A expressão “salmos, hinos e cânticos espirituais” aparece em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 como uma referência às formas de adoração musical na comunidade cristã primitiva. Ambos os textos exortam os fiéis a encorajarem-se mutuamente por meio de cânticos dedicados a Deus, em uma prática litúrgica diversificada. Apesar da importância desses termos, suas distinções precisas permanecem obscuras.
Os “salmos” são os mais facilmente identificáveis, referindo-se aos textos contendo no livro bíblico dos Salmos. Esses seriam uma coleção de poemas litúrgicos e hinos do Antigo Testamento originalmente utilizados no culto judaico. Ainda que o termo “salmo” possa ser intercambiável com “hino” em alguns contextos patrísticos (cf. Clemente de Alexandria, Paedagogus 2:107), sua associação direta com o Saltério sugere um repertório estável e reconhecido.
Já os “hinos” poderiam abranger composições tanto veterotestamentárias quanto novas criações cristãs, possivelmente incluindo doxologias ou textos cristológicos.
Quanto aos “cânticos espirituais”, a interpretação é mais complexa. Podem referir-se a passagens cantáveis das Escrituras fora do livro dos Salmos, como o Cântico de Moisés (Êxodo 15), o Cântico de Débora (Juízes 5) ou os chamados “canticos” do Novo Testamento (por exemplo, o Magnificat em Lucas 1:46–55). Alternativamente, poderiam ser composições espontâneas ou improvisadas, como sugere Tertuliano no século III, ao descrever cristãos cantando “tanto das Sagradas Escrituras quanto de sua própria invenção” (Tertuliano, Apologeticum 39:17–18). Essa descrição indica uma prática carismática, na qual a inspiração individual coexistia com o uso de textos canônicos.
A dificuldade em delimitar esses gêneros reflete a diversidade da prática musical nas primeiras comunidades cristãs. A ausência de notações musicais ou manuais litúrgicos contemporâneos impede uma reconstrução precisa, mas é evidente que a música desempenhava um papel central na adoração, unindo tradição judaica e inovação cristã. Como observa William T. Flynn, a música litúrgica primitiva era “tanto herdeira quanto transformadora” das formas hebraicas, adaptando-se às necessidades doutrinais e comunitárias (Flynn 2006, 724).
Embora a exata natureza desses “salmos, hinos e cânticos espirituais” permaneça indeterminada, sua menção nas epístolas paulinas sublinha a importância do louvor coletivo como expressão de fé e edificação mútua.
Referências
Flynn, William T. “Liturgical Music.” In The Oxford History of Christian Worship, editado por Geoffrey Wainwright e Karen B. Westerfield Tucker, 724–25. Oxford: Oxford University Press, 2006.
McKinnon, James. Music in Early Christian Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
Bradshaw, Paul F. Daily Prayer in the Early Church. Londres: SPCK, 1981.
Tertuliano. Apologeticum. Tradução e notas por T. R. Glover. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931.
