Soteriologia

Soteriologia, vem do grego σωτήρ sōter, ‘salvador’ , ‘sustentador’ e λόγος lógos, ‘fala’ ou ‘discurso’, denota a subdisciplina e loci teológico acerca da doutrina da salvação das pessoas e da nova criação.

Tópicos comumente tratados sob a soteriologia incluem:

  • Expiação e reconciliação: O estudo de como a morte de Jesus Cristo traz a reconciliação entre Deus e a humanidade, abordando questões de sacrifício, perdão e redenção.
  • Graça: O conceito de favor divino imerecido e seu papel no processo de salvação. Isso inclui discussões sobre graça preveniente, graça salvadora e graça santificante.
  • Justificação: A compreensão teológica de como os indivíduos são justificados diante de Deus. Este tópico explora o papel da fé, das obras e da justiça imputada de Cristo.
  • Fé: O significado da fé no processo de salvação, incluindo discussões sobre a natureza e o papel da fé, sua relação com as obras e os diferentes entendimentos da fé dentro de diferentes tradições teológicas.
  • Regeneração: O renascimento espiritual ou renovação de um indivíduo através da obra do Espírito Santo. Isso inclui discussões sobre a natureza da regeneração, sua conexão com o batismo e seus efeitos na vida de uma pessoa.
  • Conversão: A experiência de se voltar para Deus e abraçar a fé em Jesus Cristo. Este tópico explora o processo de conversão, incluindo arrependimento, fé e os efeitos transformadores da conversão na vida de uma pessoa.
  • Ordem salvação (ordo salutis) ou via de salvação (via salutis) dos meios e processos de salvação.
  • Eleição e Predestinação: As doutrinas teológicas concernentes à soberana escolha e presciência de Deus na salvação de indivíduos e corporativamente, bme como a vontade de Deus em relação à liberdade humana.
  • Ética e dimensões políticas da salvação.
  • Escatologia: O estudo do destino final da humanidade e o cumprimento do plano de salvação de Deus. Isso inclui discussões sobre tópicos como céu, inferno, julgamento final e ressurreição dos mortos.
  • Universalismo vs. Particularismo: O debate teológico sobre a extensão da graça salvadora de Deus. O universalismo entende que grande parte (ou todos) possuem chances de salvação, enquanto o particularismo sustenta que a salvação é limitada a um grupo específico de pessoas.
  • Soteriologia Comparada: O estudo comparativo da salvação em diferentes tradições religiosas, examinando semelhanças e diferenças em crenças, práticas e entendimentos da salvação.

Dentre os focos, as teologias ortodoxa, anabatista, pietista, wesleyiana tendem a focar aspectos de soteriologia transformativa, enquanto as teologias reformadas (calvinistas, arminianas, neo-ortodoxas) e confessionalismo luterano tendem a salientar o polo de soteriologia forense. Já no meio desse contínuo estão as teologias Keswickiana e pentecostais clássicas.

Os verbetes sobre soteriologia podem ser encontrados nesse link.

Johann von Hofmann

Johann Christian Konrad von Hofmann (1810-1877) foi um teólogo, historiador e biblista luterano alemão. Foi expoente do neoluteranismo ou a escola de Erlangen, um movimento teologicamente conservador.

Filho de pais aderentes ao Avivamento Continental que emergiu do pietismo suábio de Johann Albrecht Bengel, teve uma educação humanística e científica. Lecionou nas universidades de Friedrich-Alexander- Erlangen-Nuremberg e de Universidade de Rostock.

O trabalho de Von Hofmann sobre hermenêutica bíblica enfatizou a importância de entender o contexto histórico e cultural dos textos bíblicos. Treinado na historiografia de Leopold von Ranke, que o significado da Bíblia só poderia ser totalmente compreendido pela compreensão do contexto em que foi escrita, incluindo o idioma, a cultura e o contexto histórico. Também enfatizou a importância de interpretar a Bíblia como um todo coerente, com cada parte contribuindo para a história geral da salvação. Como teórico da hermenêutica, antecede Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Rudolf Bultmann e Paul Ricoeur quando situa as historicidades da linguagem e do intérprete bíblico. Em sua abordagem, antecede a crítica canônica.

A compreensão de Von Hofmann da Bíblia como “Heilsgeschichte” ou “história da salvação” enfatizou a continuidade da obra salvadora de Deus ao longo da história, desde a criação até a redenção. A profecia não é primordialmente uma previsão de eventos futuros, mas a própria história na forma da palavra. Os fatos da história sagrada, a proclamação profética que deles surgiu e seu cumprimento no futuro são obra de um único e mesmo Espírito Santo e, portanto, um com o outro. No entanto, esposava um dispensacionalismo de duas fases: a Lei e o Evangelho. Considerando a inspiração das Escrituras localizada em sua totalidade narrativa, via a Bíblia como uma história unificada do plano de Deus para salvar a humanidade por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo. Assim, dispensou modelos de inspiração atomística, como a inspiração do ditado ou das palavras.

A compreensão de Von Hofmann sobre a expiação enfatizou a centralidade da morte e ressurreição de Cristo como meio de salvação. A expiação seria como um evento único e irrepetível, no qual Cristo cumpriu todas as expectativas proféticas do plano de salvação. A exigência de satisfação ou de um pagamento do pecado pertencia à economia da Lei. Portanto, na graça é incorente conceber a expiação de Cristo por teorias de sastifação, forenses ou vicárias. Antes, pelo amor de Deus na graça, Cristo proporciona comunhão com Deus para alcançar o destino original do ser humano na história de Salvação.

Contribuiu para renovação da teologia trinitária quando apontou a importância de entender a natureza trina de Deus como um aspecto chave da história da salvação. O Pai, o Filho e o Espírito Santo trabalhando juntos em harmonia para realizar o plano de salvação de Deus, com cada pessoa da Trindade desempenhando um papel único no processo. A soteriologia trinitária de Hoffmann antecede os modelos pentecostais clássicos (Durham, Francescon) e contemporâneos (Macchia, Yong, Vondey) de doutrina de salvação cooperativa entre as pessoas divinas.

Ainda que pouco lembrando, foi influente nos pensamentos de Oscar Cullmann, Wolfhart Pannenberg, Gustaf Aulén e Gerhard Forde.

BIBLIOGRAFIA

Becker, Matthew L. The self-giving God and salvation history: The Trinitarian theology of Johannes von Hofmann. A&C Black, 2004.

Becker, Matthew. Appreciating Johannes von Hofmann. The Day Star Journal: Gospel Voices in and for the Lutheran Church–Missouri Synod. 2013.

Hofmann, J. Schutzschriften fur eine neue Weise, alle Wahr heit zu lehren (1856-59).

Gegenerb

O conceito anabatista de Gegenerb ou contra-herança, desenvolvido por Pilgram Marpeck, enfatiza que os seres humanos têm acesso à bondade essencial por meio da redenção e a promessa da redenção é o que constitui a contra-herança. Gn 3 não é lido como maldição à humanidade, mas como promessa de redenção em Cristo. Isso significa que a redenção e o amor cristão nutridos por meio do discipulado são as manifestações dessa contra-herança.

Marpeck acreditava que os humanos não perderam sua bondade essencial quando Deus expulsou Adão e Eva do Éden. A perspectiva de Marpeck discordou da visão agostiniana do pecado original e da natureza humana, que se concentrava fortemente na depravação humana.

Tal como Adão e Eva fizeram escolhas e discerniram entre o bem e o mal, o poder e a inevitabilidade do pecado na humanidade ganham poder somente quando a pessoa chega ao tempo do conhecimento, ou seja, a uma relativa idade adulta.

Os anabatistas creem na liberdade da vontade (livre arbítrio) e no renascimento espiritual do indivíduo. Com a ajuda da graça divina, os seres humanos podem vencer suas tendências ao mal e obedecer aos mandamentos divinos. Esta liberdade da vontade é essencial para o discipulado ou Nachfolge, doutrina central do anabatismo.

O sacrifício de Cristo foi suficiente e eficaz para toda a humanidade. Por essa razão, crianças recebem a promessa de Cristo e não vão para o inferno. Já os adultos, sabendo distinguir entre o bem e o mal, sofrem da inclinação ou tendência para o mal (Neigung ou Neiglichkeit), ou ainda tentação.

O novo nascimento espiritual envolve a transformação do homem “natural” em um homem “espiritual” que agora pode ver seu novo caminho e sentir o poder, recebido por meio de uma experiência espiritual, para resistir ao mal, ao pecado, à desobediência a Deus, ao orgulho e ao egoísmo, que anteriormente poderia ter dominado seu personagem. No entanto, essa força recém-adquirida não é uma garantia completa contra possíveis retrocessos, e a vida continua sendo uma luta contínua entre as duas naturezas do homem.

A existência humana é um embate entre o mundo do mal e o reino de Deus. A obediência a Cristo e a escolha pelo bem é uma escolha adulta e voluntária. Para o anabatista, o exercício da escolha humana de rejeitar o mal tem um clímax no batismo voluntário do crente, pois o batismo marca a escolha de crucificar o pecado e experimentar a vida ressurreta em Cristo (Rm 6).

Salvação pelo Senhorio

Designação dadas a diversas doutrinas parônimas, correlatas, porém distintas no evangelicalismo angloamericano e no novo calvinismo.

Nas pregações de evangelismo popular norteamericano surgiu nos anos 1930 uma distinção entre “aceitar Jesus como Salvador” e “aceitar Jesus como Senhor”. Grosso modo, o primeiro seria dar um assentimento ou aceitar um conjuntos de crenças cristãs. O segundo, seria um comprometimento pessoal transformativo. Tal distinção viria causar confusões conceituais sobre o que seria a fé salvítica e sua relação com o discipulado, arrependimento e sujeição a Cristo.

SALVAÇÃO PELO SENHORIO NO EVANGELICALISMO: QUESTÃO DO DISCIPULADO

Nos anos 1950, em reação ao evangelismo de massa que demandava um mero assentimento (“aceitar Jesus”) para ser salvo, líderes evangelicais como John Stott e A. W. Tozer criticavam noções de graça barata. Com o termo Salvação pelo Senhorio demandavam que uma genuína conversão fosse demonstrada em um comprometimento com o evangelho. Assim, o discipulado e as transformações pessoais e frutos em relação com a criação seriam importantes na economia de salvação.

O debate entre o professor de Novo Testamento do Fuller Seminary Everett F. Harrison e John R. Stott em 1959 marcou o início de um consenso no qual o discipulado seria uma parte importante na vida cristã, mas não meio ou condição para a salvação.

Com base nesse consenso e na traduções de obras como O custo do discipulado de Bonhoeffer (1966) e O Discípulo de Juan Carlos Ortiz (1975), cresceu a orientação de que o evangelho deveria ser proclamado em sua forma integral. Daí emergiram o Movimento de Lausana (1974), o Movimento de Missão Integral e os movimentos de discipulados em pequenos grupos.

SALVAÇÃO PELO SENHORIO NO NOVO CALVINISMO: ARREPENDIMENTO E SUJEIÇÃO

A controvérsia da Salvação pelo Senhorio ocorre entre evangelicals e novos calvinistas americanos sobre a natureza da salvação e o papel da fé e das obras no processo de salvação. O debate gira em torno da questão de saber se um verdadeiro crente deve ou não necessariamente demonstrar um compromisso com o senhorio de Jesus Cristo para ser salvo. Os proponentes da Salvação pelo Senhorio pressupõe:

  1. Uma definição de fé salvítica como a soma da (1) confiança em Cristo como Salvador; (2) do arrependimento (convencionado como uma mudança de coração que resulta no abandono do pecado); e (3) do compromisso com Cristo como Senhor.
  2. Distinção entre Cristo como Salvador e Cristo como Senhor.

Os defensores da salvação pelo Senhorio argumentam que a verdadeira fé envolve necessariamente uma disposição de se submeter a Jesus Cristo como Senhor e que uma pessoa não pode ser verdadeiramente salva se não estiver comprometida em segui-lo. Em contraste, os oponentes da Salvação pelo Senhorio argumentam que somente a fé é suficiente para a salvação e que as obras não são necessárias para demonstrar a verdadeira fé.

A controvérsia foi alimentada pela publicação de vários livros influentes sobre o assunto, por John MacArthur e Charles Ryrie. Outros proponentes proeminentes da Salvação pelo Senhorio incluem J.I. Packer, R. C. Sproul e James Montgomery Boice.

Os oponentes da Salvação pelo Senhorio incluem autores como Zane Hodges, Charles Stanley e Tony Evans, que argumentam que a doutrina da Salvação pelo Senhorio mina a suficiência da fé e mina a certeza da salvação que os crentes podem ter por meio da fé em Cristo. Esses oponentes são chamadoe de Graça Livre e concentravam-se em torno do Dallas Theological Seminary.

SUJEIÇÃO AO SENHORIO COMO PARTICIPAÇÃO NA ALIANÇA
Uma acepção do conceito de salvação pelo Senhorio aparece em um curto artigo do teólogo e bibliotecário John Bollier em 1954. Como na Nova Perspectiva sobre Paulo, considera a salvação como participação no relacionamento de aliança com Deus.

Em uma crítica à teoria forense de justificação como uma mera ficção legal, Bollier argumenta que Deus espera que as pessoas sejam justas, reconheça a soberania de Deus e se submeta ao seu senhorio de Deus. Desde a Antiga Aliança, quanto na Nova Aliança, Deus graciosamente oferece a fé para a humanidade reconhecê-lo como seu Senhor. A fé seria a resposta humana apropriada à auto-revelação de Deus. A fé é justiça, pois é a maneira para se cumprir a obrigação da aliança para com Deus dentro desse pacto. Assim, a justiça de Deus tem um aspecto transcendente e também um aspecto imanente, pois a pessoa é diretamente afetada pela manifestação dessa justiça.

A perspectiva de Bollier é uma de um autor bem informado dos sentidos bíblicos de aliança, com base nas descobertas arqueológicas e avanços na filologia. Embora raramente citado, ou citado marginalmente, essa perspectiva ganhou novas formulações nas soteriologias da Visão Federal e na Nova Perspectiva sobre Paulo.

UMA AVALIAÇÃO

Em comum com as soteriologias transformativas (como Wesleyanismo, Keswickianismo, fé salvadora sempre produz uma vida transformada.

A doutrina da salvação pelo Senhorio ensina que a salvação não é simplesmente uma questão de aceitar Jesus como Salvador pessoal, mas também envolve uma transformação do caráter e modo de vida do indivíduo. Diz-se que essa transformação é evidenciada por boas obras e uma vida de obediência aos mandamentos de Deus.

Os críticos da salvação pelo Senhorio argumentam que ela coloca muita ênfase nas obras humanas e não o suficiente na graça de Deus, e que pode levar ao legalismo e ao julgamento. Os defensores da doutrina, no entanto, sustentam que a verdadeira fé em Cristo leva necessariamente a uma vida transformada e que a doutrina simplesmente enfatiza o chamado bíblico para seguir a Cristo como Senhor.

BIBLIOGRAFIA

Bonhoeffer, Dietrich. The Cost of Discipleship. New York: Macmillan, 1966.

Harrison, Everett F., Stott, John R. “Must Christ Be Lord To Be
Savior?” Eternity 10, no. 9 (1959): 13-18.

Ketcham, Donald Louis. The lordship salvation debate: its nature, causes, and significance. Dissertação doutoral em teologia. Waco: Baylor University, 1995.

MacArthur, John Faith Works: The Gospel according to the Apostles (Dallas: Word, 1993), 121.

Ortiz, Juan Carlo. El Discipulo. Buenos Aires, 1975.

Ramos, Enrique, and Iglesia del Centro. “A Non-Legalistic Doctrine of Sanctification: Refuting Recent Controversy in the Reformed Church.”

Storms, S. 2006. The Lordship Salvation Debate. Enjoying God Ministries.
http://www.enjoyinggodministries.com/article/the-lordship-salvation-debate/

Temple, C.N. Lordship Salvation: Is it Biblical? A Study of the Lordship Salvation
Controversy Part One. Retrieved 20 Jan 2011 from
http://www.dtl.org/salvation/article/guest/lordship-1.htm

Tozer, A. W. I call it heresy. Harrisburg, PA: Christian Publciations, 1974.

Dupla justificação

Doutrina da duplex iustitia, ou dupla justificação, foi uma teoria acerca da justificação defendida por Martin Bucer, Albert Pighius e pelo Cardeal Contarini.

Contarini distinguia entre justiça inerente — a qual seria adquirida por meio de boas obras e graça santificante — e justiça imputada — a qual seria adquirida pela fé por meio da justiça imputada de Cristo.

A teologia de Bucer centrou-se na ideia de dupla justificação ou duplex iustitia. Bucer acreditava que a posição correta de uma pessoa diante de Deus tinha dois aspectos: formal e material. O aspecto formal era baseado nos méritos de Cristo e declarado pela justiça de Deus, enquanto o aspecto material era a renovação interior de uma pessoa através da regeneração e santificação.

A doutrina da dupla justificação de Bucer enfatizou a importância tanto do perdão dos pecados quanto da renovação interior, e enfatizou a exibição da retidão na vida dos crentes. Ele interpretou Romanos 8:4a como “pode ser realizado por nós”, o que estava de acordo com as visões de justificação de Agostinho e Aquino. Bucer acreditava que a justificação somente pela fé declarava os cristãos como justos e os capacitava a se tornarem justos. Sua doutrina da justificação era o guarda-chuva sob o qual sua soteriologia funcionava, enfatizando a importância tanto da fé quanto das obras na vida cristã.

A justificação inicial era somente pela fé, mas as boas obras seriam necessárias como causa parcial da aceitação final por Deus. Entretanto, no momento da morte, porém, o bom fruto produzido em nós pelo Espírito Santo não seria suficiente. Portanto, até o mais santos dos crentes deve confiar nos méritos de Cristo.

Essa doutrina ganhou uma aceitação provisória nas negociações de reconciliação entre católicos e reformadores, mas acabaria rejeitada pela escolástica protestante e pelo concílio de Trento.

BIBLIOGRAFIA

Venema, Cornelis P. Accepted and Renewed in Christ: The “Twofold Grace of God” and the Interpretation of Calvin’s Theology. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2007, 163-70.

União com Cristo

A União com Cristo é um conceito que resume as diversas expressões encontradas no Novo Testamento (nas locuções “em Cristo, no Senhor”), principalmente nos escritos paulinos e joaninos. A identificação do crente do Novo Testamento com Cristo era central na teologia de Paulo (Rm 16:7; Gl 2:20).

De acordo com Paulo, a morte e ressurreição de Cristo é um pré-requisito para os crentes serem identificados com Cristo (Rm 6:8-10).

Na tradição católica romana a União com Cristo é entendida como uma união mística, sacramental e eclesiológica. Em razão disso, ensina que seus fiéis realmente absorvem o corpo físico e o sangue de Cristo quando participam da eucaristia .

Na tradição reformada a União com Cristo integra a ordem de salvação – ordo salutis.

As tradições ortodoxa, wesleyana, pentecostal e anabatista tendem a considerar a união com Cristo como a habitação de Deus nos crentes, cumprida na Igreja como seu corpo e esposa.

Johann Konrad Dippel

Johann Konrad Dippel (1673-1734) foi um teólogo , alquimista e médico alemão. Pessoa polêmica, teve momentos de forte adesão ao pietismo como também surtos de anti-pietismo.

Educado na Universidade de Giessen, em Hesse, foi conselheiro de monarcas com Frederico I da Prússia, Carlos XII da Suécia, além de ter sido perseguido e preso na Dinamarca e em várias regiões da Alemanha. Morou na Holanda onde formou-se médico em Leiden.

Em 1697, aderiu ao pietismo radico por influência dos escritos de Jakob Böhme e de Gottfried Arnold. Levou às últimas consequências as doutrinas pietistas da regeneração que resultava em transformação substancial do indivíduo. Criticou a teoria da satisfação de Anselmo, sobretudo acerca do sofrimento vicário de Cristo, oferecendo uma perspectiva objetiva da obra de redenção. Influenciou a teologia de Zinzendorf e, consequentemente, dos Irmãos Morávios e indiretamente do metodismo.

A redenção ocorre por meio de Cristo sem meios externos, quer sacramental, quer ato de fé. A ira de Deus não pode ser imaginada em termos antropomorfos, mas pautada no amor de Deus. Assim, uma obra de satisfação vicária não fazia sentido. Cristo por sua encarnação compartilhou natureza humana enfraquecida do homem pecaminoso, mas pelo portão estreito da abnegação para a glória. O sofrimento de Cristo não foi em nosso lugar, mas por nós, dando o exemplo de sua vida santa. 

A Palavra de Deus é a comunicação imediata da boca de Deus, presente no coração de todos os homens. Defensor da doutrina da “Luz Interior”, argumentava que a Palavra atuava em cada pessoa mesmo sem as Escrituras, pois em toda pessoa há uma semente divina. Após a Queda, porém a semente da serpente obliterou totalmente a Palavra de Deus implantada em nós até que Cristo, a Palavra de Deus, curou o ser humano para usufruir da semente de Deus. No entanto, a graça não se recebe por meios externos. A vontade de Deus falar diretamente ao coração é por inspiração e iniciativa divina. Cristo é quem começa o seu processo salvítico separadamente em cada um.

Nova Perspectiva sobre Paulo

A Nova Perspectiva sobre Paulo ou Nova Perspectiva de Paulo é um conjunto de interpretações dos escritos paulinos à luz de diversas informações sobre o contexto histórico do período do Segundo Templo e bases linguísticas do grego bíblico.

Esta vertente argumenta que teólogos e biblistas contemporâneos foram enviesados pelas perspectivas e preconceitos dos reformadores magistrais acerca de Paulo e o judaísmo do Segundo Templo. O pressuposto era de que o judaísmo era uma religião que buscava justiça pelas obras, sem base na eleição do povo em aliança por Deus, mas com base em mérito e obras para ganhar o favor de Deus. Contudo, estudos históricos demonstraram que os judaísmos do Segundo Templo eram mais nuanceados e o conceito de graça também estava presente.

Embora não seja uma corrente unificada, desde os anos 1970 seus expoentes foram Krister Stendahl, E. P. Sanders, James D. G. Dunn, N. T. Wright e Paula Fredriksen. Em comum, esses autores argumentam que conceitos do protestantismo magistral das doutrinas acerca de obras e graça, fé em Cristo e expiação teriam de ser revistos. (Os anabatistas por terem sidos inspirados pela exegese de Erasmo, Zwinglio e Karlstadt desenvolveram tradições teológicas distintas acerca desses tópicos).

Enquanto as interpretações fundamentadas na Reforma magistral entende a justificação como a fé do indivíduo em Cristo como o meio de ser declarado justo diante de Deus, proponentes da Nova Perspectiva se concentram no contexto social e histórico em que Paulo estava escrevendo.

Nesse contexto, o papel da lei judaica e da identidade judaica em sua compreensão do evangelho. A mensagem de Paulo não seria uma rejeição do judaísmo, mas sim uma redefinição da identidade judaica à luz de Cristo.

Argumentam que o entendimento tradicional da justificação é baseado em um mal-entendido do uso do termo “justificação” por Paulo. Em vez de se referir à posição legal de um indivíduo diante de Deus, “justificação” nos escritos de Paulo se refere à declaração de Deus de que alguém é um membro de seu povo da aliança, e não um membro da lei judaica.

A principal preocupação de Paulo não seria com a salvação individual, mas com a unidade da igreja, particularmente a inclusão dos crentes gentios. Eles argumentam que a ênfase de Paulo na fé em Cristo não era para ser um meio de salvação pessoal, mas sim um meio de inclusão na comunidade da aliança.

BIBLIOGRAFIA

Dunn, James D.G. The New Perspective on Paul: Collected Essays. Tübingen: Mohr Siebeck, 2005.

Pietersen, Lloyd. “Paul, Nachfolge Christi and Gelassenheit: Reading Paul with the Radical Reformers.” Anabaptism Today 4.1 (2022).

Pistis Christou

Pistis Christous, expressão grega “fé [de] Cristo” utilizada nos escritos paulinos o qual é interpretado controversialmente tanto como “fé em Cristo” quanto “fidelidade a Cristo”.

Paulo indica em várias passagens (Rm 1:17; 3:21, 22, 25, 26; Gl 2:16, 20; 3:22, 25, 26; Fp 3:9; Ef 3:12, 4 :13) que a humanidade é salva pela fé de Cristo. Segundo Richard B. Hays a frase pistis Christou pode ser traduzida como “fé em Cristo”, ou seja, salvação pela crença em Cristo; ou como “fidelidade de Cristo”, isto é, crença “na fidelidade de Jesus Cristo”. Por essa leitura, Rm 3:21–26 significa que Jesus foi fiel, mesmo à custa da morte, e justificado por Deus por essa fidelidade. Portanto, aqueles que participam dessa fidelidade são igualmente justificados por Deus, tanto judeus quanto gentios.

Essas leituras seguiram de forma relativamente sem problemas entre cristãos de língua grega, visto que entendem a salvação como processo participativo. No entanto, no cristianismo ocidental, a leitura predominante desde Agostinho é de “fé em Cristo”, excluíndo outras nuances da frase. Com o aprofundamento do conhecimento da língua grega entre teólogos e biblistas ocidentais apareceram implicações sobre a doutrina da justificação.

Uma vertente a incorporar essas leituras foi a Nova Perspectiva sobre Paulo. Para vários adeptos dessa perspectiva, Pistis Christou não seria simplesmente a fidelidade de Cristo a Deus, nem a confiança (ou fé) humana em Cristo, mas simultaneamente a fidelidade de Cristo a Deus e a confiança de Deus nele, e a confiabilidade de Cristo para com os seres humanos e sua confiança/fé nele. Essa confiança atua em Cristo como um mediador e restaurar uma relação de dikaiosynē (justça) entre Deus e a humanidade.