Três vias

A teologia cristã desenvolveu diferentes abordagens para descrever a natureza de Deus, reconhecendo a transcendência divina e as limitações da linguagem humana. Três vias clássicas se destacam: a via eminentiae, a via negativa e a via causalitatis.

A via eminentiae (via da eminência) atribui a Deus qualidades em grau superlativo, baseando-se na perfeição divina. Deus é descrito como onisciente (Sl 139:1-4), onipotente (Jr 32:17) e sumamente bom (Sl 100:5). Essa via enfatiza os atributos divinos de forma positiva, afirmando a grandeza e majestade de Deus.

A via negativa (via da negação) busca definir Deus pelo que Ele não é, negando limitações e imperfeições humanas. Deus é descrito como incorruptível (1 Tm 1:17), imutável (Ml 3:6) e infinito (1 Rs 8:27). Essa via reconhece a incapacidade humana de compreender plenamente a Deus, ressaltando sua alteridade e mistério.

A via causalitatis (via da causalidade) relaciona os efeitos observados no mundo à sua causa primeira, Deus. A criação (Gn 1:1), a providência divina (Mt 6:26) e a redenção (Ef 1:7) são vistas como manifestações do poder e do amor de Deus. Essa via busca compreender Deus através de suas ações no mundo.

Embora distintas, essas três vias se complementam, oferecendo diferentes perspectivas sobre a natureza de Deus. A via eminentiae celebra a glória divina, a via negativa preserva o mistério transcendente, e a via causalitatis reconhece a ação de Deus na história.

VEJA TAMBÉM

Teologia dos atributos

Midot

Elohim

Elohim (אֱלֹהִים), forma plural masculina de El (אֵל), é uma palavra geralmente traduzida como “Deus” ou “deuses”. Na Bíblia, Elohim frequentemente se refere a Yahweh (יהוה), o Deus de Israel, como visto em Gênesis 1:1, onde Elohim cria os céus e a terra. Essa forma também é predominante nos Salmos Eloísticos (Salmos 42-83).

Entretanto, Elohim também pode designar deuses estrangeiros, como nos casos de Êxodo 12:12 e 18:11, que mencionam os deuses do Egito, e Josué 24:20, 23, que adverte contra a adoração de outras divindades. Outros deuses também são mencionados no plural quando se fala apenas de um ser:

Eles me abandonaram e adoraram Astarote, a deusa [elohim] dos sidônios, Quemós, o deus [elohim] de Moabe, e Milcom, o deus [elohim] dos filhos de Moabe. 1 Reis 11:33.

Outra conotação de Elohim pode se referir a seres celestiais, como anjos. Em Salmos 29:1, a frase בְּנֵ֣י אֵלִ֑ים (beney elim), traduzida como “filhos de Deus” ou “seres celestiais”, alude a esses seres. Similarmente, em Jó 1:6, a mesma frase é frequentemente traduzida como “filhos de Deus” ou “anjos”.

O Targum Onkelos e a Peshitta vertem Elohim até mesmo como “juízes” ou “governantes”, como em Êxodo 21:6 e 22:7-8, os quais tratam de casos judiciais. No entanto, a Septuaginta perifrasticamente interpreta essa passagem como “tribunal de Deus”.

Em João 10:34-35, Jesus faz referência ao Salmo 82:6 para defender-se contra a acusação de blasfêmia por afirmar ser o Filho de Deus. Jesus cita Salmo 82:6, onde se lê: “Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.” A palavra traduzida como “deuses” aqui é ‘elohim’ (אֱלֹהִים) no hebraico, para descrever autoridade, poder ou domínio para o concílio divino.

No Antigo Testamento, Elohim é amplamente utilizado, especialmente nos Salmos, onde aparece 404 vezes, geralmente referindo-se ao Deus de Israel, em contraste com as 731 ocorrências de Yahweh. Nos livros dois e três dos Salmos (42-89), Elohim surge 301 vezes e Yahweh 110 vezes. Em muitos casos, Elohim é usado em conjunto com Yahweh (Salmo 18:28), formando pares paralelos (Salmos 18:6, 21; 24:5; 29:3; 55:16; 69:13; 94:22).

A raiz linguística de Elohim, “El” (אֵל), é um termo genérico para divindade presente em diversas línguas semíticas, como acádio, amorita, ugarítico e hebraico, além de babilônico, fenício e aramaico. El era o nome do deus principal do panteão cananeu, como revelam textos ugaríticos descobertos a partir de 1929, e também era proeminente em textos acádicos e amoritas. Nesses textos semíticos, El é retratado como pai e criador, sendo frequentemente chamado de “o antigo” ou “o eterno”, e caracterizado por sua misericórdia e benignidade, atributos também associados a Yahweh no texto bíblico. É possível que Yahweh tenha substituído El como nome próprio e Elohim tenha substituído El como termo genérico para Deus.

Estudos recentes, como o de Joel S. Burnett, dissipou a hipótese de interpretação de Elohim como “plural de majestade”. Burnett argumenta que Elohim deve ser entendido como um “plural abstrato concretizado”, traduzível como “divindade” ou “deus”, com vários significados aplicável a Deus, deuses e até mesmo seres humanos em certos contextos. Essa interpretação, baseada em textos do antigo Oriente Próximo, sugere que Elohim reflete uma concepção mais ampla de divindade.

Essa proposta baseia-se em diversos exemplos e evidências que sustentam a ideia de que o uso do plural para designar uma entidade singular tem respaldo tanto em outras línguas semíticas quanto na estrutura linguística do hebraico.

Há paralelos claros em outras línguas semíticas. No acádio, a palavra ilanu, que significa “deuses”, também é usada para se referir a uma entidade singular. Essa ocorrência pode ser encontrada em textos como as Cartas de Amarna — correspondências diplomáticas entre sírio e egípcios — além de registros acádicos de Ugarit, Taanach e Qatna. De forma semelhante, no fenício, o termo ‘lm é empregado para designar uma divindade singular. Esses exemplos demonstram que a prática de usar formas plurais para uma entidade única não é exclusiva do hebraico, mas um fenômeno compartilhado entre línguas semíticas, sugerindo tanto uma origem comum quanto uma função linguística equivalente.

Além disso, o hebraico oferece exemplos de uma construção conhecida como “plural abstrato”, em que o plural de substantivos ou adjetivos é usado para expressar qualidades abstratas. Por exemplo, o termo ‘abot (plural de ‘ab, “pai”) refere-se à “paternidade”, enquanto zequnim (plural de zaqen, “velho”) significa “velhice”. Da mesma maneira, “Elohim” pode ser interpretado como uma referência à “divindade” em sua essência abstrata, ainda que o termo possa se concretizar em um ser específico.

Há exemplos bíblicos que ilustram como o plural abstrato pode ser aplicado a indivíduos. Em Daniel 9:23, o anjo Gabriel refere-se a Daniel como hamudot, um termo que no plural abstrato significa “desejabilidade” ou “preciosidade”. Nesse caso, Daniel personifica essa qualidade, sendo descrito como alguém extremamente estimado. Da mesma forma, o uso de “Elohim” pode ser entendido como a concretização da “divindade” em um ser singular que incorpora a essência do termo.

Não há evidências substanciais que sustentem a existência de um “plural de majestade” no hebraico bíblico. Este conceito é considerado uma projeção anacrônica, pois se originou em períodos posteriores, particularmente durante a era bizantina, em vez de ser uma característica da língua hebraica antiga.

A forma plural de Elohim, apesar de frequentemente usada em referência a sujeitos singulares, encontra paralelo em outras línguas semíticas, como o acádio e o fenício. Essa peculiaridade gramatical, possivelmente derivada do plural abstrato, como em ‘abot (“paternidade”) e zequnim (“velhice”) em hebraico, sugere que Elohim pode ser entendido como “divindade” ou “deus”, representando a concretização da divindade na figura do Deus de Israel.

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Assembleia divina

A concepção de uma Assembleia Divina, Conselho Divino ou Concílio Divino sera um conselho de seres divinos que auxiliam na administração do cosmos sob a autoridade de uma divindade suprema, é um tema recorrente em diversas culturas do antigo Oriente Próximo, incluindo a israelita. Embora a ideia de um conselho divino seja comum a várias culturas, a religião de Israel apresenta características distintivas que merecem atenção.

A Bíblia Hebraica contém diversas referências a uma assembleia de seres divinos sob a autoridade de Yahweh, o Deus de Israel. Textos como Salmos 82:1, 89:5-7 e 29:1 mencionam explicitamente a existência de um conselho divino, utilizando termos como “assembleia de El” (עֲדַת־אֵל), “assembleia dos santos” (בִּקְהַל קְדֹשִׁים) e “filhos de Deus” (בְּנֵי אֵלִים).

A descoberta de textos ugaríticos, provenientes da antiga cidade de Ugarit (Ras Shamra), forneceu evidências importantes para a compreensão da Assembleia Divina na Bíblia Hebraica. A língua ugarítica, uma língua semítica aparentada ao hebraico bíblico, apresenta paralelos linguísticos e conceituais significativos com os textos bíblicos. Os textos ugaríticos descrevem um conselho de deuses liderado por El, o mesmo termo usado na Bíblia Hebraica para se referir a deuses e ao próprio Deus de Israel.

Tanto em Ugarit quanto na Bíblia Hebraica, a morada divina e o local de encontro da Assembleia Divina são frequentemente descritos como uma montanha ou um jardim exuberante. Em Ugarit, o conselho se reunia nas “tendas de El” ou em seu “santuário de tenda”, localizado na “fonte dos dois rios”. Na Bíblia Hebraica, o tabernáculo (מִשְׁכַּן), a Tenda do Encontro (אֹהֶל מוֹעֵד), o Monte Sinai, o Monte Sião e o Jardim do Éden são apresentados como locais de encontro com o divino e possíveis locais da Assembleia Divina.

A estrutura da Assembleia Divina em Ugarit e na Bíblia Hebraica apresenta similaridades e diferenças. Em Ugarit, o conselho era possivelmente composto por quatro níveis hierárquicos, com El e sua esposa Athirat no topo, seguidos pela família real (“filhos de El”), deidades artesãs e mensageiros (mlʾkm). Na Bíblia Hebraica, a estrutura parece ser tripartite, com Yahweh ocupando o lugar supremo, seguido pelos “filhos de Deus” (בְּנֵי אֵלִים) ou “filhos do Altíssimo” (בְּנֵי עֶלְיוֹן) e, possivelmente, pelos anjos (מַלְאָכִים).

Uma diferença crucial entre a Assembleia Divina israelita e a cananeia reside na figura de Yahweh. Enquanto em Ugarit o poder era compartilhado entre El e Baal, seu co-regente, na Bíblia Hebraica Yahweh assume ambos os papéis, fundindo em si as características de El e Baal. Essa fusão teológica coloca Yahweh como a autoridade suprema e única, superior a qualquer outra divindade.

A Bíblia Hebraica apresenta exemplos de deliberação e até mesmo oposição dentro da Assembleia Divina, mas a vontade de Yahweh sempre prevalece. Em 1 Reis 22:19-23, Yahweh permite que os membros do conselho opinem sobre como Ahab deve morrer, mas a decisão final é Sua. O episódio da Torre de Babel (Gênesis 11) e o Salmo 82 demonstram que Yahweh delega autoridade aos membros do conselho, mas os responsabiliza por suas ações e os julga quando agem de forma corrupta.

A presença de uma Assembleia Divina na Bíblia Hebraica não implica politeísmo ou henoteísmo. Yahweh é apresentado como o Deus único e incomparável, o criador de todas as coisas, inclusive dos membros do conselho divino. O termo אֱלֹהִים (elohim), traduzido como “Deus” ou “deuses”, pode se referir a diferentes seres, mas Yahweh é único em Sua essência e poder. As frases que parecem negar a existência de outros deuses devem ser interpretadas como afirmações da incomparabilidade de Yahweh, e não como uma negação literal da existência de outros seres divinos.

O termo “Satanás” (הַשָּׂטָן), que aparece em Jó 1-2, não se refere ao Diabo como o conhecemos no Novo Testamento. Nesse contexto, o Satanás é um membro da Assembleia Divina, responsável por testar a fidelidade dos seres humanos. Sua função é questionar a justiça de Deus e instigar testes de fé, mas ele age sob a autoridade de Yahweh.

Os profetas bíblicos frequentemente se apresentam como mensageiros da Assembleia Divina, comissionados por Yahweh para transmitir Sua palavra ao povo. Profetas como Isaías, Ezequiel e Jeremias descrevem experiências de serem levados à presença de Yahweh e receberem mensagens do conselho divino. A Assembleia Divina também é retratada como um exército celestial que participa da guerra escatológica e serve como testemunha dos decretos e ações de Yahweh.

A estrutura binária da Assembleia Divina na Bíblia Hebraica, com Yahweh ocupando o lugar de El e de Baal, tem implicações para a cristologia do Novo Testamento. Jesus é apresentado como o “segundo Yahweh”, o co-regente que compartilha a glória e o poder do Pai. Ele é descrito como o “unigênito” (μονογενής) Filho de Deus, o que significa que Ele é único em Sua relação com o Pai, mas não nega a existência de outros “filhos de Deus” na Bíblia Hebraica. Em João 10:34, Jesus cita o Salmo 82 para defender Sua divindade, afirmando que Ele é um dos “filhos de Deus” (אֱלֹהִים) mencionados no Salmo.

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Pleroma

O termo grego πλήρωμα (pleroma), derivado do verbo πληρόω (plēroō), que significa “encher” ou “completar”, possui uma rica gama de significados na literatura grega e, posteriormente, nos textos bíblicos e cristãos. Embora sua tradução literal seja “plenitude” ou “aquilo que enche”, seu significado se expande para abarcar diferentes nuances e contextos.

Inicialmente, pleroma referia-se àquilo que preenche um espaço ou objeto, como o conteúdo de um vaso ou a tripulação de um navio. Essa acepção é encontrada em autores clássicos como Eurípides e Heródoto, bem como em inscrições, papiros e na Septuaginta. No Novo Testamento, essa ideia é vista em 1 Coríntios 10:26, onde Paulo cita o Salmo 23:1, afirmando que “a terra e tudo o que nela se contém pertencem ao Senhor”, e em Marcos 6:43, que descreve os discípulos recolhendo doze cestos cheios de pedaços de pão após a multiplicação dos pães e peixes.

O termo também pode denotar aquilo que completa ou aperfeiçoa algo, como um complemento ou suplemento. No Novo Testamento, essa acepção é utilizada metaforicamente em Mateus 9:16 e Marcos 2:21, na parábola do remendo novo em roupa velha, onde pleroma refere-se ao pedaço de pano usado para remendar a roupa.

Em Efésios 1:23, Paulo descreve a Igreja como pleroma de Cristo. Essa passagem gerou diferentes interpretações. Alguns entendem que a Igreja, como corpo de Cristo, é o complemento que O torna completo. Outros, porém, argumentam que o significado se aproxima mais da ideia de plenitude, ou seja, a Igreja como a esfera onde a plenitude de Cristo se manifesta.

Essa noção de plenitude, de algo que está cheio ou completo de alguma coisa, é central para a compreensão do termo pleroma. Filo de Alexandria, por exemplo, utiliza pleromapara descrever a alma repleta de virtudes, enquanto Hermas, em suas visões, descreve Deus como a plenitude da vida e o mundo como a plenitude da maldade.

Em Colossenses 2:9, Paulo afirma que em Cristo “habita corporalmente toda a plenitude da divindade”. Essa passagem destaca a completa divindade de Cristo, enfatizando que Ele é a manifestação plena de Deus no mundo. Ao afirmar que a plenitude da divindade habita em Cristo, Paulo enfatiza a completa divindade de Jesus, afirmando que Ele não é apenas um ser divino ou um representante de Deus, mas que a totalidade da natureza divina está presente Nele. João 1:16 complementa essa ideia, afirmando que “da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça”.

O termo pleroma também pode se referir à realização ou cumprimento de algo, como em Romanos 11:12, onde Paulo fala sobre o cumprimento das promessas de Deus para com Israel. Em Romanos 13:10, o amor é apresentado como o cumprimento da lei, demonstrando como o amor cumpre e transcende todas as obrigações legais.

Finalmente, pleroma pode indicar a plenitude do tempo, o momento oportuno para a realização de algo. Em Gálatas 4:4, Paulo afirma que “quando veio a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho”, referindo-se ao momento preciso da encarnação de Cristo. Efésios 1:10 também menciona a “plenitude dos tempos”, apontando para o plano de Deus de reunir todas as coisas em Cristo.

Adonai

Adonai (אֲדֹנָי, adonay) é um termo utilizado na tradição judia para se referir a Deus, traduzido comumente como “Senhor”. O termo aparece pela primeira vez em Gênesis 15:2 e 15:8. Sua etimologia é obscura, mas se refere à soberania de Deus como Senhor governante.

No texto massorético, as vogais de “adonai” foram colocadas junto ao tetragrama sagrado יהוה (yhwh) para formar a palavra “Jeová”. Essa prática reflete a tradição judaica de não pronunciar o nome sagrado de Deus (יהוה) diretamente, considerando-o demasiado santo para ser verbalizado. Assim, ao encontrar o tetragrama nas Escrituras, os leitores judeus substituíam sua leitura pela palavra “adonai”.