A crença na imortalidade da alma é entendida, em sentido estrito, como um componente vivo com existência separada e eterna do ser humano. Essa perspectiva não encontra respaldo no texto bíblico hebraico, mas é uma concepção helenista que ganhou sinonimia em círculos cristãos como crença na existência humana pós-vida.
No Antigo Testamento, a visão predominante descreve o ser humano como uma unidade humana (nefesh), sem a dicotomia que opõe o corpo a um componente espiritual presente na filosofia grega. A morte é representada como um estado de inatividade no Sheol, e embora algumas passagens poéticas sugiram uma continuidade da relação com Deus após a morte (Salmos 16, 49, 73), elas não sustentam explicitamente a ideia de uma alma imortal.
A noção da imortalidade da alma emerge no judaísmo durante o período intertestamentário (século II a.C. – século I d.C.), possivelmente influenciada pelo pensamento platônico. Posteriormente, o misticismo judaico elabora concepções mais complexas, distinguindo diferentes aspectos da alma (nefesh, ruah, neshamah, hayyah, yehidah) e suas jornadas após a morte.
No Novo Testamento, o termo grego psyche é utilizado para “alma”, mas geralmente preservando a concepção hebraica de unidade do ser humano. A doutrina central do cristianismo primitivo é a ressurreição do corpo (soma), como enfatizado em 1 Coríntios 15, em contraste com a ideia de uma alma imortal independente do corpo. Assim, a imortalidade da alma e a ressurreição corporal representam concepções distintas do pós-vida, com implicações teológicas divergentes.
A imortalidade da alma, enraizada na filosofia grega, particularmente em Platão, postula que a alma é inerentemente eterna e transcende o corpo, considerado uma prisão. A morte, nesse contexto, é vista como uma libertação. Em contrapartida, a ressurreição do corpo, central para o pensamento judaico-cristão, sustenta que tanto corpo quanto alma são criações divinas e serão restaurados em uma forma glorificada. Para o cristianismo, a morte é o último inimigo, vencido por Cristo, enquanto, para a tradição grega, é uma aliada que liberta a alma de sua condição material.
A noção liberacionista da alma encontrou respaldo entre círculos gnósticos que consideravam a matéria do corpo como um entrave para a salvação.
A distinção entre essas perspectivas é exemplificada por Oscar Cullmann em sua célebre palestra em Harvard Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos?. Cullmann contrasta a serenidade de Sócrates, que aceitou a morte como um momento de libertação da alma, com a angústia de Jesus, que enfrenta a morte como um inimigo a ser derrotado. Nos Evangelhos e na Epístola aos Hebreus, a morte de Jesus é marcada por terror e abandono, ressaltando a visão cristã de que a ressurreição é um ato criativo de Deus, restaurando a totalidade do ser humano, em vez de uma mera continuidade da existência da alma.
A ressurreição do corpo, portanto, é vista pelo cristianismo como um evento transformador e um milagre de recriação, enquanto a imortalidade da alma é considerada uma negação da morte. A ênfase cristã na ressurreição reflete uma visão holística da criação e da redenção, onde a totalidade do ser humano é restaurada à vida.
BIBLIOGRAFIA
Cullmann, Oscar. Immortality of the Soul or Resurrection of the Dead?: The Witness of the New Testament. Wipf & Stock, 2000.
