A Leitura historicista da Bíblia é uma estratégica hermenêutica que interpreta a profecia, especialmente nos livros de Daniel e Apocalipse, como um mapa simbólico do curso contínuo da história, desde a época do profeta até o fim dos tempos. Diferente do preterismo, que vê a maioria das profecias cumpridas no século I, e do futurismo, que as projeta para um breve período futuro, o historicismo enxerga um cumprimento progressivo e sequencial ao longo das eras.
As fundações dessa abordagem foram lançadas nos primeiros séculos do cristianismo, quando teólogos como Hipólito de Roma e Jerônimo identificaram os quatro grandes impérios da profecia de Daniel (Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma), estabelecendo a estrutura cronológica básica. Durante a Idade Média, com a fragmentação do Império Romano, intérpretes como Joaquim de Fiore e, mais tarde, pré-reformadores como John Wycliffe, começaram a identificar o poder papal como uma figura central nas profecias apocalípticas, como o “chifre pequeno” de Daniel ou o “homem do pecado”.
A Reforma Protestante do século XVI marcou o apogeu do historicismo clássico. Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores adotaram firmemente a visão de que o papado era o sistema do Anticristo predito nas Escrituras, tornando essa interpretação um pilar de sua polêmica contra a Igreja Romana. Nos séculos XVII e XVIII, eruditos como Joseph Mede e Sir Isaac Newton sistematizaram ainda mais o método, popularizando o princípio dia-ano, no qual um dia profético equivale a um ano literal. Esse princípio foi crucial para calcular longos períodos de tempo, como os 1260 dias proféticos, interpretados como 1260 anos de supremacia papal.
No século XIX, o historicismo gerou diversos movimentos. O Millerismo, liderado por William Miller, usou o princípio dia-ano na profecia das 2300 tardes e manhãs de Daniel 8:14 para calcular o retorno de Cristo para o ano de 1844. Após o “Grande Desapontamento”, uma vertente desse movimento deu origem ao Adventismo do Sétimo Dia, que reinterpretou a data de 1844 não como a segunda vinda, mas como o início de um juízo investigativo no santuário celestial. O adventismo permanece hoje como um dos principais proponentes do historicismo. Outras ramificações surgiram, como o Israelismo Britânico, que aplicava profecias sobre Israel às nações anglo-saxãs. No entanto, foi também no século XIX que o historicismo começou a ser desafiado pelo dispensacionalismo futurista de John Nelson Darby, que viria a dominar a tradição fundamentalista angloamericana no século XX, argumentando que a maioria das profecias aguarda um cumprimento como eventos no futuro.
Paralelamente a essa tradição acadêmica, existe o historicismo popular, uma abordagem reativa e descontextualizada que correlaciona eventos contemporâneos chocantes diretamente a versículos bíblicos isolados. Diferente do historicismo clássico, que busca um padrão contínuo na história, o historicismo popular é impulsionado pela mídia e pela busca de confirmação em tempos de crise. Exemplos incluem a aplicação de profecias sobre a queda da Babilônia aos ataques de 11 de setembro, a interpretação da bomba atômica como o cumprimento de passagens sobre os elementos se desfazendo com calor ardente, ou a associação da pandemia de COVID-19 e das vacinas com a “marca da besta” do Apocalipse. Essa abordagem sensacionalista funciona mais como uma tentativa de encontrar um roteiro divino para eventos caóticos do que como um método interpretativo sistemático.
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