Vigilâncio

Vigilâncio (em latim Vigilatius) (c.370-c.410) foi um presbítero galorromano. Embora seus escritos originais tenham sido perdidos, eles geraram debates acalorados e respostas polêmicas, principalmente de Jerônimo, sendo considerado um dos protorreformadores.

Vigilantius nasceu em Calagurris (atual Saint Martory) na Aquitânia, onde seu pai administrava uma pousada ao longo de uma importante estrada romana. Sua jornada teológica começou quando conheceu Sulpício Severo.

Após uma visita a Paulino de Nola, que provavelmente o batizou, Vigilâncio embarcou em uma viagem à Palestina. Em Belém, conheceu Jerônimo, embora suas interações logo tenham azedado devido a disputas teológicas, principalmente em relação ao Origenismo. Posteriormente, Vigilâncio viajou para o Egito antes de retornar ao Ocidente, onde se estabeleceu na Gália, com algumas fontes sugerindo que mais tarde serviu na diocese de Barcelona.

Por volta de 403 dC, Vigilâncio escreveu sua obra perdida criticando várias práticas da igreja. Opôs-se veementemente à veneração de relíquias, à prática de vigílias em basílicas dedicadas aos mártires, ao envio de esmolas a Jerusalém, à renúncia aos bens terrenos e à exaltação do celibato, especialmente entre o clero. Sua principal objeção centrava-se na veneração dos santos e de suas relíquias, as quais considerava idólatra. Questionou a intercessão pelos mortos, considerando-a fútil.

Embora as suas obras originais não tenham sobrevivido, a influência de Vigilâncio persistiu por algum tempo, particularmente na França e Espanha. Eventualmente, a Igreja alinhou-se com os pontos de vista de Jerônimo e Vigilâncio passou a ser considerado um herege.

Bibliografia

Jerônimo, “Contra Vigilantium”.
Paulino de Nola, “Epistula ad Severum”.

Presbitério

Prebístero vem do grego πρεσβύτερος, idoso, ancião. Os termos presbítero e substantivo coletivo presbitério possuem diferentes conotações em diversos contextos. Em termos históricos e neotestamentérios, eram as pessoas cuja relevância comunitária era reconhecida pela igreja como revestidos de dons para serví-la. Mais tarde, quando o cristianismo passou a ser institucionalizado, presbítero ganhou a conotação de uma ordem de ministros subordinada aos bispos e hierarquicamente com mais autoridade que o diácono. Por fim, o termo presbitério passou a designar a coletividade de presbíteros, quer em uma região ou congregação local, acepção que aparece em várias denominações protestantes.

1. Presbíteros na igreja primitiva: referiam-se às pessoas com destaque nas comunidades critãs primitivas, traduzidos como anciãos.

O termo ancião indica referentes a coisas distintas em contextos grego e judaico. Por exemplo, o termo gerontes, também traduzido como ancião, entre os gregos denotava tanto idoso na idade como o participante da gerúsia, um conselho de anciãos que decidia soberanamente com autoridade acima de uma assembleia.

As comunidades cívicas judaicas, como nas vilas e nas comunidades da diásporas, referiam-se aos seus conjunto de pessoas prominentes como “anciãos” ou zeqenim. Contudo, o modelo de liderança das congregações de culto quer dos judeus (lideradas por zeqenim e hakhanim) quer dos cristãos (liderada pelos presbyteroi) desenvolveu-se de forma distinta.

A Septuaginta menciona Moisés e seus setenta presbyteroi (Números 11:16). O Novo Testamento coincide com o período dos sábios judeus (Ḥazal) contados como anciãos (Marcos 7:3; Atos 4:5).

A evidência sugere que no Novo Testamento e na Igreja primitiva o termo “os anciãos” era uma forma imprecisa de se referir àqueles que, em virtude da sua antiguidade, status familiar e socioeconômico, possuíam prestígio na comunidade. Ser presbítero não era tanto ocupar um cargo com esse título, mas ter um certo status de uma certa classe de pessoas.

O uso de termos intercambiáveis indica que não havia títulos ou atribuições separadas para indivíduos distintos. Na despedida de Paulo aos anciãos (presbyteroi) de Éfeso (Atos 20:17-38) demonstra em sua fala “cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos colocou como bispos [episkopous], para pastorear [poimainein] a igreja de Deus”. Pedro e João, nas epístolas tradicionalmente atribuída a eles como apóstolos, são chamados de presbyteroi (2 João 1:1; 1 Pedro 5:1). Portanto, apóstolos, bispos, presbíteros, diáconos (ministros) não eram títulos de cargos ou diferentes ordens de ministros em posição hierárquica, mas designação dada a diversas funções exercidas pela liderança coletiva. Assim, a variedade de referentes nos contextos grego e judaico attesta que o termo presbítero era entendido como uma forma de expressão acerca de uma posição e status na comunidade em vez de ofícios distintos.

A Igreja primitiva considerava que o Espírito Santo enche todos os crentes e lhes concede Seus dons para o serviço (ministério) à Igreja (cf. Atos 20:28). Esses dons seriam concedidos aos membros da Igreja de acordo com Espírito Santo para cumprir seu propósito e sem distinção de pessoa (1 Coríntios 12:4-11; 11:11-12; Gálatas 3:13, 28, 5:1). Com o tempo, a igreja reconheceria a pessoa dotada pelo Espírito Santo com esses dons referindo-os como presbíteros.

Em cada cidade onde uma nova comunidade eram formada, os missionários fundadores apresentavam à igreja as pessoas dotadas com carismas para os serviços ou possivelmente elegiam por voto levantando as mãos os “presbíteros (note o plural) em cada igreja” (Atos 14:23; cf. 1 Timóteo 5:22; Tito 1:5; 2:2-5). Paulo fala que “enviamos com ele o irmão, cujo louvor nas boas novas [é reconhecido] através de todas as igrejas, e não só isso, mas que também foi indicado/eleito por voto levantando as mãos (χειροτονήσαντες) pelas igrejas, nosso companheiro de viagem, com este favor que é ministrado por nós, para a glória do mesmo Senhor, e sua mente voluntária” (2 Coríntios 8:18-19).

Em seis passagens (Atos 6:6; 13:3; 14:23; 19:6; 1 Timóteo 4:14; 5:22 e 2 Timóteo 1:6) que falam de algum tipo de serviço de comissionamento ou instalação. Essas passagens têm sido interpretadas diversamente. Geralmente intérpretes filiados à comunidades com maior grau de institucionalização enxergam nelas os procedimentos de eleição e ordenação dos presbíteros pelas igrejas. A imposição das mãos (χειροτονήσαντες) seria uma ordenação, ou seja, um ato ritual desse apontamento público. Outras interpretações (tanto por membros de comunidades mais igualitárias como F.F. Bruce, o Movimento dos Irmãos, os Quakers e muitos pentecostais; quanto por historiadores da eclesiologia como Sohm, Lightfoot, Jeremias, Campbell) consideram essas passagens como apresentações à igreja de pessoas já constituídas carismaticamente ao ministério pelo Espírito Santo. A imposição das mãos (χειροτονήσαντες) não indicaria uma cerimônia de ordenação, mas uma indicação pública análoga aos votos das ekklesias gregas, quando se esticavam as mãos, para apontar quem já era reconhecidamente revestidos de carisma para o serviço (ministério).

Os presbíteros provavelmente supervisionavam a comunidade, oferecendo orientação sobre questões de fé, prática e conduta. Dedicavam-se ao ensino, encorajamento e na resolução de divergências dentro da comunidade. Na igreja primitiva a autoridade dos presbíteros resultava da posição moral e espiritual dentro da comunidade, não de uma posição formal de poder.

Era esperado que os presbíteros tivessem um conhecimento doutrinário robusto para alimentar as ovelhas de Cristo (João 21:15-17; 1 Pedro 5:1-4), responder aqueles que se opõem (2 Timóteo 2:24-26), estar apto fazer uma boa confissão da fé (1 Timóteo 6:12-14). Competia aos presbíteros dedicar-se ao ensino da palavra, sendo seu dever estar pronto para redarguir, repreender e exortar, encorajando o povo na sã doutrina e convencendo os contradizentes. Também era dever buscar crescer em conhecimento para responder com mansidão e temor a razão da esperança cristã.

Os presbíteros atuavam e decidiam com a participação da Igreja (o termo ekklesia indica o tipo de assembleia grega onde todos os membros possuem igual direito de voz e voto). Ainda que a carta resultante tenha sido subscrita pelos “apóstolos e presbíteros” (Atos 15:23), decisão do concílio de Jerusalém em Atos 15:22 foi tomada pelos “apóstolos e presbíteros e toda a igreja”.

O cuidado do rebanho é indissociável à boa administração da comunidade, tanto que prohistemi é traduzido como “presidir, governar, aplicar-se às boas obras” em trechos associados às funções dos ministros (Romanos 12:8; 1 Tessalonicenses 5:12; 1 Timóteo 3:4, 5, 12; 5:17, Tito 3:8,14). No entanto, prohistemi não denota o exercício autoritário de poder, mas está semanticamente e etimologicamente relacionado ao cognato prohistamai “cuidar de”. Tal função cabia a homens e a mulheres, como Febe (Romanos 16:2; cf. presbyteras em 1 Timóteo 5:2) tida como prostatis, alguém é protetor, administrador ou zelador, também relacionado ao verbo prohistamai tal como aparece em Romanos 12:8 e 1 Tessalonicenses 5:12; e 1 Timóteo 3:4 -5, 12; 5:17.

2. Transição para o presbitério e episcopado como cargos distintos.

As evidências do século I apontam para uma classe indistinta de líderes, ou ἡγουμένοις (Hebreus 13:17; 1 Clemente 1.3). O processo de distinção entre o colegiado informal e plural do presbitério e o episcopado monocrático ocorreu gradualmente. Tal distinção pode ser percebida nas cartas do século II (mas amplamentes editadas posteriormente) de Inácio de Antioquia.

O episcopado monárquico, caracterizado por um único bispo como líder de uma igreja, quer local, depois regional, emergiu em concorrência com outras formas de organização, como a escola catequética e o monastério. O bispo, que muitas vezes era um ex-presbítero, assumia a função de presidir a igreja e era apoiado por um grupo de presbíteros que funcionava como fórum de conselheiros e assistentes. Esta estrutura hierárquica foi ainda mais solidificada pelo desenvolvimento do diaconado, uma ordem separada de ministros que auxiliavam o bispo e os presbíteros nas suas funções.

3. Presbitério nas denominações com hieraquia tripla.

O presbitério é uma ordem minsiterial em denominações como o catolicismo romano, ortodoxia grega e oriental, luteranismo aderente à Comunhão de Porvoo, anglicanos, hussitas e morávios, metodistas e outras que reconhecem uma distinção hierárquica de seus ofícios.

Nessas denominações, os presbíteros são ministros ordenados e encarregados de uma comunidade local, prestando contas a um sínodo ou um bispo. O presbítero pode receber designações de pastor, sacerdote, padre e outros. O diaconato pode ser uma ordem distinta ou um estágio pré-ordenação presbiterial.

4. Presbitério entre os reformados e batistas.

Na eclesiologia reformada, os presbíteros são responsáveis pela supervisão espiritual e pelo cuidado da congregação. Tipicamente, um conselho de presbíteros leigos decidem e administram a congregação local (ou outros níveis regionais) junto de presbíteros ordenados que são profissionais, treinados em seminários e referidos por outros títulos, o mais comum como “pastor”, “domine” (entre reformados holandeses).

Derivado do modelo reformado adotado entre congregacionalsitas, na eclesiologia batista, cada congregação é governada por uma pluralidade de presbíteros e são responsáveis pela supervisão espiritual e pelo cuidado da congregação, trabalhando ao lado do ministro ordenado, normalmente referido como pastor. Entre os batistas a seleção dos presbíteros é um processo que envolve a congregação e as estruturas denominacionais. Normalmente alguma ordem ministerial ou convenção credencia e ordena o presbítero com função pastoral, mas cabe à congregação a afirmação ou negação final de alguém ao cargo. Propagada pelo evangelicalismo norteamericano, o modelo batista influenciou diversas denominações de tradições distintas ao redor do globo.

5. Presbitério entre denominações primitivistas

Entre várias denominações primitivistas onde o sacerdócio universal dos crentes é enfatizado (Schwenkenfelders, Movimento dos Irmãos, Movimento de Restauração, quakers, Dunkers, dentre outros), não há distinção entre clero e leigos na congregação. Nelas, os presbíteros são pessoas cujos traços de liderança emergem com o tempo. Pode haver cerimônias de eleição e ordenação, dependendo das tradições do grupo.

APÊNDICE

Qualificações bíblicas aos ministros com base em 1 Timóteo 3:2-7, Tito 1:5; 2:2-5 e outras passagens.

  1. Irrepreensíveis: Devem ser homens que não mereçam censura, sendo íntegros moralmente.
  2. Vigilantes: Deve ser cuidadoso, atento e zeloso em todas as suas ações.
  3. Sóbrios: Devem ser moderados, despretensiosos e discretos.
  4. Honestos: Deve ser moralmente sério, honrado e digno de confiança.
  5. Hospitaleiros: Deve receber as pessoas com satisfação, tratando-as com gentileza e cordialidade.
  6. Abstêmios: Não devem se entregar ao consumo de bebidas alcoólicas.
  7. Não espancadores: Deve ser manso no trato, evitando conflitos e violência.
  8. Aptos para ensinar: Devem possuir conhecimento das Escrituras e habilidade para ensiná-las, sendo capaz de responder os questionamentos (cf. Tito 1:9; 1 Pedro 3:15).
  9. Não cobiçosos de torpe ganância: Não devem ser ávidos por riquezas mundanas.
  10. Prudentes: Deve comportar-se com cuidado, evitando situações perigosas.
  11. Não contenciosos: Não devem ser dados a disputas ou discussões, mas com capacidade de dirimir conflitos (cf. Atos 15).
  12. Não avarentos: Não devem ser excessivamente apegados ao dinheiro.
  13. Bons gestores de suas casas: Deve ser bons esposos e genitores, conduzindo suas famílias com amor e mansidão.
  14. Não neófitos: Não devem ser novos na fé, para evitar orgulho e queda.
  15. Não soberbos: Devem ser humildes e não manifestar pretensão de superioridade, nem ansioso por status (1 Pedro 5:1-5).
  16. Cuidadosos com o rebanho: Inclusive com os enfermos (João 21:15-17; 1 Pedro 5:1-4; Atos 20:28; Tiago 5:14).

REFERÊNCIAS

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