Leitura futurista

A leitura futurista do Livro do Apocalipse interpreta a maior parte de suas profecias — geralmente dos capítulos 4 a 22 — como uma linha do tempo sequencial de eventos que ainda serão cumpridos em um período específico e futuro da história, imediatamente anterior à segunda vinda de Cristo. Para os futuristas, o Apocalipse é primordialmente uma previsão profética do fim do mundo, e seus símbolos são frequentemente entendidos como códigos que descrevem indivíduos, acontecimentos e tecnologias que emergirão na geração final.

Princípios fundamentais e calendário profético

O futurismo, especialmente em sua forma dispensacionalista, postula uma grande “parêntese” na profecia entre o período da igreja (capítulos 2–3) e os eventos futuros. Essa era da igreja culmina com o arrebatamento, um evento singular e dramático que remove os crentes da Terra antes do início da Grande Tribulação.

Os eventos de Apocalipse 4–19 se desdobram então como um período de catástrofe e ira divina com duração de sete anos, dividido em duas metades de três anos e meio. A primeira metade abrange os juízos dos selos e das trombetas; a segunda, conhecida como “Grande Tribulação”, é marcada pela intensificação dos juízos das taças e pelo reinado do Anticristo.

Figuras centrais e simbologia

Durante a Tribulação, figuras específicas se manifestam para cumprir papéis proféticos. O Anticristo (a besta que sobe do mar) é um líder político global carismático que firma e depois quebra uma aliança com Israel, exigindo adoração mundial. O Falso Profeta (a besta que sobe da terra) é um líder religioso que o apoia e impõe a adoração ao Anticristo.

As duas testemunhas (Apocalipse 11) são dois indivíduos proféticos, por vezes identificados como Elias e Moisés, que profetizam em Jerusalém por 1.260 dias. O número 144.000 (Apocalipse 7) é interpretado exatamente como 12.000 judeus de cada uma das doze tribos de Israel, selados para servir como evangelistas durante a Tribulação.

A grande prostituta (Babilônia) é vista como um futuro sistema religioso e/ou político global, frequentemente identificado com um Império Romano reavivado ou com uma religião mundial em aliança com o Anticristo. A marca da besta (666) é entendida como um sinal físico — às vezes especulado como sendo um microchip ou identificação biométrica — essencial para o comércio durante o reinado do Anticristo.

Após o retorno de Cristo na batalha do Armagedom (Apocalipse 19), Satanás é preso, e Cristo estabelece um reino terrestre e político em Jerusalém, com duração de mil anos (Apocalipse 20:4–6), conhecido como o Milênio. Os santos que atravessaram a Tribulação reinarão com Cristo nesse mundo restaurado.

O futurismo vê o Milênio como um reino futuro e terreno, em contraste com as visões amilenista e idealista. Ao final dos mil anos, Satanás é solto para uma rebelião final, que é rapidamente esmagada. Segue-se o juízo final diante do grande trono branco (Apocalipse 20:11–15) e a criação dos novos céus e nova terra.

Críticas e considerações

O futurismo ganhou popularidade por oferecer um senso de urgência e uma narrativa cronológica aparentemente clara do fim dos tempos. Contudo, críticos argumentam que ele negligencia o contexto original do século I e a perseguição romana enfrentada pelos primeiros leitores do livro.

Além disso, embora afirme aplicar uma hermenêutica literal à profecia, essa aplicação é vista como seletiva — tomando alguns elementos como literais (como os mil anos) e outros como simbólicos, sem explicar quais critérios para considerar algo simbólico ou “literal”. Suas interpretações também tendem a ser especulativas, baseadas na identificação de eventos e figuras contemporâneas, o que historicamente levou a previsões que não se concretizaram. O sistema é dependente do dispensacionalismo, uma teologia sistematizada no século XIX. Contudo, pré-milenistas históricos também tendem a adotar uma abordagem futuristas sem utilizar esquemas dispensacionalistas.

Em síntese, a leitura futurista entende o Apocalipse como um roteiro detalhado, revelado por Deus, para o ato final da história humana — com foco no tempo futuro da tribulação e no domínio visível de Cristo sobre a Terra.

BIBLIOGRAFIA

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Walvoord, John F. The Blessed Hope and the Tribulation. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1979.

Walvoord, John F. The Revelation of Jesus Christ. Chicago: Moody Press, 1966.

Leitura idealista

A leitura idealista, também chamada leitura simbólica ou espiritual da profecia bíblica — especialmente do Livro do Apocalipse — interpreta as visões não como previsões de eventos históricos específicos ou futuros, mas como representações atemporais e simbólicas do conflito universal e espiritual entre Deus e Satanás, entre o bem e o mal, que se manifesta ao longo de toda a era da Igreja.

Para o idealista, a mensagem primária é teológica e pastoral, e não cronológica: os símbolos são “retratos” de realidades espirituais, e não “códigos” a serem decifrados.

Princípios fundamentais e simbologia

Partindo de uma análise textual e literária, o idealismo reconhece o caráter simbólico das profecias bíblicas, especialmente no livro de Apocalipse. Desse modo, o idealismo evita deliberadamente vincular as imagens específicas do Apocalipse — como a besta, Babilônia, as trombetas ou o milênio — a impérios particulares, indivíduos singulares (como um único anticristo) ou a um calendário detalhado do fim dos tempos. Rejeita, assim, os modelos preterista, historicista e futurista.

Em vez disso, o conflito central é arquetípico: o dragão (Satanás) é a fonte de todo o mal; as bestas simbolizam a totalidade do poder político hostil e da ideologia religiosa enganosa em todas as suas manifestações; e Babilônia representa todos os sistemas mundanos sedutores, corruptos e opostos a Deus, que desviam os fiéis e perseguem a Igreja.

O propósito do livro, segundo essa ótica, é pastoral e encorajador: oferecer consolo e exortação à perseverança aos crentes que sofrem no presente, assegurando-lhes que Deus é soberano e que Cristo já conquistou a vitória final.

O milênio (Apocalipse 20) é interpretado simbolicamente, quase sempre em uma perspectiva amilenista — como defendido por Agostinho —, representando o reinado presente de Cristo e das almas dos crentes falecidos no céu durante toda a era da Igreja. O “aprisionamento de Satanás” simboliza o cerceamento de seu poder para enganar as nações e impedir o avanço do Evangelho.

Os sete selos, trombetas e taças são vistos como quadros cíclicos e intensificadores dos juízos de Deus contra o pecado e o mal ao longo da história, revelando as consequências inevitáveis da rebelião humana.

Tradições interpretativas

A pedra angular dessa tradição foi lançada por Agostinho em A Cidade de Deus, ao interpretar o milênio como o período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo.

No século XX, William Hendriksen popularizou o modelo com sua clássica apresentação da estrutura paralela de sete ciclos, e Anthony A. Hoekema ofereceu uma defesa sistemática rigorosa do amilenismo. Mais recentemente, eruditos como G. K. Beale e Vern S. Poythress refinaram a visão com o conceito de “progressão recapitulatória”, segundo o qual as visões repetem o mesmo período, mas avançam em intensidade e detalhe em direção à consumação final.

O idealismo, por sua ênfase na verdade teológica e por evitar a marcação de datas, é profundamente pastoral. No entanto, pode ser criticado por tornar o texto excessivamente generalizado e por suavizar o contexto histórico imediato da perseguição romana.

Leitura nuanceadas

O teólogo católico Scott Hahn introduz uma lente litúrgica no idealismo. Sua interpretação, altamente simbólica e alinhada com a recapitulação, vê as visões como realidades espirituais atemporais, e não como um mapa cronológico.

A diferença principal está em sua ênfase: para Hahn, o Apocalipse é antes de tudo uma revelação da liturgia celestial — o culto de adoração que ocorre no céu. O livro, portanto, não é um guia para o futuro, mas uma chave para compreender a Missa ou Eucaristia, que torna essa realidade celestial presente na Terra.

Essa abordagem concentra-se no presente espiritual da vitória de Cristo e na adoração da Igreja, utilizando o simbolismo para moldar a vida de fé e culto da comunidade, em vez de se orientar por uma agenda escatológica.

Já na tradição idealista ou espiritual entre pentecostais destacam-se Gordon Fee e Peter Althouse.

A abordagem de Gordon Fee representa uma síntese acadêmica sofisticada, frequentemente chamada de idealismo com premilenismo temático. Fee adota integralmente a base idealista e recapitulatória para cerca de 95% do Apocalipse (capítulos 1–19 e 21–22), insistindo que os selos, trombetas e taças são visões sobrepostas e simbólicas das lutas e juízos que se repetem durante a era da Igreja.

Sua nuance está no tratamento do milênio (Apocalipse 20.1–6). Fee rejeita tanto a leitura dispensacionalista quanto a visão amilenista pura de que o milênio seria apenas a era presente. Ele defende que, dentro da narrativa amplamente simbólica, o milênio constitui um evento futuro e literal, uma etapa transicional entre a parousia (retorno de Cristo) e o estado eterno.

O propósito desse milênio literal não é servir de centro para um calendário profético, mas oferecer a vindicação visível e definitiva dos mártires, respondendo à pergunta sobre o triunfo final da justiça no plano de Deus.

O erudito pentecostal Peter Althouse desenvolve um idealismo pneumatológico e teleológico (orientado para o propósito). Ele aceita a natureza simbólica das bestas e de Babilônia, mas utiliza o Pentecostes (Atos 2) como lente hermenêutica central, vendo-o como o evento inaugural dos “últimos dias”.

Para Althouse, o Apocalipse é uma representação dramática da atividade do Espírito Santo ao longo da era da Igreja, em constante e crescente atuação. Seu idealismo é teleológico porque as repetições — os ciclos de julgamento e salvação — não são meramente atemporais, mas descrevem o processo pelo qual o Espírito Santo progressivamente supera o mal e impulsiona a Igreja em sua missão, culminando na manifestação vitoriosa do Reino de Deus na Terra.

Nessa visão, o milênio é interpretado como símbolo da autoridade espiritual exercida pela Igreja, capacitada pelo Espírito Santo, um triunfo já manifestado, mas ainda não plenamente realizado. Essa leitura distingue-se da ênfase no reinado celestial de Agostinho e da estrita literalidade futura de Fee.

BIBLIOGRAFIA
Agostinho, Santo. A Cidade de Deus. (Obra fundamental para a interpretação simbólica do Milênio, desenvolvida no Livro XX). Várias edições.

Althouse, Peter. Spirit of the Last Days: Pentecostal Eschatology in Conversation with Jürgen Moltmann. Journal for the Study of the New Testament Supplement Series, 25. Londres: T&T Clark International, 2003.

Beale, G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. New International Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, 1999.

Fee, Gordon D. Revelation. New Covenant Commentary Series. Eugene, OR: Cascade Books, 2011.

Hahn, Scott. The Lamb’s Supper: The Mass as Heaven on Earth. Nova Iorque: Doubleday, 1999.

Hendriksen, William. More Than Conquerors: An Interpretation of the Book of Revelation. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1940.

Hoekema, Anthony A. The Bible and the Future. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, 1979.

Poythress, Vern S. The Returning King: A Guide to the Book of Revelation. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2000.

Leitura da recapitulação

A leitura da recapitulação (ou, por vezes, a visão dos Passagens Paralelas ou Cíclica) é uma abordagem hermenêutica da interpretação do Livro do Apocalipse que contrasta diretamente com a leitura linear e cronológica (tal como é comum no dispensacionalismo), que entende os eventos dos capítulos 4-22 como uma sequência estrita de acontecimentos futuros.

Recapitulação como estratégia hermenêutica para o Apocalipse

O princípio central da recapitulação postula que as sete principais seções proféticas de Apocalipse—os selos, as trombetas e as taças, juntamente com outras visões—não são eventos sequenciais, mas sim paralelos. Cada uma dessas seções descreve o mesmo período da história—a era da igreja, desde a primeira vinda de Cristo até a sua segunda—mas de diferentes perspectivas, com intensidade crescente e um foco distinto.

O livro é visto como uma série de visões que se sobrepõem, como um fotógrafo que tira várias fotos da mesma catedral: um plano geral (os Selos), um plano focado em detalhes da fachada (as Trombetas) e uma foto do drama interior (as Taças e outras visões). Cada imagem é do mesmo tema, mas revela um aspecto diferente.

Estrutura e Ciclos da Recapitulação

Uma estrutura quádrupla ou sêxtupla se repete ao longo do livro, em que cada ciclo culmina no juízo final e na consumação do reino de Deus. Embora as divisões exatas variem, um esquema comum propõe sete ciclos principais.

As sete igrejas (capítulos 1–3) representam a profecia simbólica de toda a era da Igreja, o plano “terrestre” da luta da comunidade cristã no mundo.

Os sete selos (capítulos 4–7) mostram o mesmo período sob a perspectiva do trono celestial, revelando o plano redentor de Deus e as tribulações — guerra, fome, morte — que caracterizam toda a era.

As sete trombetas (capítulos 8–11) oferecem uma visão mais intensa e “plagueada” do mesmo período, ecoando as pragas do Egito como juízos de Deus que visam chamar o mundo ao arrependimento.

As sete figuras simbólicas (capítulos 12–14) constituem o núcleo teológico do livro, expondo a guerra espiritual por trás dos eventos históricos: o dragão (Satanás) versus a mulher (o povo de Deus) e o menino Cristo, cobrindo o conflito desde o nascimento de Cristo até a colheita final.

As sete taças (capítulos 15–16) representam a efusão final e irrestrita da ira de Deus — uma visão rápida e conclusiva dos juízos que se desdobram nas trombetas e nos selos, levando o tema do juízo ao seu clímax.

O julgamento da Babilônia (capítulos 17–19) foca na derrota do sistema mundial anti-Deus e de seus aliados, constituindo o ápice do conflito sintetizado em todos os ciclos anteriores.

Por fim, o juízo final e a nova criação (capítulos 20–22) representam a consumação definitiva. O milênio (capítulo 20) não é visto como um reino literal futuro de mil anos, mas como um quadro simbólico da presente era da Igreja, em que Satanás está “amarrado” — isto é, restrito de enganar as nações — e as almas dos mártires reinam com Cristo, culminando na derrota final de Satanás e na criação dos novos céus e da nova terra.

A teoria encontra suporte em várias evidências. A estrutura literária do livro, repleta de interlúdios e pausas (como o selamento dos 144 mil no capítulo 7), sugere uma narrativa não linear. Os finais paralelos de cada ciclo principal — o sétimo selo, a sétima trombeta e a sétima taça, todos encerrando com sinais de juízo final e a proclamação do reino de Deus — apontam para o mesmo ponto culminante.

Além disso, há precedentes no Antigo Testamento: livros proféticos como Isaías e Ezequiel frequentemente repetem e expandem temas, em vez de seguir uma cronologia estrita. A natureza eminentemente simbólica do Apocalipse reforça essa interpretação, tratando-o como um drama teológico e pastoral sobre a luta entre o bem e o mal e sobre a vitória de Cristo.

Tradições teológicas

Esta interpretação está associada ao historicismo (vendo Apocalipse como um panorama da história da igreja), ao idealismo (vendo-o como um retrato atemporal do conflito espiritual) e, especialmente, ao amilenismo e ao pós-milenismo na escatologia após o século XIX.

Os fundamentos da leitura da recapitulação remontam aos autores patrísticos, como Justino Mártir (c. 100–165 d.C.) e, Irineu (c. 130–202 d.C.), que, em sua obra Contra as Heresias, contrapôs a uma leitura estritamente linear e viu as visões como a repetição e expansão do tema da vitória de Cristo. Durante a Reforma, o historicismo, frequentemente empregando a recapitulação, foi adotado por figuras como Martinho Lutero, que via os ciclos como descrições paralelas das lutas históricas da igreja. Exegetas posteriores como Joseph Mede (1586–1638) e até mesmo Sir Isaac Newton (1642–1727), mediante abordagens historicistas, propuseram uma estrutura sincrônica para os ciclos.

Atualmente, essa leitura tem aceitação entre círculos milenistas e reformados, como William Hendriksen, cujo livro Mais do que Vencedores é uma apresentação clássica da visão. Outros autores nessa leitura são Anthony A. Hoekema, Kim Riddlebarger, Dennis E. Johnson e G.K. Beale, cuja obra monumental defende uma “progressão recapitulatória”, vendo os ciclos como repetições que se intensificam em direção à consumação.

Avaliação exegética

Do ponto de vista literário e das ciências bíblicas, há uma apreciação com ressalvas dessa estratégia hermenêutica. A recapitulação é valorizada por seu distanciamento de uma leitura estritamente linear e futurista — considerada anacrônica, uma vez que o Apocalipse é um produto do século I, voltado para a crise da perseguição romana.

Exegetas concordam que a estrutura cíclica ressoa com o gênero apocalíptico judaico, que fazia uso frequente da repetição e da recapitulação como recursos literários conhecidos. Essa abordagem é considerada mais sensível ao gênero e oferece soluções coerentes para os enigmas cronológicos do texto — como a presença do templo no capítulo 11, após sua destruição implícita no capítulo 6, ou o reinado dos santos no capítulo 20 antes do juízo final —, explicando tais fenômenos como visões paralelas e não eventos sequenciais.

No entanto, os biblistas levantam algumas reservas. A principal é que o esquema específico de sete ciclos tende a ser uma construção teológica externa, imposta ao texto por intérpretes, em vez de uma intenção original e demonstrável do autor. Além disso, ao enfatizar a generalidade da era da Igreja, a recapitulação pode negligenciar a particularidade histórica urgente da mensagem do Apocalipse ao seu público do primeiro século — uma crítica política codificada à Roma imperial e ao seu culto.

Há também a consideração, levantada pela crítica das fontes, de que as aparentes repetições e ciclos podem ser um artefato do processo de composição — resultado da junção de múltiplas tradições apocalípticas anteriores pelo autor ou redator —, e não necessariamente um plano literário intencional.

Um exame literário, contudo, tende a interpretar essa estrutura como produto de uma técnica narrativa deliberada e sofisticada. Críticos literários não veem mera repetição, mas uma amplificação progressiva ou narrativa em espiral, na qual cada ciclo — dos selos, que afetam um quarto da terra, às trombetas, que atingem um terço, e às taças, que são totais — retorna ao tema do juízo e da salvação com escopo e intensidade crescentes, conferindo ao livro um senso de clímax e movimento.

Esse modelo explica também a função das passagens de interlúdio (como o selamento dos 144 mil ou as duas testemunhas), que deixam de ser interrupções desconexas e passam a constituir pausas teológicas essenciais. Elas oferecem ao leitor a interpretação espiritual dos juízos e reafirmam a proteção divina em meio ao caos.

As reservas literárias, por outro lado, tendem a ser menores. Argumenta-se que o esquema exato de sete ciclos pode ser excessivamente rígido, e alguns estudiosos preferem modelos mais complexos, como a estrutura quiástica ou outros padrões de encadeamento. O foco do crítico literário recai menos sobre a precisão da fórmula teológica e mais sobre a função retórica da repetição — instigar no leitor uma sensação de urgência, assegurar a confiança no controle divino e provocar uma resposta de perseverança fiel.

A despeito de a teoria da recapitulação não ser intrinsecamente avessa ao contexto do século I, versões excessivamente rígidas ou centradas apenas na teologia atemporal da luta entre a Igreja e o mundo tendem a diluir ou ignorar o impacto imediato e específico que as visões do Apocalipse tinham para as sete comunidades da Ásia Menor, sob a opressão do Império Romano e do culto ao imperador.

O risco da generalização excessiva reside em transformar figuras vívidas — como a besta que sobe do mar — em meros símbolos de todo poder político anticristão ao longo da história, perdendo a sátira política imediata: uma caricatura direta do imperador romano (possivelmente Domiciano ou o Nero redivivus) e do sistema imperial.

Assim, ao interpretar “Babilônia, a grande” apenas como uma figura do mal espiritual, anula-se a força do ataque ousado e subversivo do autor contra a cidade de Roma, sua riqueza e sua perseguição aos cristãos, descontextualizando a função primária do gênero apocalíptico como literatura de resistência nascida em meio à crise.

Contudo, a crítica histórica moderna não rejeita necessariamente a recapitulação, mas a refina, reconhecendo os ciclos como uma técnica literária intencional utilizada pelo autor para abordar uma crise histórica específica. Nessa perspectiva, a estrutura cíclica parte de princípios gerais de julgamento (os selos) e progride em intensidade — ecoando as pragas do Egito (as trombetas) — até concentrar-se inegavelmente no opressor imediato, Roma, nas taças e nas visões da besta e da Babilônia. Dessa forma, cumpre uma função pastoral de consolar os perseguidos, desmistificar o poder imperial e assegurar-lhes que a perseguição fazia parte do plano soberano de Deus.

***

A leitura da recapitulação de Apocalipse vai além das leituras lineares, pois considera o gênero e a estrutura interna do livro.

BIBLIOGRAFIA

Beale, G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. New International Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company. 1999. 

Hendriksen, William. More Than Conquerors: An Interpretation of the Book of Revelation. Grand Rapids, MI: Baker Book House. 1940. 

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Poythress, Vern S. The Returning King: A Guide to the Book of Revelation. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing. 2000. 

Riddlebarger, Kim. A Case for Amillennialism: Understanding the End Times. Grand Rapids, MI: Baker Books. 2003. 

Leitura preterista

A leitura preterista (do latim praeter, “passado”) interpreta as profecias do Livro do Apocalipse como eventos que se cumpriram primária ou completamente no século I, culminando na destruição de Jerusalém e do Templo em 70 d.C. Para o preterista, o Apocalipse não é uma previsão para o futuro distante, mas uma mensagem codificada de encorajamento e juízo dirigida ao seu público original, assegurando a soberania de Deus sobre seus opressores imediatos — o Império Romano e o judaísmo apóstata.

Princípios fundamentais

O preterismo é fundamentado na premissa de que o contexto histórico imediato é decisivo para a interpretação. Insiste que o livro foi escrito para as sete igrejas reais da Ásia Menor, a fim de tratar de suas lutas específicas sob a pressão do poder imperial romano.

Sua hermenêutica é ancorada nas declarações de tempo do próprio livro (Apocalipse 1:1; 1:3; 22:10), que afirmam que os eventos estavam “prestes a acontecer” e que “o tempo está próximo” para os primeiros leitores.

Símbolos e contexto do século I

Nessa visão, o simbolismo vívido do livro é uma linguagem codificada que se refere a entidades e acontecimentos históricos do século I.

A Besta (666): É identificada como o imperador romano Nero César, cujo nome soma 666 pela numerologia hebraica (gematria). Ele foi um notório perseguidor de cristãos. A “ferida mortal que foi curada” (Apocalipse 13:3) é vista como referência à lenda de Nero redivivus, a crença de que o imperador retornaria ao poder.

Babilônia, a Grande: É interpretada como a cidade de Roma, a “grande cidade” assentada sobre “sete colinas”, conhecida por governar o mundo e estar “embriagada com o sangue dos santos”. A Grande Prostituta (Apocalipse 17) simboliza o sistema imperial romano — sedutor, idólatra e perseguidor — e sua religião estatal.

A Grande Tribulação: O intenso sofrimento descrito nos selos, trombetas e taças é interpretado como o período da guerra judaico-romana (66–70 d.C.), que culminou no cerco e na destruição de Jerusalém pelos exércitos romanos. Esse seria o “grande dia da ira” (Apocalipse 6:17), lançado sobre a nação judaica que rejeitou o Messias.

Os mil anos (Apocalipse 20): O preterismo parcial — a forma mais comum — entende o reinado de mil anos como o presente período da Igreja. O aprisionamento de Satanás, que o impede de enganar as nações e obstruir a propagação do Evangelho, teria começado com a vitória de Cristo, enquanto os mártires “reinam com Cristo” espiritualmente no céu.

O novo céu e a nova terra (Apocalipse 21–22): Representam o estabelecimento da nova ordem da aliança. Com a destruição definitiva do sistema da antiga aliança — a velha “terra” e o “céu” que passaram —, o povo de Deus habita na realidade da nova criação, identificada com a Igreja, a Nova Jerusalém.

Variações e avaliação

Existem duas variações principais: o preterismo parcial, majoritário, que sustenta que a maior parte das profecias se cumpriu no século I, mas ainda aguarda o retorno físico de Cristo e a ressurreição final dos mortos; e o preterismo pleno (ou consistente), uma visão minoritária e frequentemente considerada não ortodoxa pelas principais tradições cristãs, que afirma que toda a profecia bíblica, incluindo a segunda vinda e a ressurreição, foi espiritualmente cumprida em 70 d.C.

A força do preterismo reside em sua coerência histórica, por levar a sério as declarações de tempo do livro e por fornecer referenciais concretos do século I para o simbolismo (Babilônia = Roma; 666 = Nero), evitando a especulação sobre figuras contemporâneas.

Suas fraquezas, contudo, incluem a crítica de que, se o cumprimento é primariamente passado, o livro perde parte de seu poder preditivo e de sua urgência para as gerações posteriores. Além disso, o preterismo parcial enfrenta o desafio teológico de explicar como o “fim” pôde ocorrer em 70 d.C., mas um “fim” final ainda está por vir.

BIBLIOGRAFIA

DeMar, Gary.  Last Days Madness: Obsession of the Modern Church. 4th ed. Atlanta, GA: American Vision. 1997.

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Mathison, Keith A.  Postmillennialism: An Eschatology of Hope. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing. 1999.

Riddlebarger, Kim. A Case for Amillennialism: Understanding the End Times. Grand Rapids, MI: Baker Books. 2003. 

Russell, J. Stuart. The Parousia: A Critical Inquiry into the New Testament Doctrine of Our Lord’s Second Coming. London: T. Fisher Unwin 1887.. Reprint, Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1999.

Lecionário Comum Revisado

O Lecionário Comum Revisado (LCR) é um esquema de leituras bíblicas planejado para guiar as igrejas em um ciclo de culto de três anos.

 Fruto de renovação litúrgica e cooperação ecumênica no século XX, o LCR começou com a reforma litúrgica da Igreja Católica Romana. Em 1969, o Concílio Vaticano II introduziu um novo lecionário, o Ordo Lectionum Missae (Ordem das Leituras da Missa), que estabeleceu um ciclo trienal para as leituras do Evangelho, cobrindo Mateus, Marcos e Lucas em anos separados (A, B e C, respectivamente). A inovação católica rapidamente chamou a atenção de outras igrejas. Em 1978, a Consulta sobre Textos Comuns (Consultation on Common Texts – CCT), um grupo ecumênico de liturgistas, buscou adaptar a estrutura do lecionário católico para uso mais amplo. O objetivo era criar um lecionário que mantivesse a riqueza do modelo de três anos, mas que fosse mais adequado às tradições e aos contextos protestantes. O resultado dessa colaboração foi a publicação, em 1983, do Lecionário Comum. A “revisão” de 1992 deu origem ao nome que usamos hoje, Lecionário Comum Revisado.

A adoção do RCL foi ampla e significativa. Denominações como a Igreja Metodista Unida, a Igreja Evangélica Luterana na América e a Igreja Presbiteriana (EUA), entre muitas outras, o adotaram, muitas vezes substituindo seus próprios lecionários históricos. Essa decisão foi um marco ecumênico, pois permitiu que milhões de cristãos em diferentes igrejas ouvissem as mesmas Escrituras no mesmo dia, promovendo um senso de unidade e uma conversa teológica compartilhada.

O LCR é organizado em um ciclo trienal, designado pelos anos A, B e C, seguindo o ano litúrgico cristão. Cada ano tem um foco principal em um dos Evangelhos Sinópticos:

  • Ano A: Foco no Evangelho de Mateus
  • Ano B: Foco no Evangelho de Marcos
  • Ano C: Foco no Evangelho de Lucas

O Evangelho de João é lido em momentos específicos ao longo dos três anos, especialmente durante as estações de Quaresma e Páscoa, independentemente do ano em que se esteja.

Leituras Semanais

Para cada domingo e para os principais dias de festas, o lecionário geralmente oferece quatro leituras:

  1. Leitura do Antigo Testamento: Selecionada para estabelecer uma conexão temática ou narrativa com o Evangelho daquele dia.
  2. Leitura do Salmo Responsorial: Um Salmo que responde ou se aprofunda na temática da leitura do Antigo Testamento.
  3. Leitura do Novo Testamento (Epístola): Geralmente uma passagem contínua das cartas dos Apóstolos, lida de forma semi-contínua ao longo das semanas.
  4. Leitura do Evangelho: A leitura principal do dia, alinhada com o Evangelho do ano (Mateus, Marcos ou Lucas).

O Ciclo do Ano Litúrgico

O LCR segue as principais estações do ano litúrgico, o que ajuda a estruturar o culto e a narrativa cristã ao longo do tempo:

  • Tempo Comum ou ordinário: O período mais longo do ano, dividido em duas partes: uma que vai do final do Natal até a Quaresma, e outra que vai de Pentecostes até o Advento. As leituras aqui são semi-contínuas, permitindo que a congregação ouça grandes trechos da Bíblia.
  • Períodos Festivos:
    • Advento: Focado na preparação para a vinda de Cristo.
    • Natal: Celebração do nascimento de Jesus.
    • Quaresma: Período de preparação para a Páscoa, com foco em temas de arrependimento e redenção.
    • Páscoa: Celebração da ressurreição, com leituras que exploram a vitória de Cristo sobre a morte.
    • Pentecostes: Celebração da descida do Espírito Santo.

O LCR oferece leituras alternativas para o Antigo Testamento durante o Tempo Comum. A sequência mais comum para o Antigo Testamento é escolhida para corresponder tematicamente ao Evangelho. No entanto, há uma segunda sequência que permite uma leitura mais “semi-contínua”, cobrindo passagens do Antigo Testamento sem tanta ênfase na conexão direta com o Evangelho da semana. Essa flexibilidade permite que as congregações escolham o estilo de leitura que melhor se adapta às suas necessidades e tradições.