Eleição

A eleição, no contexto bíblico e teológico, refere-se ao ato soberano de Deus escolher ou selecionar indivíduos ou grupos para um propósito ou destino específico.

O vocabulário primário no Antigo Testamento concentra-se no verbo hebraico בָּחַר (baḥar), “escolher, eleger”. Isso implica uma seleção cuidadosa e intencional, sendo Israel o principal objeto dessa escolha, destinada a ser uma “propriedade peculiar” (segulla סְגֻלָּה) e uma bênção para as nações (Dt 7:6; Ex 19:5). Essa eleição corporativa era frequentemente condicionada à fidelidade de Israel à Aliança, como observado pela Crítica Histórica.

No Novo Testamento, o conceito é articulado primariamente em torno do grupo de palavras gregas formadas por ἐκλεˊγομαι (eklegomai), “escolher, selecionar dentre,” e o substantivo ἐκλογηˊ (ekloge), “eleição.” O tema alcança seu clímax em Jesus Cristo, o ἐκλεκτοˊς (eklektos), ou “Eleito,” em quem as promessas são cumpridas (Lc 9:35), e estende-se à Igreja, o novo povo eleito “em Cristo” (Ef 1:4-5), para fins missionais. A teologia bíblica enfatiza a eleição como um conceito dinâmico e proposital que avança o plano redentor de Deus.

A eleição não aparece na Bíblia unívoca, mas como um desenvolvimento temático que compreende a escolha de indivíduos, coletividades nacionais e culmina em Cristo e na Igreja. O conceito mais antigo e dominante no Antigo Testamento é a eleição corporativa de Israel (Dt 7:6-8), entendida como uma escolha para um propósito (ser um “reino de sacerdotes” e uma bênção para as nações) e muitas vezes ligada à fidelidade à Aliança (condicionalidade).

No Novo Testamento, essa eleição ganha foco em Jesus Cristo, o “Eleito” (Is 42:1; Mt 12:18), em quem as promessas são cumpridas. A Igreja é vista como o novo povo eleito de Deus em Cristo (Ef 1:4-5), e a eleição é reinterpretada como um mecanismo missional para a salvação do mundo. Exegetas ressaltam essa diversidade de conceitos, evitando a harmonizá-los em uma única sistematização, enquanto a teologia bíblica traça o tema como uma história de redenção centrada em Cristo.

As tradições teológicas se dividem primariamente sobre a base (condicional ou incondicional) e o escopo (individual ou corporativo) da eleição. Na maioria dos sistemas teológicos — como arminianismo-wesleyanismo, catolicismo romano e a ortodoxia oriental, a eleição condicional baseia-se na presciência de Deus sobre a resposta de fé (méritos e perseverança para o catolicismo) do indivíduo, que é habilitada pela graça preveniente (arminianismo). Essa visão protege o livre-arbítrio humano e a universalidade do desejo salvífico de Deus. A ortodoxia oriental e o catolicismo enfatizam a sinergia (cooperação) entre a graça divina e a resposta humana. O luteranismo geralmente adere a uma predestinação simples (eleição para a salvação incondicional, mas rejeição resultante da incredulidade humana), assegurando a eleição pelos meios da graça (Palavra e sacramentos). Os movimentos pietista, anabatista e restauracionista emolduram a eleição em termos de uma experiência de conversão pessoal, discipulado ou resposta voluntária ao Evangelho.

Já na tradição reformada o tema se desdobrou. Em geral, na tradição reformada parte do entendimento da eleição soberana e dupla predestinação, no qual Deus decreta a salvação fundado unicamente em Seu soberano beneplácito. As principais visões divergem principalmente na temporalidade da escolha, se ela é particular (indivíduo) ou corporativa (grupo), e se ela é incondicional ou condicional (dependente de algo no ser humano).

A eleição particular e incondicional do calvinismo clássico defende a eleição como um decreto pretemporal de Deus. Seria particular porque Deus escolhe indivíduos específicos para a salvação. Seria estritamente incondicional, baseada inteiramente na soberana vontade e bom prazer de Deus, e não em qualquer mérito, boas obras, ou mesmo fé prevista na pessoa escolhida. Dentro dessa vertente, duas perspectivas divergem quanto à ordem do decreto da eleição. Os supralapsarianos defendem a eleição desde antes da fundação do mundo. Já os infralapsarianos defendem a eleição ou reprovação desde a queda.

Uma visão ligeiramente modificada do calvinismo clássico, por vezes vista em alguns sistemas federais, mantém a natureza particular da eleição e a rejeição de que ela seja condicional ao mérito humano. Essa eleição particular mas não condicional concorda que a escolha não se baseia nas obras do indivíduo, mas pode introduzir entendimentos nuançados da aliança ou dos meios da escolha, mantendo-se, contudo, como uma forma de eleição individual.

Dentro da soteriologia forense do sistema reformado, a crença na eleição corporativa e condicional aparece no arminianismo clássico (e o provisionismo, uma articulação moderna dessa visão). Esse posicionamento entende a eleição como primariamente corporativa, focada no corpo da igreja como um todo. A escolha de Deus é condicional à Sua presciência da fé e perseverança do indivíduo. Deus elege a “classe de pessoas” que Ele sabe que exercerão fé em cristo. Os indivíduos se tornam “eleitos” ao cumprir a condição da fé. Essa perspectiva visa salvaguardar o livre arbítrio e a responsabilidade humana em responder à oferta universal de salvação por Deus.

A eleição cristocêntrica, adotada por Karl Barth, a eleição cristocêntrica localiza a doutrina não em um decreto oculto, mas na própria pessoa de Jesus Cristo. Jesus Cristo seria tanto o Deus eleitor (o sujeito da eleição, o ato de Deus ser por a humanidade) quanto o humano eleito (o objeto da eleição, escolhido para representar a humanidade). A rejeição e o julgamento foram suportados e exauridos por Cristo na cruz. Por Cristo ser o representante de toda a humanidade, Barth conclui que todas as pessoas são eleitas nele, tornando a eleição universal em seu escopo objetivo. A incredulidade é vista como um fracasso em reconhecer essa realidade objetiva, que já foi superada em Cristo.

Já o molinismo, uma meta-estrutura (uma teoria do conhecimento divino), postula o conhecimento médio de Deus, ou seja, o que as criaturas fariam livremente em qualquer circunstância. Não é uma visão de eleição em si, mas pode ser usada para apoiar diferentes visões de eleição particular ou condicional.

Na eleição universal incondicional — visões como as de Hosea Ballou, George McDonald e William Barclay — o propósito eletivo de Deus resultará, em última instância, na salvação coletiva e individual.

Por fim, há posições nuançadas e divergências radicais. A nova teologia da aliança e a visão federal enfatizam a comunidade visível da aliança, o que pode leva a combinar uma visão mais corporativa, mas geralmente ainda afirmam um núcleo de eleição particular e incondicional. Por outro lado, o teísmo aberto rejeita a presciência exaustiva de Deus sobre as ações livres futuras, minando a base temporal de todas as visões clássicas de eleição. Para o teísmo aberto, a eleição é um processo dinâmico e temporal no qual Deus responde às decisões humanas em tempo real. Por fim, o socinianismo e o unitarianismo possuem um entendimento que não envolvem um Deus soberano transcendente escolhendo pecadores por meio da obra de Cristo, mas sim um entendimento racionalista e moralista de como os indivíduos alcançam o favor de um Deus unitário.

BIBLIOGRAFIA

Berkouwer, G. C. Divine Election. Studies in Dogmatics. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1960.

Lohse, Bernhard. Epochen der Dogmengeschichte. Stuttgart: Kohlhammer, 1963.

Muller, Richard A. Christ and the Decree: Christology and Predestination in Reformed Theology from Calvin to Perkins. Reprint, Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008.

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