Inspiração

Inspiração descreve a atuação do Espírito de Deus sobre sua criação para vários propósitos. Teologicamente, podemos falar de inspiração em um sentido amplo e em inspiração particular, no caso das Escrituras.

Inspiração geral

A inspiração do Espírito Santo é retratada como fonte de vida, conhecimento especializado, sabedoria e força.

Em Gênesis 2:7 Deus formou o homem do pó da terra e inspirou-lhe o fôlego da vida; assim fez o homem alma vivente. Cf. Jó 33:4.

O Espírito de Deus inspirou Moisés a profetizar, julgar, escrever, liderar e realizar milagres. (Isaías 63:11-14).

O Espírito do Senhor inspirou Bezalel, filho de Uri, da tribo de Judá, para executar várias habilidades artesanais para o santuário (Êxodo 31:1-11 e 35:30-36:7), além de inspirar Ooliabe e outros indivíduos habilidosos.

Os juízes de Israel foram inspirados pelo Espírito para suas missões, como aconteceu com Otniel (Jz 3:10), Gideão (6:34), Jefté (11:29) e Sansão (13:25; 14:6, 19; 15:14).

Quando o profeta Samuel ungiu Davi para ser rei, “daquele dia em diante o Espírito do Senhor se apoderou de Davi” (1 Samuel 16:13); e o Espírito o guiou no projeto do Templo (1 Crônicas 28:12).

Então Eliú, filho de Baraquel, o buzita, respondeu: Eu sou jovem, e vós idosos; até agora senti medo e temor de expressar a minha opinião.
Eu pensava: Que a idade fale mais alto e os muitos anos de vida ensinem a sabedoria.
Todavia, o homem tem um espírito, e o sopro do Todo-poderoso lhe dá entendimento.
Não são os velhos que são os sábios, nem os anciãos são os que entendem o que é correto.
Por isso, atrevo-me a dizer: Ouvi-me; eu também expressarei a minha opinião.

Jó 32:6-10

Em Jó 32:78 e 33:4, Eliú afirma que a compreensão genuína e o sopro de vida vêm da inspiração do Espírito de Deus. Os versículos acima sublinham a origem divina da sabedoria, enfatizando que o discernimento humano é uma dádiva do Todo-Poderoso.

Doutrina da Inspiração das Escrituras

A inspiração das Escrituras é a doutrina que descreve a relação entre texto e ação do Espírito Santo. A doutrina da inspiração da Bíblia significa que o texto destina-se para comunicar um propósito divino.

São diferentes os meios e processos para a composição bíblica. Em algumas ocasiões, Deus pôs palavras na boca dos profetas (Jeremias 1:9, Ezequiel 3:17), além de às vezes Deus dizer o que o profeta deve dizer (Isaías 38:4-6). Ainda o autor registrou o que lhe foi ditado (Apocalipse 2:1) ou aquilo que viu (Apocalipse 1:10-11). Algumas escrituras resultam da adoração a Deus, como os Salmos, enquanto outras resulta de uma investigação (Lucas 1:1-4). Escribas ou amanuenses também compilaram tradições orais em circulação (Provérbios 25:1), os discursos dos profetas (Jeremias 36) ou as mensagens dos apóstolos (Romanos 16:22). Parte do texto é oriunda de registros oficiais, como genealogias e crônicas das cortes (1 Cr 9:1; 2 Cr 20:34; 16:11; 33:18; 27:7; 35:27; 20:34; Ed 4:15). Há ainda obras compostas para fins literários, como Cantares ou para explicar festividades, como o de Ester. Ainda sob aspectos literários, na composição dos livros também ocorreu intertexualidade com outras obras aparentemente conhecidas por suas audiências (Nm 21:14; Js 10:12-13; 2 Sm 1:18-27; Jd 14). Boa parte dos livros bíblicos foram escritos como correspondências, como as epístolas paulinas. Dada a heterogeneidade do processo de composição bíblica, a relação entre os aspectos divinos e humanos das Escrituras é tratado pela doutrina da inspiração.

Como doutrina acerca das Escrituras, a inspiração é fundamentada principalmente em duas passagens. Em 2 Timóteo 3:16 diz: “Toda a Escritura inspirada por Deus é útil para ensinar, repreender, corrigir e treinar na justiça.” A frase “inspirada por Deus” traduzida assim na Almeida Revista e Corrigida, é uma só palavra grega “theopneustos”, a qual possui os significados “divinamente vivificante”, “soprada por Deus” ou “soprada divinamente”. Ou seja, vale atentar-se para suas traduções possíveis tanto no passivo “inspirada” quanto nas formas ativas “inspiradora” ou “inspirante”.

O termo grego koiné theopneustos é um hapax legômenon no texto bíblico. Ocorre apenas uma vez na Bíblia, em 2 Timóteo 3:16. No entanto, theopneustos aparece no Oráculo Sibilino, no Testamento de Abraão, em Vettius Valens, no Pseudo-Plutarco (Placita Philosophorum) e no Pseudo-Focilides. Nessas obras, praticamente contemporâneas ao Novo Testamento, theopneustos conota a doação de vida por meios divinos, como em Gênesis 2:7. O termo cognato theopnous aparece em Numênio, no Corpus Hermeticum, em uma inscrição na Grande Esfinge de Gizé e em uma inscrição em um ninfeu em Laodiceia.

Outra passagem é 2 Pedro 1:20-21, que diz: “Acima de tudo, você deve entender que nenhuma profecia da Escritura surgiu pela própria interpretação das coisas do profeta. Pois a profecia nunca teve sua origem na vontade humana, mas os profetas, embora humanos, falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”. Este versículo indica que o papel do Espírito Santo em inspirar os profetas a falarem a palavra de Deus. Analogamente, mesmo outros textos além das profecias seriam inspiradas ou movidas pelo Espírito Santo para transmitir a mensagem divina.

Outras passagens utilizadas para conceptualizar a inspiração divina das Escrituras incluem o Salmo 119:105 , Mateus 5:17-18; João 10:34-35; e Hebreus 4:12.

História

Conforme demonstram Metzger (1987 p. 257) e Bruce (1988, p. 268), inicialmente o conceito de inspiração não serviu como critério para a canonicidade do Novo Testamento. A crença de que cada crente e cada congregação possuía inspiração do Espírito Santo era corrente; contudo, não conferia caráter canônico (normativo) para esses discursos inspirados. O reconhecimento de inspiração atribuído um documento ocorria após o reconhecimento de sua canonicidade. A inspiração funcionou mais como um corolário, uma consequência da canonicidade, do que um pré-requisito. Metzger cita casos em que a inspiração foi atribuída a escritos não canônicos no discurso cristão primitivo. Notavelmente, o autor da Epístola de Diogeneto reivindicou inspiração, assim como um escrito de Eusébio, que atribuiu inspiração a um sermão do Imperador Constantino. Além disso, Jerônimo, Agostinho de Hipona, e ao Espírito Santo explicando os mistérios das Escrituras a Gregório, o Grande, destacam que a noção de inspiração se estendia além dos textos canônicos. Metzger sublinha os diversos contextos em que a inspiração foi reconhecida no espectro mais amplo da vida da Igreja, enfatizando que não era um critério distinto para a canonicidade.

A doutrina de inspiração protestante remonta de Matias Flácio Ilírico. Flácio contribuiu para a definição da doutrina protestante da Escritura através de suas obras polêmicas e seus escritos teológicos. Enfatizou a importância da clareza e acessibilidade da Bíblia, argumentando que a Escritura se interpreta a si mesma.

Roberto Belarmino, cardeal jesuíta e um dos principais teólogos católicos da Contrarreforma, articulou uma resposta sofisticada. A inspiração que movia os autores bíblicos continuava no magistério da Igreja.

Em caráter apologético, o teólogo da Escola de Princeton, B.B. Warfield argumentou que a inspiração bíblica demandava que o termo theopneustos deveria ser sempre e exclusivamente entendido no passivo como “inspirada por Deus”. Apesar disso, Warfield, usando raciocínio indutivo, afirmava que a inspiração não desempenhava nenhum papel necessário na teologia do Novo Testamento. Argumentava que mesmo na ausência do conceito de inspiração, o Cristianismo permaneceria verdadeiro e as suas doutrinas essenciais seriam comunicadas de forma confiável através dos relatos confiáveis dos ensinamentos de Jesus e das ações dos apóstolos enquantos agentes autorizados no estabelecimento da Igreja. Contudo, a bibliologia de Warfield baseava-se numa epistemologia fundacionalista. Assim, argumentou que desistir da inspiração resultaria no abandono das evidências que apoiam a confiança nas Escrituras. Warfield argumentou que a inspiração das Escrituras era um elemento fundamental da fé cristã, cuja rejeição minaria logicamente a confiança em todas as outras doutrinas cristãs distintas. Warfield argumentou que a desconfiança na doutrina da inspiração se estenderia a duvidar da confiabilidade das Escrituras em qualquer doutrina da fé, em interconexão desses componentes teológicos.

Oscar Cullman criticou a doutrina protestante de inspiração como docética.

Modelos de inspiração bíblica

A inspiração da Bíblia é um conceito central na teologia cristã, referindo-se à crença de que as Escrituras são de alguma forma influenciadas por Deus. No entanto, a natureza e o grau dessa influência divina têm sido objeto de debate ao longo da história, resultando em diversos modelos de inspiração. Para interpretar versos como como 2 Timóteo 3:16 e 2 Pedro 1:20, as seguintes teorias foram propostas:

Modelo Mecânico Deus teria ditado palavra por palavra da Bíblia aos autores humanos, que atuaram como instrumentos passivos. Essa perspectiva enfatiza a precisão divina do texto, mas é criticada por desconsiderar os estilos literários e contextos culturais dos escritores.

Modelo de Iluminação O Espírito Santo iluminou os autores, intensificando sua percepção religiosa e direcionando seus pensamentos sem determinar exatamente as palavras usadas. Valorizando a participação humana no processo, este modelo é acusado de aproximar a inspiração bíblica da criatividade humana.

Modelo de Encontro Entende a Bíblia como um meio pelo qual Deus se revela aos leitores, em vez de ser a Palavra de Deus em si. Prioriza o aspecto relacional e a experiência espiritual da leitura.

Modelo Pleno-Verbal Afirma que cada palavra dos manuscritos originais foi inspirada por Deus, respeitando o estilo dos autores humanos, mas assegurando a precisão e autoridade divina. A inspiração seria por meio de palavras (daí o “verbal”), não por proposições, ideias ou eventos.

Inspiração Dinâmica Propõe que Deus inspirou os pensamentos e ideias dos autores, enquanto a formulação final do texto reflete a linguagem e o estilo humanos. Este modelo busca equilibrar a interação divina e humana.

Inspiração Mística Considera a Bíblia um símbolo ou reflexo das verdades divinas, sem exigir precisão histórica ou literal. Valoriza a dimensão espiritual e contemplativa, mas não sustenta uma doutrina tradicional de autoridade.

Inspiração Natural Rejeita qualquer intervenção sobrenatural, argumentando que os autores eram simplesmente indivíduos com grande instrospecção moral e espiritual. Essa perspectiva é amplamente rejeitada pela teologia cristã.

Medição Teológica que Deus guiou os autores humanos sem suprimir sua liberdade ou criatividade, resultando em um processo inspirado e humano ao mesmo tempo.

Visão Encarnacional Compara a natureza da Bíblia à de Cristo, afirmando que ambas possuem uma união perfeita entre o divino e o humano. Essa visão destaca o caráter único das Escrituras como simultaneamente inspiradas por Deus e expressas por autores humanos.

Teorias de Conteúdo pela inspiração divina atua no nível das ideias ou proposições centrais do texto, sem necessariamente abranger os detalhes específicos de cada palavra. Algumas versões sugerem uma orientação detalhada de Deus em declarações específicas, enquanto outras limitam a inspiração às ideias principais, deixando espaço para a expressão humana.

Teoria da Inspiração Social ou Eclesial considera a complexidade do processo de formação dos livros bíblicos, que envolveu autores, redatores, transmissão oral e contextos sociais, como liturgias e tradições comunitárias. Essa perspectiva propõe que Deus influencia grupos sociais ao longo do tempo para garantir o resultado desejado, reconhecendo a dimensão coletiva da produção das Escrituras. A teoria da inspiração canônica de Kern Robert Trembath talvez seria melhor compreendida como parte dessa teoria da inspiração social ou eclesial.

Extensão da inspiração bíblica

  • Inspiração parcial ou limitada: algumas partes seriam inspiradas, outras não. O próprio texto bíblico fala de Deus inspirando profetas, mas também tem discursos do povo em direção a Deus, como nas orações e Salmos. Visão dos racionalistas do século XVIII e em tempos recentes por Kugel.
  • Inspiração gradual: Há um gradiente de inspiração e autoridade. Entre cristãos essa perspectiva postula que aos poucos, à medida em que a história de salvação foi se desvelando, teríamos textos mais autoritativos. É a posição do movimento Concordant e de C.S. Lewis. De outro lado, no judaísmo há uma posição de fato que considera a Torá como dotada de maior autoridade, depois os Profetas e por último os Escritos.
  • Inspiração plenária: sustenta que toda a Bíblia é igualmente inspirada por Deus, incluindo suas ideias, conceitos e temas, bem como suas palavras. Enfatiza a integridade e suficiência do texto bíblico. Barth, Bloesch.

Foco da Inspiração

  1. Inspiração do Texto, foco no produto. 2 Tim 3:15-17. A inspiração seria encontrada no texto resultante, atualizada na sua recepção pela leitura. Prefererida por Barth, Bloesch, William Lane Craig.
  2. Inspiração dos Autores, foco no processo. 2 Pe 1:20-21. A inspiração seria atuante no momento de fixação do texto. Preferida por Gaussen e B.B. Warfield (embora Warfield enfatizasse a inspiração do texto, sua doutrina descreve a inspiração autoral).
  3. Inspiração dos Eventos, foco no processo. Salmo 119:105. Atos de salvação e revelação de Deus na história. Prefererida por Oscar Cullmann, Wolhart Pannenberg, G. E. Wright.

Níveis de inspiração das Escrituras

Entre aqueles que defenderam uma visão de inspiração verbal plenária, as perspectivas sobre quais níveis de texto que receberam a inspiração são as seguintes:

  • Texto Canônico Total: A posição de que toda a Bíblia, como produto acabado, é inspirada por Deus. Perspectiva de Childs, Cullmann.
  • Expressão (narrativa, história e estilo): A posição de que a forma como uma passagem é expressa, incluindo sua narrativa, história e estilo, é inspirada por Deus. Esta posição enfatiza as qualidades literárias da Bíblia e reconhece que Deus usa a linguagem humana e as convenções literárias para comunicar a sua mensagem. Os defensores desta visão incluem C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien e John Goldingay.
  • Proposição ou Ideias: A posição de que as proposições ou ideias por trás de um argumento ou narrativa, conhecida como Ipissima vox, são inspiradas por Deus. Esta posição enfatiza os ensinamentos teológicos e morais da Bíblia e reconhece que a mensagem de Deus é comunicada através das ideias apresentadas no texto. Os proponentes desta visão incluem Karl Barth, Reinhold Niebuhr, Rudolf Bultmann, Kevin Vanhoozer, Daniel Wallace, Grant Osborne.
  • Palavras Individuais: A posição de que as palavras individuais, conhecidas como Ipissima verba, são inspiradas por Deus. Esta posição enfatiza a importância das palavras específicas usadas no texto e reconhece que cada palavra foi escolhida por Deus para comunicar a sua mensagem. Os proponentes desta visão incluem B.B. Warfield, Charles Hodge e J.I. Packer.
  • Sílabas: A posição de que até as sílabas do texto são inspiradas por Deus. Esta visão é sustentada por alguns escritores judeus, como Fílon e Josefo.
  • Letras: A posição de que até as letras do texto são inspiradas por Deus. Esta opinião é defendida por alguns místicos judeus que se dedicam à Gematria, um método de interpretação da Bíblia Hebraica baseado em valores numéricos atribuídos às letras. Também aparece em Gregório de Nazianzo e Polano.

Inspiração e revelação

Os conceitos de revelação e inspiração estão intimamente relacionados, mas são teologicamente distintos.

A revelação, definida de forma ampla, refere-se ao processo pelo qual Deus se dá a conhecer à humanidade. Abrange a auto-revelação de Deus, a comunicação de sua vontade e a manifestação de sua natureza divina. No contexto da Bíblia, a revelação é vista como o envolvimento ativo de Deus na história humana, revelando verdades sobre si mesmo, seus propósitos e seu relacionamento com a humanidade.

O conceito de inspiração refere-se especificamente à influência ou orientação divina sobre indivíduos que foram inspirados pelo Espírito Santo para profetizar, escrever, liderar ou realizar diversas tarefas de acordo com a vontade de Deus. Isto inclui exemplos do Antigo Testamento, como Moisés, Bezalel, os juízes de Israel, David e Eliú, bem como referências aos escritos do Novo Testamento e à doutrina da inspiração bíblica.

A revelação, por outro lado, é retratada como a auto-revelação de Deus e a comunicação das verdades divinas à humanidade, muitas vezes através de encontros diretos, visões ou intervenções divinas nos assuntos humanos. Os exemplos citados incluem casos em que indivíduos ou grupos experimentaram a revelação de Deus, como Abraão, Moisés, os profetas e o povo de Israel como um todo.

Embora ambos os conceitos envolvam a interação entre os domínios divino e humano, a revelação centra-se no conteúdo e na transmissão das verdades divinas, enquanto a inspiração enfatiza os meios e o processo pelos quais essas verdades são transmitidas através da ação humana. Ambos conceitos formam a base para a compreensão da natureza e da autoridade das Escrituras como a Palavra de Deus revelada à humanidade.

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Interpretação histórico-redentora

O método histórico-redentivo é uma abordagem teológica que interpreta a Escritura considerando-a como uma narrativa unificada que revela a obra de redenção de Deus ao longo da história.

Essa perspectiva busca entender os textos bíblicos em seus contextos históricos e culturais, conectando-os ao tema central da redenção culminada em Cristo. Sidney Greidanus, um dos principais representantes dessa abordagem, defende que cada passagem bíblica deve ser interpretada como parte de um plano redentivo que aponta para Cristo. Greidanus propõe que essa conexão pode ser estabelecida por meio de elementos como tipologia, promessa e cumprimento, entre outros.

Greidanus, um especialista em homilética, critica a pregação exemplarista, que foca em lições morais a partir de personagens bíblicos, argumentando que essa prática não considera adequadamente a dimensão redentiva da Escritura. Para ele, os textos devem ser interpretados dentro de sua integridade histórica e conectados ao plano de redenção revelado nas Escrituras. Sua abordagem prioriza a unidade entre Antigo e Novo Testamentos, destacando como o tema da redenção permeia toda a narrativa bíblica.

Oscar Cullmann, em sua proposta da história da salvação, enfatiza a sequência de atos divinos ao longo do tempo, culminando na figura de Jesus Cristo. Para Cullmann, a história da salvação é vista como uma série de eventos históricos que demonstram a ação salvadora de Deus. Essa abordagem costuma ser apresentada em uma estrutura cronológica que sublinha os eventos históricos como manifestações da redenção.

O conceito de Heilsgeschichte, amplamente utilizado na teologia alemã, refere-se ao tema geral da obra redentiva de Deus ao longo da história. Embora compartilhe do enfoque na ação divina na história, não estabelece necessariamente uma conexão direta e sistemática entre os textos do Antigo Testamento e seu cumprimento no Novo Testamento. Greidanus, ao enfatizar a relação direta entre os Testamentos, oferece um método que busca integrar o significado histórico dos textos com a narrativa mais ampla da redenção.

Imposição das mãos

A imposição das mãos é um ato com múltiplos significados e aplicações através da Bíblia, com propósito de dedicação, bênção, transferência de autoridade e capacitação espiritual. O termo grego também significa ato de eleição mediante a indicação das mãos.

A prática está enraizada na tradição israelita, sendo mencionada em diversos textos do Antigo Testamento. Em Números 27:18-23, Moisés impõe as mãos sobre Josué, conferindo-lhe uma parcela de sua autoridade para liderar o povo de Israel. Esse ato também é observado na consagração de ofertas e na transferência simbólica de pecado ao bode expiatório em Levítico 16:21, em que os pecados da comunidade são colocados sobre o bode expiatório a ser liberado no deserto.

No Novo Testamento, a imposição das mãos adquire novos significados. A imposição das mãos é mencionada em contextos de bênção, como em Marcos 10:16, onde Jesus abençoa crianças. A imposição das mãos aparece em atos de cura, como em Lucas 4:40. Essa prática também está ligada à transmissão de dons espirituais, exemplificada em 1 Timóteo 4:14, onde Paulo menciona que o dom de Timóteo foi acompanhado pela imposição das mãos do presbitério.

A imposição das mãos aparece associada à indicação, bênção e capacitação ministerial. Em Atos 6:6, os apóstolos impõem as mãos sobre sete homens escolhidos para o serviço, delegando-lhes autoridade para funções específicas na comunidade cristã. De forma semelhante, em Atos 13:1-3, Paulo e Barnabé são separados para a missão através da imposição de mãos, acompanhada de jejum e oração, simbolizando o reconhecimento da igreja de Antioquia quanto à sua vocação divina.

Contudo, não é claro qual gesto consistia a imposição das mãos em contexto neotestamentário. Isso porque os termos gregos geralmente traduzidos como “imposição das mãos” possuem outros significados.

O termo grego χειροτονέω designa o ato de estender a mão, originalmente empregado em contextos de votação pública, onde a elevação da mão simbolizava a escolha em assembleias civis, como na ekklesia. Derivado das raízes χείρ (“mão”) e τείνω (“estender”), o verbo possui significado literal de “estender as mãos”, mas adquiriu conotações específicas de eleição e nomeação pela demonstração visível de votos. O termo pode ser traduzido como impor as mãos, indicar monstrando as mão, e — em sentidos derivados — eleger, ordenar.

No Novo Testamento, χειροτονέω aparece em Atos 14:23 e 2 Coríntios 8:19. Em Atos 14:23, o texto relata que Paulo e Barnabé “elegeram presbíteros em cada igreja” (χειροτονήσαντες αὐτοῖς πρεσβυτέρους κατ’ ἐκκλησίαν). Ou seja, Paulo e Barnabé organizaram a escolha dos presbíteros com a participação comunitária no processo. A expressão indica que os presbíteros foram escolhidos com base na decisão da assembleia cristã local, mediante o gesto de levantar as mãos, prática comum nas ekklesias, as assembleias civis gregas, para expressar voto.

A mesma prática pode ser percebida em Tito 1:5, onde Paulo instrui Tito a “eleger presbíteros em cada cidade” (καταστήσῃς κατὰ πόλιν πρεσβυτέρους). Essa nomeação de presbíteros refletem a prática comum de eleição pela comunidade cristã, seguindo o modelo cultural prevalente das cidades do mundo helenístico.

Ismael

Ismael, em hebraico: יִשְׁמָעֵאל grego: Ἰσμαήλ, é o primeiro filho do patriarca Abraão, nascido de Hagar, serva egípcia de Sara, esposa de Abraão.

De acordo com Gênesis 16, o nascimento de Ismael foi planejado por Sara, que na época era conhecida como Sarai, devido à sua infertilidade. Para assegurar um herdeiro para Abraão, ela sugeriu que ele tomasse sua serva Hagar como uma segunda esposa temporária. Assim, Hagar concebeu e deu à luz Ismael, o que estabeleceu a promessa divina de que os descendentes de Abraão se multiplicariam grandemente. No entanto, as tensões entre Hagar e Sara eventualmente fizeram com que Hagar fugisse. Ela encontrou um anjo no deserto que a instruiu a voltar e submeter-se a Sara, garantindo-lhe que seu filho Ismael se tornaria o progenitor de uma grande nação.

Quando Ismael tinha 13 anos, ele foi circuncidado, juntamente com todos os homens na casa de Abraão, como parte do Brit Mila, o pacto entre Deus e Abraão, sinalizando o compromisso divino com sua descendência. Nesse mesmo pacto, Deus revelou a Abraão que Sara, agora renomeada como Sara, também teria um filho, Isaque, que seria o herdeiro da aliança. Ismael, entretanto, recebeu a bênção de ser o ancestral de doze príncipes, e de que dele surgiria uma grande nação.

Após o nascimento de Isaque, a relação entre Sara e Hagar se deteriorou ainda mais. Em uma celebração para Isaque, Sara percebeu que Ismael, então um adolescente, zombava de seu irmão mais novo, e pediu a Abraão que expulsasse Hagar e seu filho. Embora relutante, Abraão aceitou, após Deus assegurar-lhe que Isaque seria o herdeiro principal, mas que Ismael também seria o fundador de uma grande nação.

Abraão forneceu suprimentos a Hagar e Ismael, que partiram para o deserto de Berseba. Quando o suprimento de água acabou, Hagar se afastou de Ismael para não vê-lo morrer, mas Deus ouviu o choro do menino e prometeu a Hagar que Ismael prosperaria. Um poço milagrosamente apareceu, e eles sobreviveram. Ismael cresceu no deserto de Parã e se tornou um arqueiro. Hagar posteriormente arranjou-lhe um casamento com uma mulher egípcia.

Ismael teve doze filhos, que se tornaram príncipes e fundaram tribos no vasto território entre Havilá e Sur, do Egito até a Assíria. Seus descendentes, conhecidos como ismaelitas, ocuparam várias regiões do Oriente Médio e foram ancestrais de muitos povos árabes. Ele também teve uma filha, Maalate (ou Basemate), que se casou com Esaú, filho de Isaque.

No islã, Ismael, conhecido como Ismail, é honrado como profeta e como uma figura essencial para a fundação espiritual de Meca, onde ele e seu pai, Abraão, construíram a Caaba, o local mais sagrado do Islã.

Fides Infantum e Fides Infusa

Fides Infantum e Fides Infusa são conceitos da teologia magisterial sobre a fé, especialmente no contexto do batismo, da vida espiritual das crianças e da natureza da graça divina. Essas ideias foram moldadas por Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio. Essas doutrinas discorrem como a fé é percebida em relação aos infantes e à vida cristã em geral.

Fides Infantum (Fé dos Infantes)

Fides Infantum, ou a fé dos infantes, refere-se ao conceito teológico que aborda o estado espiritual dos infantes, particularmente em relação ao batismo e à salvação. Propõe a discutir como os infantes, que ainda não podem crer conscientemente, podem ser receptores da fé e da salvação.

  1. Agostinho de Hipona: Agostinho foi fundamental no desenvolvimento da ideia de fides aliena, que se refere à fé de outros—tipicamente dos pais ou da Igreja—sendo aplicada aos infantes durante o batismo. Esse conceito lançou as bases para entender como os infantes poderiam receber a fé de maneira vicária, apesar de sua incapacidade de crer conscientemente. A ênfase de Agostinho no pecado original tornava o batismo infantil essencial para a salvação, uma vez que ele postulava que, sem o batismo, mesmo os infantes seriam excluídos da visão beatífica de Deus.
  2. O Destino dos Infantes Não Batizados: No contexto de fides infantum, o destino dos infantes não batizados tem sido um tema de debate teológico:
    • Limbo: Tradicionalmente, a Igreja Católica ensinava que infantes não batizados iriam para o limbo, um estado de felicidade natural, porém sem a visão beatífica de Deus. O limbo não era considerado um lugar de sofrimento, mas sim uma forma de exclusão da plenitude da comunhão com Deus.
    • Batismo de Desejo e Fé Parental: Alguns teólogos, influenciados pela ideia de fides aliena, argumentaram que a fé dos pais ou da Igreja poderia, de alguma forma, bastar para o infante. Outros propuseram o conceito de batismo de desejo, sugerindo que a misericórdia de Deus poderia estender a salvação a esses infantes por meio de um desejo implícito pelo batismo.
  3. Perspectivas Protestantes: Durante a Reforma, figuras como Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio engajaram-se com o conceito de fides infantum no contexto do batismo infantil:
    • Martinho Lutero: Lutero argumentava que os infantes poderiam possuir sua própria fé, concedida por Deus, no momento do batismo. Ele enfatizava a importância da ação de Deus nos sacramentos, sugerindo que mesmo os infantes poderiam receber o dom da fé, alinhando-se com sua crença na salvação pela fé somente.
    • Ulrico Zuínglio: Zuínglio divergia de Lutero e dos ensinamentos católicos, vendo o batismo mais como um ato simbólico de inclusão na comunidade do que uma concessão de fé. Ele questionava a necessidade do batismo infantil para a salvação, argumentando que a fé não estava vinculada ao sacramento em si.

Fides Infusa (Fé Infusa)

Fides Infusa refere-se ao conceito de fé infusa, um dom sobrenatural de Deus que permite à pessoa acreditar nas verdades da fé cristã. Essa ideia é central para a teologia católica, particularmente no âmbito do pensamento escolástico.

  1. Tomás de Aquino e a Fé Infusa: Tomás de Aquino foi instrumental na articulação da doutrina de fides infusa. Segundo Aquino, a fé infusa é distinta da fé adquirida, que vem por meio do raciocínio humano e do estudo. A fé infusa é um dom divino dado no batismo que santifica a alma, permitindo que ela compreenda e consinta às verdades sobrenaturais.
    • Graça Santificante: Aquino ensinava que a fé infusa faz parte da graça santificante, que inclui as virtudes teológicas da fé, esperança e caridade. Essa graça não é merecida pelo esforço humano, mas é concedida gratuitamente por Deus como fundamento para a vida espiritual e o início da jornada para a salvação.
    • Necessidade para a Salvação: Na doutrina católica, fides infusa é necessária para a salvação, pois permite que os crentes sustentem as verdades divinas com certeza. Aquino enfatizava que essa fé não é simplesmente um assentimento intelectual, mas uma virtude infundida por Deus que orienta a alma em direção a Ele.
  2. Comparação com a Fé Adquirida: A fé infusa contrasta nitidamente com a fé adquirida, que resulta do estudo, da reflexão e do processo humano natural de aprendizado. Embora a fé adquirida possa levar à compreensão, ela é insuficiente para a salvação sem a graça infusa que transforma e eleva a natureza humana para participar do divino.

Influência na Doutrina Católica

O conceito de fides infusa é afirmado nos ensinamentos católicos e continua sendo um alicerce da compreensão da fé e da graça pela Igreja. O Concílio de Trento (1545–1563), que abordou muitas questões levantadas durante a Reforma Protestante, reforçou a importância da graça infusa e da fé no processo de justificação e salvação. A teologia católica continua a ver fides infusa como um elemento fundamental da vida cristã, capacitando os fiéis a aceitar e viver de acordo com as verdades divinas.

Perspectiva do batismo dos crentes

Os defensores do batismo dos crentes argumentam que o batismo só deve ser administrado àqueles que podem professar conscientemente a sua fé em Jesus Cristo. Esta perspectiva rejeita inerentemente os conceitos de fides infantum e fides infusa, uma vez que não reconhecem as crianças como capazes de ter fé ou de compreender o significado do baptismo.

A rejeição da fides infusa alinha-se com a crença de que a fé não é algo que pode ser transmitido ou infundido; antes, é uma resposta pessoal à revelação de Deus. Esta visão enfatiza uma compreensão relacional da fé, onde os indivíduos devem envolver-se ativamente com a sua crença, em vez de confiar na fé de outros (como os pais ou a igreja).