Falácia ad peccatum

A falácia ad peccatum é um tipo de falácia informal que apela ao reducionismo.

Normalmente, opera sob o seguinte silogismo.

O problema da questão X é apenas a fachada.
O verdadeiro problema subjacente é o pecado.
Toda a humanidade está corrompida pelo pecado.
Portanto, os efeitos do pecado resultam em X e mais.

A questão X normalmente é algo de dimensão social, tal como racismo, sexismo, desigualdades e pobreza. Contudo, tal falácia também aparece para justificar a persistência de erro institucionais, sobretudo em denominações.

Funcionamento e impactos

Esta falácia informal do tipo reducionista funciona por meio de um processo de simplificação excessiva e desvio do problema real.

O argumento reduz uma questão complexa (X) a uma única causa, o “pecado”, sem abordar detalhes específicos ou nuances do problema em questão. Isso é visto, por exemplo, ao discutir questões de justiça social, como pobreza, opressão de mulheres ou racismo, sem considerar os fatores que influenciam esses problemas.

A falácia introduz tons morais ou ideológicos. No exemplo, invocar o “pecado” enquadra a discussão em termos morais ou religiosos, ignorando considerações seculares ou práticas sobre a questão X. Ao transferir a responsabilidade de fenômenos sociais para o indivíduo, evita-se a necessidade de ações socialmente relevantes para corrigi-los.

Ao enquadrar o problema como uma questão de pecado, o problema original (questão X) é ignorado ou descartado.

Invalidade lógica da falácia ad peccatum

Vários aspectos minam a validade desse argumento. Vejamos alguns deles:

  • Especificidade: A afirmação do argumento de que o “pecado” é a causa subjacente do problema X torna-se menos convincente quando consideramos os tipos específicos de “pecado” envolvidos. Trata-se de uma questão de “errar o alvo” (ḥata/hamartia), uma transgressão deliberada (ʿavon), um ato de rebelião (pesha), ou talvez uma falha em dar plenamente o que é devido (hettema)? Cada uma dessas nuances implica diferentes motivações e consequências, exigindo uma análise mais precisa de sua conexão com o problema específico X.
  • Intencionalidade: A distinção entre “pecados” intencionais e não intencionais acrescenta outra camada de complexidade. Embora o argumento original implique uma depravação humana universal, a visão mais nuançada reconhece que nem todas as ações que ficam aquém são impulsionadas por uma intenção maliciosa. Isso levanta questões sobre responsabilidade e o grau em que os indivíduos podem ser responsabilizados pelas consequências de suas ações.
  • Contexto: Os diversos termos para “pecado” destacam a importância do contexto na compreensão de suas implicações. O que constitui “errar o alvo” em uma situação pode diferir em outra. Portanto, aplicar um conceito genérico de “pecado” para explicar um problema complexo como X corre o risco de ignorar os fatores culturais, sociais e individuais específicos em jogo.
  • Apelo à Autoridade Religiosa: O argumento se baseia em um conceito de “pecado” e em uma vertente teológica específica como sua fundação, a saber, as reinterpretações de pecado original e depravação total da hamartiologia de alguns segmentos católicos e reformados. O argumento pressupõe que esses conceitos são universalmente aceitos e não requerem mais justificativas, negligenciando outras leituras hamartiólogicas bíblicas, principalmente derivadas dos sistemas ortodoxo, anabatista, luterano, evangelical e outros.
  • Raciocínio Circular/Petição de Princípio: O argumento pressupõe a conclusão que busca provar. Afirma que o pecado é a causa subjacente do problema X porque todos os problemas derivam do pecado. Esse tipo de raciocínio não oferece evidências ou suporte independentes.
  • Falácia de Causa Única/Simplificação Excessiva: Questões sociais ou pessoais complexas raramente têm uma causa única e universal. Atribuir tudo ao “pecado” ignora a influência potencial de vários outros fatores, como mencionado anteriormente.
  • Falácia Genética: Essa falácia ocorre quando a origem de algo é usada para determinar sua natureza ou valor. Nesse caso, o argumento sugere que, como os humanos são inerentemente “depravados” devido ao pecado, qualquer problema que enfrentam deve ser resultado dessa falha inerente.

Conclusão

Embora a ideia central de que as ações e falhas humanas contribuem para os problemas do mundo continue relevante, a visão mais nuançada do “pecado” desafia a simplificação excessiva do argumento. Ela encoraja um exame mais cuidadoso dos tipos específicos de comportamentos ou falhas “pecaminosas” que podem estar contribuindo para o problema X, juntamente com outras possíveis causas.

Incurvatus in se

Incurvatus in se, em latim “virado ou curvado para dentro de si mesmo”) significa uma vida vivida “para dentro” para si mesmo, em vez de “para fora” para Deus e para os outros.

O conceito foi usado por Agostinho para referir-se à inclinação para o mal expressa por Paulo (Rm 7:15, 18-19), relacionado-o com a concupisciência. No sistema agostiniano, embora as pessoas foram justificadas em Cristo, elas ainda possuem uma propensão a pecar contra Deus por causa dessa condição (simul justus et peccator).

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