Prólogos Antimarcionitas

Os Prólogos Antimarcionitas são um conjunto de prefácios que precedem os Evangelhos canônicos em alguns manuscritos da Vulgata Latina. Estes prólogos surgiram no final do século IV ou início do século V como uma resposta direta à teologia de Marcião de Sinope. Os prólogos visavam refutar as ideias de Marcião, afirmar a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento e estabelecer a autoridade e a linhagem apostólica dos quatro Evangelhos canônicos.

Marcião, ativo em Roma por volta de 144 d.C., defendia a existência de dois deuses distintos: um deus criador do Antigo Testamento, considerado inferior e legalista, e um Deus supremo e bom revelado por Jesus Cristo no Novo Testamento. Consequentemente, Marcião rejeitou o Antigo Testamento e propôs um cânon do Novo Testamento que consistia em uma versão expurgada do Evangelho de Lucas e dez epístolas paulinas, também editadas para remover quaisquer referências ao deus criador judaico.

Os Prólogos Antimarcionitas são curtos textos introdutórios colocados antes de cada um dos quatro Evangelhos. Embora existam variações entre os manuscritos, eles geralmente seguem um padrão similar, abordando os seguintes pontos:

  • Cada prólogo afirma a autoria do Evangelho (Mateus escrito para os hebreus, Marcos como intérprete de Pedro, Lucas como companheiro de Paulo e João, o discípulo amado). Ao fazer isso, eles ligam os Evangelhos diretamente aos apóstolos de Jesus, conferindo-lhes autoridade apostólica.
  • Os prólogos frequentemente indicam o público-alvo original de cada Evangelho, reforçando sua relevância para diferentes comunidades e contextos.
  • Implicitamente ou explicitamente, os prólogos se opõem à visão de Marcião ao enfatizar a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento e a unidade do Deus revelado em ambas as partes da Escritura. A inclusão de todos os quatro Evangelhos, em contraste com o cânon limitado de Marcião, já constitui uma refutação.
  • A própria existência dos prólogos, precedendo os quatro Evangelhos em conjunto, contribuiu para a consolidação do cânon do Novo Testamento como conhecido hoje.

A autoria exata dos Prólogos Antimarcionitas é desconhecida. Acredita-se que eles tenham surgido em círculos eclesiásticos na Itália ou no norte da África, provavelmente no final do século IV ou início do século V. Este período coincide com a época em que a influência de Marcião ainda era sentida e a Igreja estava firmando seu cânon e sua ortodoxia. Alguns estudiosos sugerem que figuras como Jerônimo ou Agostinho poderiam ter tido algum papel na sua disseminação, embora a autoria direta seja difícil de determinar.

Dídimo, o cego

Dídimo, o Cego (c. 313-398 d.C.), também conhecido como Didymus, foi um teólogo e exegeta cristão do século IV.

Nascido em Alexandria, Dídimo foi contemporâneo de Atanásio e Gregório de Nissa. Apesar disso, poucos detalhes de sua vida são conhecidos. Ele foi cego desde a infância, o que não impediu sua produtividade intelectual. Dídimo escreveu comentários sobre diversos livros da Bíblia e tratados teológicos, sendo muitos deles preservados até hoje.

Com uma mente perspicaz. Dídimo valorizava a interpretação alegórica. Buscava o sentido espiritual dos textos sagrados, e enfatizava a importância da vida ascética e da contemplação divina. Sua teologia trinitária e cristológica, marcada pela influência de Orígenes, contribuiu para o desenvolvimento do pensamento cristão no século IV.

Ambrosiastro

Ambrosiastro é o nome atribuído ao autor anônimo de um comentário sobre treze das epístolas de Paulo, escrito provavelmente em Roma entre os anos 366 e 384 d.C. A obra, intitulada Commentaria in epistolas Paulinas, foi por muito tempo erroneamente atribuída a Santo Ambrósio, até que Erasmo de Rotterdam, em 1527, questionou essa autoria com base em evidências estilísticas e teológicas.

A verdadeira identidade do Ambrosiastro permanece envolta em mistério. Ao longo dos anos, diversas hipóteses foram sugeridas, associando a autoria a figuras como Hilário de Poitiers e Isaac, um convertido judeu. Estudiosos têm analisado o texto em busca de pistas que revelem quem foi o autor, considerando aspectos como seu estilo de escrita, seu conhecimento teológico e suas posições doutrinárias. A teoria mais aceita atualmente sugere que o Ambrosiastro era um leigo romano, possivelmente ligado à administração imperial, com sólida formação retórica e profundo conhecimento bíblico.

O comentário do Ambrosiastro é notável por sua concisão, clareza e abordagem crítica. O autor demonstra grande familiaridade com a língua grega e conhecimento dos costumes judaicos, o que lhe permite esclarecer passagens complexas e interpretar o texto paulino com precisão. Sua independência de pensamento é evidente, pois não hesita em discordar de interpretações tradicionais e propor novas leituras. Essa obra é de grande valor tanto para a compreensão da teologia paulina quanto para o entendimento do contexto histórico da igreja primitiva.

Do ponto de vista teológico, o Ambrosiastro apresenta uma visão alinhada ao cristianismo proto-ortodoxo, defendendo a divindade de Cristo, a necessidade da graça para a salvação e a autoridade da Igreja. Ele combate heresias como o arianismo e o maniqueísmo, posicionando-se de forma clara contra essas doutrinas. No campo exegético, combina métodos alegóricos e tipológicos com uma atenção rigorosa à literalidade do texto bíblico. Sua preocupação com a linguagem e o contexto histórico das epístolas paulinas o torna uma figura singular na história da interpretação bíblica. Além disso, sua obra oferece informações valiosas sobre a vida social e religiosa em Roma no século IV, abordando aspectos como a organização da Igreja, as relações entre cristãos e judeus e as controvérsias teológicas daquele período.

A influência do comentário do Ambrosiastro sobre autores cristãos posteriores foi significativa. Pensadores como Agostinho de Hipona e Jerônimo de Estridão utilizaram sua obra, que também desempenhou um papel importante na formação de clérigos e leigos, além de contribuir para a consolidação da doutrina cristã.

Fragmentos de Agripa Castor

Os fragmentos de Agrippa Castor representam uma das primeiras refutações sistemáticas contra o gnosticismo no cristianismo primitivo. Agrippa Castor foi um escritor cristão do século II, ativo durante o reinado de Adriano, aproximadamente em 135 d.C. Sua obra mais notável, a Confutação da Exegética de Basílides, destinava-se a criticar as interpretações gnósticas associadas a este proeminente pensador herético. Embora a totalidade de seus escritos esteja perdida, fragmentos de sua obra sobreviveram por meio de citações preservadas por autores posteriores, como Eusébio de Cesareia e Jerônimo.

Agrippa Castor denunciou Basílides por doutrinas que considerava incompatíveis com o cristianismo ortodoxo, incluindo a permissividade em relação ao consumo de alimentos oferecidos a ídolos e a renúncia à fé em tempos de perseguição, que Basílides teria tratado como questões indiferentes. Ele também acusou Basílides de fabricar profetas e profecias sem fundamento, destacando a criação de narrativas mitológicas pelos gnósticos. Além disso, mencionou a prática de silêncio de cinco anos imposta por Basílides a seus seguidores, uma regra que Agrippa comparou aos ensinamentos pitagóricos.

Os fragmentos revelam que Agripa Castor também identificou em Basílides o uso de numerologia e o conceito de “Abraxas” como um deus supremo, nome que aparece gravado em gemas e papiros mágicos gregos. Sua obra não apenas criticava aspectos teológicos e éticos do gnosticismo, mas também oferecia um contraponto ao desenvolvimento das ideias cristãs ortodoxas no contexto de debates internos e externos.

A importância histórica de Agripa Castor reside na sua posição como um dos primeiros apologistas cristãos a confrontar diretamente o gnosticismo, contribuindo para os esforços iniciais de definir e defender a ortodoxia cristã. Os fragmentos de sua obra, ainda que escassos, proporcionam um vislumbre das disputas teológicas da época e ilustram o papel dos apologistas na formação da doutrina cristã. Através de sua crítica a Basílides, Agrippa Castor ajudou a estabelecer um modelo de refutação herética que influenciou teólogos e pais da Igreja posteriores.

Helvídio

Helvídio ou Helvidius foi um escritor e teólogo cristão ativo no final do século IV, que se opôs à doutrina da virgindade perpétua de Maria. Debateu também sobre casamento e celibato.

Pouco se sabe sobre sua vida, incluindo se era leigo ou sacerdote. Ele é associado à cidade de Roma e acredita-se que tenha sido influenciado por discussões teológicas anteriores, especialmente aquelas relacionadas à natureza de Maria e sua relação com Jesus. Suas ideias e escritos são conhecidos principalmente por meio das críticas feitas por seus contemporâneos, particularmente por Jerônimo.

Helvídio argumentou contra a crença de que Maria permaneceu virgem durante toda a vida. Ele interpretava referências no Novo Testamento a “irmãos” e “irmãs” de Jesus como evidências de que Maria teve outros filhos após o nascimento de Jesus. Essa posição desafiava as visões que enfatizavam a virgindade perpétua de Maria como um aspecto significativo de sua santidade. Adicionalmente, Helvídio defendia a honra e a dignidade do casamento, afirmando que ele possuía valor igual ao da virgindade. Criticava a crescente glorificação do celibato que ganhava destaque no pensamento cristão da época, posicionando o casamento como um estado legítimo e digno.

As ideias de Helvídio receberam uma resposta contundente de Jerônimo, que escreveu A Virgindade Perpétua da Bem-Aventurada Maria em contestação. Jerônimo argumentou que as interpretações de Helvídio eram equivocadas, sustentando que os “irmãos” mencionados nas Escrituras eram, na verdade, meio-irmãos ou primos, e não irmãos biológicos.

Helvídio é, por vezes, considerado uma figura proto-protestante devido à ênfase que deu à interpretação das Escrituras em detrimento das tradições sobre Maria. Seus argumentos contribuíram para as discussões contínuas sobre o casamento, o celibato e o papel das mulheres no cristianismo primitivo.