A leitura preterista (do latim praeter, “passado”) interpreta as profecias do Livro do Apocalipse como eventos que se cumpriram primária ou completamente no século I, culminando na destruição de Jerusalém e do Templo em 70 d.C. Para o preterista, o Apocalipse não é uma previsão para o futuro distante, mas uma mensagem codificada de encorajamento e juízo dirigida ao seu público original, assegurando a soberania de Deus sobre seus opressores imediatos — o Império Romano e o judaísmo apóstata.
Princípios fundamentais
O preterismo é fundamentado na premissa de que o contexto histórico imediato é decisivo para a interpretação. Insiste que o livro foi escrito para as sete igrejas reais da Ásia Menor, a fim de tratar de suas lutas específicas sob a pressão do poder imperial romano.
Sua hermenêutica é ancorada nas declarações de tempo do próprio livro (Apocalipse 1:1; 1:3; 22:10), que afirmam que os eventos estavam “prestes a acontecer” e que “o tempo está próximo” para os primeiros leitores.
Símbolos e contexto do século I
Nessa visão, o simbolismo vívido do livro é uma linguagem codificada que se refere a entidades e acontecimentos históricos do século I.
A Besta (666): É identificada como o imperador romano Nero César, cujo nome soma 666 pela numerologia hebraica (gematria). Ele foi um notório perseguidor de cristãos. A “ferida mortal que foi curada” (Apocalipse 13:3) é vista como referência à lenda de Nero redivivus, a crença de que o imperador retornaria ao poder.
Babilônia, a Grande: É interpretada como a cidade de Roma, a “grande cidade” assentada sobre “sete colinas”, conhecida por governar o mundo e estar “embriagada com o sangue dos santos”. A Grande Prostituta (Apocalipse 17) simboliza o sistema imperial romano — sedutor, idólatra e perseguidor — e sua religião estatal.
A Grande Tribulação: O intenso sofrimento descrito nos selos, trombetas e taças é interpretado como o período da guerra judaico-romana (66–70 d.C.), que culminou no cerco e na destruição de Jerusalém pelos exércitos romanos. Esse seria o “grande dia da ira” (Apocalipse 6:17), lançado sobre a nação judaica que rejeitou o Messias.
Os mil anos (Apocalipse 20): O preterismo parcial — a forma mais comum — entende o reinado de mil anos como o presente período da Igreja. O aprisionamento de Satanás, que o impede de enganar as nações e obstruir a propagação do Evangelho, teria começado com a vitória de Cristo, enquanto os mártires “reinam com Cristo” espiritualmente no céu.
O novo céu e a nova terra (Apocalipse 21–22): Representam o estabelecimento da nova ordem da aliança. Com a destruição definitiva do sistema da antiga aliança — a velha “terra” e o “céu” que passaram —, o povo de Deus habita na realidade da nova criação, identificada com a Igreja, a Nova Jerusalém.
Variações e avaliação
Existem duas variações principais: o preterismo parcial, majoritário, que sustenta que a maior parte das profecias se cumpriu no século I, mas ainda aguarda o retorno físico de Cristo e a ressurreição final dos mortos; e o preterismo pleno (ou consistente), uma visão minoritária e frequentemente considerada não ortodoxa pelas principais tradições cristãs, que afirma que toda a profecia bíblica, incluindo a segunda vinda e a ressurreição, foi espiritualmente cumprida em 70 d.C.
A força do preterismo reside em sua coerência histórica, por levar a sério as declarações de tempo do livro e por fornecer referenciais concretos do século I para o simbolismo (Babilônia = Roma; 666 = Nero), evitando a especulação sobre figuras contemporâneas.
Suas fraquezas, contudo, incluem a crítica de que, se o cumprimento é primariamente passado, o livro perde parte de seu poder preditivo e de sua urgência para as gerações posteriores. Além disso, o preterismo parcial enfrenta o desafio teológico de explicar como o “fim” pôde ocorrer em 70 d.C., mas um “fim” final ainda está por vir.
BIBLIOGRAFIA
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