A raiz hebraica כפר K.P.R. aparece 102 vezes na Bíblia Hebraica como verbo, sendo 92 vezes na forma Piel. Com significados amplamente discutidos, a maioria das ocorrências está em Êxodo, Levíticos Números, mas também em Ezequiel e Jeremias. Suas rendições pela Septuaginta e recepção pelo Novo Testamento também adicionam debates sobre seu significado, especialmente ao que concerte às doutrinas de salvação no cristianismo.
A etimologia de כפר é objeto de debate. Enquanto alguns estudiosos a derivam do acádio kuppuru (“limpar”, “purificar ritualmente”), outros a relacionam ao árabe kafara (“cobrir”, “esconder”). Milgrom, em sua análise de Levítico 1-16, argumenta que a tradução usual (“expiar”) é inadequada em muitos casos. Ele defende que o verbo כפר, especialmente em contextos sacerdotais, frequentemente significa “purificar” ou “purgar”, associando-se à remoção de impurezas rituais.
Por outro lado, outros estudiosos, como Sklar, propõem que כפר incorpora simultaneamente os sentidos de “purificar” e “resgatar” ou “aplacar”, o que implicaria uma ligação semântica mais estreita com o substantivo כפר (koper, “resgate” ou “preço de expiação”). Essa visão aponta para a ideia de que o termo sempre carrega uma conotação de neutralizar tanto a impureza quanto o perigo.
Textos poéticos como Jeremias 18:23 e Isaías 27:9 sugerem um sentido de “purificar” ou “remover”, alinhando-se com práticas rituais de purificação descritas na literatura sacerdotal. Em Levítico 16, que descreve o ritual de Yom Kippur, כפר aparece 16 vezes, muitas delas na construção Piel com preposições como על (‘al), indicando uma conexão direta com pecados ou impurezas. A ênfase na forma Piel (כִּפֵּר) destaca a intencionalidade da ação de purificação.
Milgrom observa que nos rituais sacerdotais de Levítico, especialmente no capítulo 16, o sangue do sacrifício é aplicado em partes do santuário para “purificar” ou “purgar” essas áreas da impureza acumulada. Ele argumenta que o sentido primário do verbo nesses contextos é “limpar” ou “remover” impurezas, mais do que “expiar” no sentido moderno.
A interpretação de Milgrom tem amplo apoio acadêmico, mas não é unânime. Alguns críticos questionam se כפר em textos sacerdotais carrega também o sentido de “resgatar” ou “aplacar”. Sklar, por exemplo, sugere que a distinção rígida entre “purificação” e “resgate” pode ser artificial e que ambas as ideias estão interligadas. Ele argumenta que o sangue sacrificial tanto purifica o santuário quanto resgata os indivíduos do perigo representado pela impureza ou pelo pecado.
Outros, como Schwartz, enfatizam que em Levítico 17:11 – texto frequentemente citado para sustentar o sentido de “resgate” – o verbo כפר deve ser entendido no contexto de purificação, mantendo a ênfase no significado sacerdotal predominante. Vis propõe uma leitura que reconcilia essas abordagens, destacando que o sangue sacrificial “purga” a vida (נפש, nefesh) dos ofertantes por conter o princípio vital.
Bibliografia
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