O conceito de ordo salutis (latim para “ordem da salvação”) em alguns sistemas teológicos (notoriamente na teologia reformada) refere-se à sequência teológica pela qual a redenção alcançada por Cristo é aplicada aos indivíduos por meio do Espírito Santo. Embora as tradições cristãs o tenham desenvolvido de maneiras diversas, o termo é geralmente usado para descrever os processos e etapas da salvação em termos cronológicos, lógicos ou teleológicos.
O fundamento do ordo salutis frequentemnte aparece associado à passagem de Romanos 8:29-30:
“Porque os que Deus de antemão conheceu, também os predestinou […] aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou.”
Este texto apresenta uma série de conceitos relacionados à aplicação da salvação. A passagem descreve elementos como predestinação, chamado, justificação e glorificação, que foram organizados de maneiras diferentes por pensadores ao longo da história.
HISTÓRIA
Agostinho de Hipona deu contribuições significativas ao estudo da salvação ao enfatizar a graça interna. Para Agostinho, conceitos como regeneratio (regeneração) e sanctificatio (santificação) estavam intrinsecamente ligados à justificação. No entanto, Agostinho não desenvolveu um ordo salutis sistemático, utilizando os termos de maneira intercambiável.
Na Reforma, o conceito começou a ser sistematizado. Reformadores como João Calvino sublinharam a soberania de Deus na salvação e destacaram elementos como predestinação, chamado eficaz, justificação e santificação. Posteriormente, luteranos como Abraham Calov e Johann Quenstedt forneceram um tratamento mais detalhado, incluindo elementos como conversão, fé justificante e união mística.
John Murray (século XX) elaborou uma sequência detalhada, incluindo chamada, regeneração, conversão, justificação, adoção, santificação, perseverança e glorificação. Ele enfatizou que essas etapas são distintas, mas inter-relacionadas. Por outro lado, críticos como Karl Barth questionaram a segmentação temporal do processo, preferindo uma visão teleológica em que justificação e santificação ocorrem simultaneamente.
Ordo Salutis e Via salutis
O conceito de via salutis (“caminho da salvação”) oferece uma abordagem menos linear e mais processual, frequentemente associada a tradições como o metodismo. John Wesley, por exemplo, enfatizou a via salutis como um caminho contínuo que inclui graça preveniente, justificação, regeneração, santificação inicial e santificação plena. Enquanto o ordo salutis tende a focar nos aspectos objetivos da aplicação da salvação, a via salutis destaca a jornada do crente e seu crescimento espiritual.
Kenneth J. Archer propôs que a via salutis é mais adequada ao pentecostalismo, enfatizando uma experiência dinâmica e contínua da obra salvífica, enquanto Randy Maddox argumenta que Wesley rejeitou a rigidez do ordo salutis da escolástica reformada, preferindo um processo pastoral de graça responsável.
Críticas
Teólogos como G.C. Berkouwer criticaram o ordo salutis por concentrar-se excessivamente na experiência subjetiva do crente, correndo o risco de obscurecer a soberania da graça divina. Ele argumentou que a ênfase nas etapas pode criar a impressão de que a salvação depende da ação humana, em vez da iniciativa divina.
Outros, como O. Weber, rejeitaram sequências temporais rígidas, temendo que a justificação fosse desvalorizada ao ser tratada como apenas uma fase entre outras. Por outro lado, defensores do ordo salutis, como Louis Berkhof, insistem que ele descreve a obra de Deus na vida do pecador, oferecendo um quadro lógico para compreender os movimentos do Espírito Santo.
