Passibilidade divina

A passibilidade divina refere-se à posição teológica de que Deus é capaz de sofrer e experimentar emoções, contrastando fortemente com o entendimento hegemônico da impassibilidade divina, que sustenta que Deus não é afetado por circunstâncias externas.

A ideia de que Deus não pode sofrer, conhecida como impassibilidade (do grego apatheia), foi uma crença dominante na teologia cristã desde tempos primitivos até o século XIX. Teólogos antigos, como Filo de Alexandria, posteriormente, a patrística, sustentavam que o sofrimento seria incompatível com a natureza divina, a qual viam como eterna, imutável e perfeita. Essa perspectiva estava enraizada nas tradições filosóficas gregas que associavam o sofrimento à mudança e à imperfeição. No entanto, no século XX, ocorreu uma mudança significativa. Teólogos começaram a reconsiderar as implicações de um Deus sofredor à luz das experiências humanas de dor e injustiça. Richard Bauckham observa que, no início dos anos 1900, um número crescente de teólogos ingleses começou a defender uma doutrina da passibilidade divina, sugerindo que esse conceito desempenharia um papel proeminente na teologia moderna.

Contribuições Teológicas

  1. Richard Bauckham: Em seu artigo “Somente o Deus Sofredor Pode Ajudar”, Bauckham argumenta a favor de uma reavaliação da natureza de Deus em relação ao sofrimento humano. Ele postula que entender Deus como capaz de sofrer permite um engajamento mais profundo com a dor humana e o amor divino.
  2. Jürgen Moltmann: Uma figura central neste discurso, o trabalho de Moltmann enfatiza o aspecto relacional do amor de Deus. Ele argumenta que o sofrimento de Deus não é apenas uma experiência passiva, mas um engajamento ativo com a criação. Em seu influente livro O Deus Crucificado, ele postula que a crucificação de Cristo revela a disposição de Deus em sofrer ao lado da humanidade. A teologia de Moltmann sugere que as relações intra-trinitárias envolvem sofrimento mútuo, particularmente evidente no abandono de Cristo na cruz (Mateus 27:46) e no sofrimento do Pai nesse evento.
  3. Horace Bushnell: Um proponente anterior da passibilidade divina, Bushnell sugeriu que o amor de Deus envolve inerentemente o sofrimento. Ele afirmou famosamente que havia “uma cruz no coração de Deus antes que houvesse uma plantada na colina verde fora de Jerusalém”, indicando que a natureza divina está fundamentalmente entrelaçada com o amor sacrificial.

Fundamentos Bíblicos

O apoio à passibilidade divina pode ser encontrado ao longo das Escrituras, que frequentemente retratam Deus experimentando emoções como compaixão (Êxodo 34:6), ira (Salmo 7:11) e tristeza (Isaías 63:10). O Novo Testamento ilustra ainda mais isso através das experiências de Cristo:

  • Sofrimento na Cruz: O grito de derrocada de Jesus (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” – Mateus 27:46) exemplifica um profundo sofrimento e abandono.
  • Empatia com a Humanidade: Hebreus 4:15 afirma que Jesus “foi tentado em todas as coisas, assim como nós, mas sem pecado”, destacando Sua capacidade de se relacionar com as lutas humanas.

Considerações

A doutrina da passibilidade divina representa uma mudança teológica significativa em direção à compreensão da natureza de Deus à luz do sofrimento humano. Ao afirmar que Deus pode sofrer, teólogos como Bauckham e Moltmann fornecem uma estrutura para reconciliar o amor divino com a dor humana. Essa perspectiva em evolução encoraja os crentes a se envolverem mais profundamente com sua fé em meio aos desafios da vida, reconhecendo um Deus que não é distante, mas intimamente envolvido na experiência humana.

BIBLIOGRAFIA

Aguiar, Eugênio Pacelli Correia. Deus e o sofrimento na obra ‘o Deus crucificado de Moltmann. 2018. 108 fl. Dissertação de Mestrado em Teologia. Universidade Católica de Pernambuco, 2018.

Bauckham, Richard. “‘Only the Suffering God Can Help’: Divine Passibility in Modern Theology.” Themelios 9, no. 3 (1984): 6-12.

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Moltmann, Jürgen . O Deus crucificado: a cruz de Cristo como a base e crítica da teologia cristã. Santo André: Academia Cristã, 2011.

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