A sinodalidade, conceito teológico e eclesial que denota o caminhar conjunto do povo de Deus, encontra suas raízes etimológicas no grego syn-hodos, significando “caminhar juntos” ou “jornada em comum”. Este termo descreve uma dinâmica fundamental da Igreja como comunhão (koinonia), participação e missão, onde os diversos membros do corpo eclesial, sob a guia do Espírito Santo, discernem e atuam colaborativamente.
Embora a terminologia precisa seja de desenvolvimento posterior, as Escrituras Sagradas, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento, apresentam narrativas e princípios que fundamentam a prática sinodal. No Antigo Testamento, a experiência de Israel como povo da aliança revela momentos de assembleia, consulta e decisão comunitária, como nas grandes congregações diante de Deus e na liderança compartilhada por Moisés com os anciãos. As reuniões tribais (Êxodo 18; Deuteronômio 31) refletem um processo deliberativo que integra liderança e participação coletiva. As tradições proféticas e sapienciais também ecoam a importância do conselho e do discernimento coletivo na busca pela vontade divina.
No Novo Testamento, a sinodalidade manifesta-se na colegialidade apostólica (Gálatas 2:1-10) e na interdependência das comunidades paulinas (1 Coríntios 12). Também no Novo Testamento ocorre o paradigma mais explícito para a sinodalidade no chamado Concílio de Jerusalém, narrado em Atos dos Apóstolos, capítulo 15. Diante de uma questão crucial para a missão da Igreja primitiva – a inclusão dos gentios e a observância da Lei mosaica – os apóstolos e presbíteros se reuniram em Jerusalém, com a participação da comunidade. O processo incluiu escuta atenta de diferentes perspectivas, como os testemunhos de Pedro, Paulo e Barnabé, e a intervenção de Tiago, que propôs uma solução baseada nas Escrituras e na ação do Espírito Santo. A decisão, comunicada por carta às igrejas, foi fruto de um discernimento comum, afirmando que pareceu bem “ao Espírito Santo e a nós”. Este evento é frequentemente citado como um modelo de deliberação eclesial, onde a diversidade de dons e ministérios converge para uma decisão que visa a unidade e o bem da missão.
Ademais do Concílio de Jerusalém, outros elementos neotestamentários sustentam uma eclesiologia sinodal. A colegialidade apostólica, a importância do testemunho mútuo, a prática da consulta em questões comunitárias, como a escolha de Matias em Atos 1 ou a instituição dos Sete em Atos 6, e a compreensão paulina da Igreja como Corpo de Cristo, onde cada membro possui dons (carismas) para a edificação comum (1 Coríntios 12), são expressões dessa dinâmica participativa. A autoridade na Igreja primitiva não era exercida de forma isolada, mas em comunhão e com vistas ao serviço, refletindo a própria natureza trinitária de Deus como comunhão de Pessoas. A escuta do Espírito Santo, protagonista da vida e missão da Igreja, permeia esses processos de decisão e orientação.
A prática sinodal, inspirada nesses fundamentos bíblicos, desenvolveu-se ao longo da história da Igreja, manifestando-se nos concílios ecumênicos e sínodos locais, que foram cruciais para a formulação doutrinária, a disciplina eclesiástica e a resposta aos desafios pastorais. A sinodalidade, portanto, não é meramente um procedimento, mas uma expressão da própria natureza da Igreja como povo peregrino, chamado a discernir coletivamente os caminhos do Evangelho em cada tempo e lugar, fomentando a corresponsabilidade de todos os batizados na vida e missão eclesial. Este caminhar conjunto, radicado na escuta da Palavra de Deus e na abertura ao Espírito, continua a ser um princípio vital para a fidelidade da Igreja à sua vocação.
BIBLIOGRAFIA
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Franks, Angela. “Christ as the Way of Synodality.” The Thomist: A Speculative Quarterly Review 87.2 (2023): 255-270.
Vondey, Wolfgang. “Synodality and Charisms: A Pentecostal Perspective on Hierarchical and Spiritual Gifts in the Life and Mission of the Church”. Theological Studies, 2024.
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