Benção que aparece em Número 6:22-27. Chamada de bênção sacerdotal ou bênção aarônica por ser parte do ministério dos sacerdotes (Lv 9:22; Dt 10: 8; 21:5). Era uma declaração imperativa (os verbos estão no modo jussivo) do sacerdote depois de sair diante do altar para abençoar o povo.
Revolve em três temas sobrepostos: graça, paz e guarda.
E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo-lhes:
‘O Senhor te abençoe e te guarde;
o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti
e tenha misericórdia de ti;
o Senhor sobre ti levante o seu rosto
e te dê a paz.’
Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei. Nm 6:22-27
Sua mais antiga atestação aparece nos rolos de Ketaf Hinnom (c.650-587 a.C.), encontrado em Jerusalém em 1979.
Esta bênção faz parte do gênero imprecatório. Imprecações (bênção e maldição) são um cultural universal. Fórmulas imprecatórias do Antigo Oriente Próximo contêm frases referindo-se (1) ao semblante divino, (2) a elevação da face; (3) a guarda; e (4) concessão de paz (shalom). Colocar o nome de uma divindade em um lugar ou um povo a reivindicava-os para divindade e estabelecia sua presença.
A biblista Sharon Keller encontrou um “análogo egípcio” (c. 2134-2040) em uma carta:
“O Grande te louvará.
A face do Grande Deus será graciosa sobre ti.
Ele te dará pão puro com suas duas mãos.”
Não há consenso de qual contexto Nm 6:22-27 faça parte:
- Talvez seja um perícope isolado e independente;
- Pode ser a bênção dispensada a um nazireu (6:1-21);
- Talvez faça parte das últimas leis dada no Sinai (5:1–10:10);
- Pode ser o centro de uma estrutura quiástica de um contínuo de Lv 27:1 a Nm 10:10.
Duas expressões perdem sentido nas traduções literais, mas são elucidadas pelo contexto:
- Resplandecer o rosto implica em concender benevolência e favor, (cf. Sl 4: 6; 31:16; 44:3; 67:1; 80:3,7,19; 119:135; Dn 9:17).
- Elevar o rosto: O rosto caído conotava ira (cf. Gn 4:6,7) e o ocultar a face equivale a negar apoio, favor ou paz (cf. Dt 31:18; Sl 30:8; 44:25; Ex 33:14-15; Is 59:1-2; Mq 3:4).
A temática e a fraseologia dessa bênção (e da versão de Ketef Hinnon) ocorrem em vários salmos (Sl 31; Sl 71:3–5; Sl 67:1–2).
Os salmos dos degraus 120–134 podem empregar a bênção aaraônica como pano de fundo. Essas alusões implicam em um recorrente uso dessa bênção no antigo culto do templo.
A fórmula de saudação das epístolas de Paulo “Graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” (1Co 1:3; 2Co 1:2; Gl 1:3; Ef 1:2; Fp 1: 2; 2 Ts 1:2) alude a algumas das mesmas palavras da versão da benção aarônica da Septuaginta.
Entre os israelitas samaritanos quando o rolo da Torá é trazido à congregação abre-se na Bênção Aarônica e os participantes beijam esse trecho.
No judaísmo rabínico a bênção sacerdotal – birkat kohanim– é realizada nos serviços da sinagogas quando haja alguém da linhagem sacerdotal (kohem). Possui um ritual complexo, sendo pronunciado com a cabeça coberta e as mãos dispostas em um gesto específico.
No cristianismo é uma das alternativas para a bênção final do culto.
BIBLIOGRAFIA
Barkay, Gabriel; Marilyn J. Lundberg; Andrew G. Vaughn; Bruce Zuckerman. “The Amulets from Ketef Hinnom: A New Edition and Evaluation.” Bulletin of the American Schools of Oriental Research 334 (2004): 41–71.
Cohen, Chaim. “The Biblical Priestly Blessing (Num 6:24–26) in the Light of Akkadian Parallels.” Tel Aviv 20 (1993): 228–38.
De Souza, Elias Brasil. “The Ketef Hinnom Silver Scrolls: A Suggestive Reading of Text and Artifact.” The Near East Archaeological Society Bulletin 49 (2004): 27–38.
Fishbane, Michael A. “Form and Reformulation of the Biblical Priestly Blessing.” Journal of the American Oriental Society 103 (1983): 115–21.
In Lubetski et al. (eds.) Boundaries of the Ancient Near Eastern world. Sheffield, UK: Sheffield Academic Press, 1998.
Korpel, Marjo C. A. “The Poetic Structure of the Priestly Blessing.” Journal for the Study of the Old Testament 45 (1989): 3–13.
Liebreich, Leon J. “The Songs of Ascent and the Priestly Blessing,” Journal of Biblical Literature 74 (1955): 33-36.
Martens, Elmer A. “Intertext Messaging: Echoes of the Aaronic Blessing (Numbers 6:24–26).” Direction 38 (2009): 163–78.
Miller Jr, Patrick D. “The Blessing of God: An Interpretation of Num 6:22-27, ” Interpretation 29 (1975): 240-51.
Noth, Martin. Numbers: A Commentary. Old Test. Library 7. Philadelphia: Westminster, 1968.
Smoak, Jeremy D. “May Yahweh Bless You and Keep You from Evil: The Rhetorical Argument of Ketef Hinnom Amulet I and the Form of the Prayers for Deliverance in the Psalms.” Journal of Ancient Near Eastern Religions 12, no. 2 (2012): 202–36.
Smoak, Jeremy D. The Priestly Blessing in Inscription and Scripture: The Early History of Numbers 6:24-26. Oxford University Press, 2015.