Missiologia

A Missiologia é uma disciplina acadêmica e ramo da teologia focada no estudo da missão cristã, abrangendo sua história, doutrina e metodologia. Como discipina, aprofunda-se nas preocupações centrais da missão como iniciativa de Deus, o papel da igreja na missão e os métodos e objetivos de compartilhar o Evangelho em contextos culturais diversos.

A Missiologia desempenha um papel vital na compreensão e orientação dos esforços de missão cristã, facilitando a reflexão, o diálogo e o engajamento eficaz com diversos contextos culturais e desafios contemporâneos.

A Missiologia como disciplina

As preocupações centrais da missiologia são as seguintes

  • Missão como iniciativa de Deus: a missiologia busca compreender a missão como originária do desejo de Deus de reconciliar a humanidade consigo mesmo.
  • Participação da Igreja na missão: explorar o papel da Igreja em realizar a missão de Deus (missio Dei).
  • Compartilhar o Evangelho em diferentes contextos: abordar os desafios e oportunidades de comunicar a mensagem cristã através de fronteiras culturais e sociais.

Em razão desses temas acima, a missiologia geralmente se revolve em torno de quatro grandes questões:

  1. Qual é a natureza da missão?
  2. Quem são os agentes da missão?
  3. Quais são os métodos da missão?
  4. Quais são os objetivos da missão?

A Missiologia é uma disciplina interdisciplinar que utiliza o conhecimento da teologia, história, antropologia, sociologia, estudos de comunicação, comunicação intercultural, geografia, serviço social, diaconia e outras mais. Ela abrange diversas expressões de missão, incluindo evangelização, justiça social, diálogo inter-religioso, educação, saúde e engajamento cultural. A Missiologia também oferece uma perspectiva global, analisando tendências históricas e contemporâneas na missão cristã.

Visão Histórica das Missões Cristãs

Durante a Igreja Primitiva e Período Patrístico o Cristianismo se espalhou pelo mundo mediterrâneio, sobretudo nos impérios Romano e Parta principalmente através dos esforços de figuras como o Apóstolo Paulo e Agostinho. O foco estava na conversão e no estabelecimento de comunidades cristãs.

O período medieval viu atividades missionárias entrelaçadas com o monasticismo e a conversão de tribos tidas como bárbaras na Europa, além de propagação gradual e formação de igrejas nativas na África e Ásia. As Cruzadas também desempenharam um papel na disseminação do catolicismo romano através de meios forçados entre populações cristãs não católicas, judeus e muçulmanos.

A expansão europeia durante a Era da Exploração levou ao estabelecimento de impérios coloniais, acompanhados por empreendimentos missionários católicos e protestantes nas Américas, África e Ásia. No entanto, essas missões muitas vezes se envolveram com o colonialismo e enfrentaram críticas. Ações de franciscanos e jesuítas destacaram-se. No século XVII aparecerem missões protestantes nas Índias Orientais e, sobretudo, no século seguinte as missões globais e transculturais dos morávios.

O século XIX testemunhou o surgimento de sociedades missionárias protestantes, focadas em educação, saúde e desenvolvimento social ao lado da evangelização. Surgiram debates sobre métodos missionários e sensibilidade cultural.

O século XX viu movimentos de descolonização e o surgimento de igrejas indígenas, bem como o surgimento de movimentos de evangelização e Pentecostalismo. As respostas missiológicas à globalização e ao secularismo enfatizaram a contextualização e a parceria com igrejas locais.

Teorias e Paradigmas do Trabalho Missionário

Paradigmas Missionários Clássicos:

  1. Paradigma da Salvação: centra-se na conversão individual e a vida eterna.
  2. Paradigma da Civilização: considera a missão como um veículo de levar a cultura e valores, sobretudo ocidentais, para outras sociedades.
  3. Paradigma do Desenvolvimento: concentra-se em melhorar as condições materiais e o desenvolvimento socioeconômico.

Paradigmas Missionários Contemporâneos:

  1. Igrejas Indígenas e Autossustentáveis: busca estabelecer e fortalecer igrejas locais indígenas. Os clássicos três “autos”, depois acrescido por um quarto “auto” resumem esse paradigma: igrejas com autogoverno, autossuporte e autopropagação e autônomas na reflexão teológica.
  2. Cristianismo global: demograficamente o cristianismo deslocou-se do mundo ocidental e norte global para concentrar-se no mundo majoritário da América Latina, África e Ásia. Assim, fluxos sul-norte e sul-sul são responsáveis pela propagação do evangelho em uma larga escala, mas sem se guiar por ditames euroamericanos.
  3. Missão Integral: ligado ao movimento evangélico de Lausanne, busca uma abordagem holística, abordando dimensões espirituais, sociais e econômicas.
  4. Inculturação e Contextualização: encoraja a adaptação da fé às culturas e contextos locais.
  5. Teologia da Libertação: aborda a injustiça social e capacita comunidades marginalizadas. Tipicamente latinoamericana, sul-africana e sul-coreana, além de missiologias
  6. Igrejas Missionais: movimentos que encorajam igrejas locais a se tornaram epicentros de comunicação do evangelho em contextos urbanos e segmentos onde o cristianismo perdeu relevância política ou cultural, como a academia.
  7. Parceria e Mutualidade: Destaca a colaboração entre missões e igrejas locais, enfatizando aprendizado mútuo e respeito.
  8. Missões de todo lugar a qualquer lugar, de toda pessoa a qualquer pessoa.

A Grande Comissão e a teologia da Missão


A Grande Comissão (Mateus 28:16-20), dada por Jesus a Seus discípulos, serve como pedra angular para a missão cristã. Neste texto, Jesus ordena a Seus seguidores que vão, façam discípulos, batizem e ensinem, indicando a natureza universal e o alcance da missão.

Ao longo de Seu ministério, Jesus personificou a missão de Deus. Ele proclamou o Reino de Deus, abraçou os marginalizados e excluídos, demonstrou o amor de Deus por meio de curas e milagres, e comissionou Seus discípulos para continuarem Sua obra.

O Livro de Atos narra a expansão da igreja primitiva por meio do evangelismo e do empoderamento do Espírito Santo. Por meio de jornadas missionárias, como as de Paulo, os primeiros cristãos enfrentaram desafios culturais e religiosos, enfatizando a importância da comunidade e da comunhão no avanço da missão.

Perspectivas do Antigo Testamento sobre Missão e a Missão de Deus no Mundo:

O Antigo Testamento estabelece o fundamento para o plano redentor de Deus para a humanidade. Isso inclui a aliança com Abraão, com a promessa de bênção para todas as nações, a história do Êxodo simbolizando a libertação da escravidão, e a visão dos profetas de paz e justiça universais.

Israel, como povo escolhido de Deus, tinha uma missão de ser luz para as nações, testemunhando o caráter e os propósitos de Deus. Isso envolvia servir como um modelo de justiça e compaixão, embora muitas vezes não conseguissem cumprir essa missão completamente.

O Antigo Testamento também destaca os desafios e críticas da missão de Israel. Apesar de seu chamado único, Israel frequentemente falhou em cumpri-lo, levando a tensão entre sua missão universal e identidade particular. Essas implicações teológicas continuam a moldar nossa compreensão da missão de Deus hoje.

Reflexões Teológicas sobre Evangelismo, Discipulado e Edificação do Reino

O evangelismo é central para a missão cristã, envolvendo o compartilhamento da mensagem do Evangelho de Jesus Cristo. É um convite à transformação pessoal e à salvação, empregando diversas abordagens e métodos de comunicação fundamentados em motivações teológicas.

O discipulado envolve crescimento e transformação em Cristo, aprendendo e vivendo os ensinamentos de Jesus, e capacitando e fortalecendo outros para o ministério. Trata-se de construir comunidades de fé e amor, nutrindo indivíduos para se tornarem seguidores fiéis de Jesus.

A edificação do Reino reflete o reinado de Deus de justiça, paz e amor, chamando os cristãos a trabalharem pela transformação de indivíduos e da sociedade. Envolve-se com questões e estruturas sociais, guiadas pela esperança escatológica e pela antecipação do cumprimento futuro.

Desafios e Oportunidades nas Missões Contemporâneas

As missões enfrenta uma série de desafios e oportunidades no contexto contemporâneo. Eis alguns deles.

  1. Ética Missionária e Imperialismo Cultural: separar evangelho de etnocentrismo.
    A ética missionária é fundamental para o respeito às culturas locais, valores e autonomia das comunidades-alvo. Isso contrasta com o imperialismo cultural, que pode impor valores e estruturas dos missionários. Navegar nas diferenças culturais requer sensibilidade, adaptação e inculturação. Examinaremos estudos de caso, como missões coloniais, perspectivas indígenas e diretrizes éticas.
  2. Missões e Justiça:
    As bases bíblicas para a justiça enfatizam o cuidado com os pobres, marginalizados e oprimidos. As missões são vistas como um ministério compreensivo, abordando tanto as necessidades espirituais quanto materiais. No entanto, há inevitáveis conflitos entre uma missão apolítica e a necessidade de envolvimento com estruturas sociais e injustiças. Exemplos incluem educação, cuidados de saúde, advocacia em favor dos vulneráveis e desenvolvimento comunitário.
  3. O Papel da Tecnologia e da Globalização nas Missões:
    A tecnologia oferece oportunidades significativas para a comunicação, colaboração, compartilhamento de recursos e alcance global. No entanto, também apresenta desafios, como a divisão digital, sensibilidade cultural, riscos online e uso ético de dados. Tecnologias emergentes, como mídias sociais, plataformas móveis e narrativas digitais, através de casos de estudo envolvendo ministérios online, evangelismo baseado em tecnologia e parcerias globais.
  4. Perseguição e Martírio:
    O enfrentamento da perseguição religiosa é uma realidade histórica e contemporânea para muitos cristãos. Há exemplos bíblicos e históricos de perseguição, bem como a teologia do martírio, destacando a importância do testemunho cristão em tempos de adversidade. A missiologia também aborda maneiras de apoiar os cristãos perseguidos por meio de ativismo, oração e assistência prática.
  5. Grupos de Pessoas Não Alcançadas e Missões de Fronteira:
    Identificar e alcançar grupos de pessoas não alcançadas apresenta desafios únicos, como barreiras linguísticas, acesso e preocupações com segurança. A missiologia discute abordagens em uma reflexão crítica para alcançar esses grupos, enfatizando a colaboração, respeito cultural e engajamento a longo prazo. Também há considerações éticas, como evitar a interrupção sociocultural, construir confiança e promover a sustentabilidade.
  6. Sustentabilidade e Impacto de Longo Prazo das Iniciativas Missionárias:
    Além de projetos de curto prazo, as missões devem se concentrar na construção de autossuficiência e liderança local. A missiologia busca construir bases comunitárias e parcerias, capacitando igrejas e organizações locais. Isso requer avaliação do impacto a longo prazo, incluindo resultados mensuráveis, transformação social e mudanças duradouras.
  7. Ecumenismo:
    O ecumenismo moderno nasceu das iniciativas missionárias. Ainda hoje os movimentos ecumênicos promovem a unidade e cooperação entre as denominações cristãs, oferecendo oportunidades para projetos conjuntos, diálogo e iniciativas evangelísticas compartilhadas. Enquanto desafios como divisões históricas e diferenças teológicas persistem, o ecumenismo continua a ser uma força positiva nas missões contemporâneas. É um remédio ao proselitismo e ao exclusivismo denominacional.
  8. Fraternidade Intradenominacional:
    Conectar e colaborar dentro de uma única denominação globalmente oferece oportunidades para compartilhar recursos, melhores práticas e experiências. No entanto, as denominações com alcance global enfrentam desafios como diversidade cultural, barreiras de comunicação e estruturas de liderança. Desentendimentos quanto aos papéis das igrejas que enviam e recebem obras missionárias, bem como o desenvolvimento da autonomia exigida normalmente por questões legais nacionais e necessidades culturais são desafios constantes. Exemplos de iniciativas colaborativas incluem missões denominacionais, conferências globais e ministérios compartilhados.

BIBLIOGRAFIA

Bosch, David J. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (1991).
Jenkins, Philip. The Next Christendom: The Coming of Global Christianity (2002)
Newbigin, Lesslie. The Gospel in a Pluralist Society (1989).
Sanneh, Lamin. The Changing Face of Christianity: Africa, the West, and the World (2009).
Tennent, Timothy C. Theology in the Context of World Christianity: How the Global Church Is Influencing the Way We Think about and Discuss Theology (2007).
Walls, Andrew F. The Missionary Movement in Christian History: Studies in the Transmission of Faith (1996).

Frederick Franson

Frederick Franson (1852-1908) foi um evangelista sueco, promotor do avivamento escandinavo-americano e nos países nórdicos, além de extensivas viagens de pregação itinerante e missionárias pelo mundo.

Nascido em Pershyttan, Suécia, em uma família adepta do pietismo de Rosenius, sua família emigrou para a América em 1869, estabelecendo-se em Nebraska. Após um despertar religioso devido a um período de doença, seguiu uma vocação espiritual, filiando-se a uma pequena igreja batista em Estina, Nebraska, onde foi batizado, marcando o início de seu ministério.

Em 1875, conheceu o evangelista Dwight L. Moody. Tornou-se ativo no evangelismo em Chicago, impactando suas técnicas de pregação e promovendo uma atitude ecumênica. A pregação de Franson enfatizava o retorno iminente de Cristo com uma visão pré-milenista. Arguiu pela participação feminina na igreja e sociedade, sendo um pioneiro do feminismo cristão e do igualitarismo bíblico. Sua teologia centrava-se na pessoa de Cristo. Em detalhes, isso significa a busca pela verdade em Cristo, conforme encontrada na Palavra de Deus somente; uma nova vida em Cristo de cada crente, uma concomitante
de justificação; unidade e liberdade de todos os crentes Cristo, cada um condicionado pelo outro; o desejo de cada crente pelos dons e chamado em Cristo; “esperança em Cristo” tanto escatologicamente quanto na missão no mundo. Foi um proponente da cura pela fé.

Em 1879, iniciou uma missão entre escandinavos do Oeste americano. Servia tanto a luteranos, batistas, pietistas bem como a mórmons. Estabeleceu igrejas evangélicas não denominacionais em Nebraska, transcendendo as diferenças denominacionais.

Em 1881, embarcou numa viagem de pregação na Suécia, lançando as bases para o desenvolvimento do movimento pentecostal na Europa. Seu trabalho na Noruega levou à fundação de organizações missionárias livres, enquanto na Dinamarca enfrentou prisão e expulsão.

Ao retornar à América do Norte, Franson continuou seu trabalho missionário, formando a Missão da Aliança Escandinava (mais tarde conhecida como Missão da Aliança Evangélica) em Chicago em 1890. Esta organização tinha como objetivo unir igrejas e indivíduos, permitindo-lhes enviar missionários coletivamente, uma visão que tornou-se a base da TEAM (The Evangelical Alliance Mission). A dedicação de Fredrik Franson às missões transculturais levou ao crescimento e ao impacto do TEAM, com missionários trabalhando em mais de vinte campos ao redor do mundo. Franson havia se comprometido de responder o chamado de Hudson Taylor de enviar milhares de missionários para o mundo. Para tal, apelava para esta vocação em reuniões evangelísticas, bem como providenciava ocasionais treinamentos para mulheres e homens destinados às missões.

Franson fundou ou influenciou o início da história de quinze sociedades missionárias e denominações em nove países.

Edvard Torjesen. The Legacy of Fredrik Franson

BIBLIOGRAFIA

Franson, Frederick. Prophesying Daughters. April 1, 1896

Torjesen, Edvard “The Legacy of Fredrik Franson”. International Bulletin of Missionary Research. Julho 1991.