfhart Pannenberg e David Griffin.
- Dualismo corpo-mente: o ser humano possui um corpo material e uma alma racional radicalmente separadas. A humanidade, em sua essência, reside na alma (a substância pensante), enquanto o corpo é sua substância extensa e substituível por recomposição (vide o Navio de Teseu). Proposta por Platão, Agostinho de Hipona, Descartes e Nicolas Malebranche.
- Realismo hilomorfista: há somente uma substância inseparável para o ser o humano vivente, porém sob dois princípios intrínsecos: a matéria primária é potencial mas assume forma substancial atual. Para a tradição aristotélico-tomista, no geral, esses são os significados para os termos corpo e alma. O aspecto imaterial do ser humano depende do material para adquirir o conhecimento e viver nesse mundo. Proposta por Aristóteles, Duns Scotus, Avicebron e Tomás de Aquino.
- Trialismo, tripartite ou tricotomia: distinção entre três fundamentos do ser humano: corpo, alma e espírito. Enquanto o ser humano compartilha a matéria e a vida com os animais, a consciência seria um terceiro elemento único. Por vezes, o termo alma refere-se à vida e espírito à consciência, mas há pensadores que usam esses termos de modo invertido. É uma concepção eminentemente cristã, derivada de uma leitura literal de Paulo que disse: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo“. 1 Tessalonicenses 5:23. Proposta por autores iniciais da patrística como Irineu, Melito de Sardes, Justino Mártir, Orígenes bem como por pensadores germânicos como Lutero, Kierkegaard, teólogos reformados e luteranos do século XIX.
- Transcendentalismo ou fenomenologia: postula um espírito universal compartilhado por cada ser humano em particular. O aspecto subjetivo do ser humano o separa radicalmente dos objetos. Proposta por Immanuel Kant, Ralph Waldo Emerson e Edmund Husserl.
- Existencialismo: a existência precede a essência. O ser humano existe no mundo e com suas escolhas se define como ser ou essência. Proposta por Heidegger, Sartre e Gabriel Marcel.
- Estruturalismo e antropologia simbólica: a realidade humana reside em plano simbólico, boa parte inconsciente. O sentido do ser humano é relacional, principalmente moldado mediante as estruturas sociais, relações de poder e teias de símbolos. Proposta por Cassirer, Jung, Lévi-Strauss, Geertz e Michel Foucault.
Nos textos bíblicos há um conjunto de perspectivas sobre a ontologia do ser humano. O consenso entre biblistas era que antes do Exílio, os antigos hebreus eram monistas, mas depois tiveram influências dualistas persas e gregas. No Novo Testamento haveria concepções dicotomistas e tricotomistas. No entanto, pesquisas recentes revelam um cenário mais complexo, como por exemplo a Inscrição de Katumuwa indicando a crença em existência autônoma da alma separada do corpo entre povos semitas.
BIBLIOGRAFIA
Alves, Leonardo. Fundamentos da Antropologia Filosófica. Ensaios e Notas, 2019.
Cooper, John W. Body, Soul, and Life Everlasting: Biblical Anthropology
and the Monism–Dualism Debate. Grand Rapids: Eerdmans, 1989.
Steiner, Richard C. The nefesh in Israel and kindred spirits in the ancient Near East, with an appendix on the Katumuwa inscription. Ancient Near East Monographs 11. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2015.