Ósculo Santo

O Ósculo Santo ou Ósculo da Paz, em grego phílema hagion e phílema agape, é um beijo dado como expressão de amor fraterno e de paz nas igrejas cristãs. Tal prática deriva de várias epístolas do Novo Testamento nas quais os fiéis são instados a se saudarem com um beijo de amor, ou beijo sagrado. Aparece em contexto de saudação epistolar em 1 Pedro 5:14, Romanos 16:16, 1 Coríntios 16:20, 2 Coríntios 13:12; 1 Tessalonicenses 5:26.

A saudação com um beijo é comum em várias sociedades e parece ter sido comum em épocas bíblicas. No Antigo Testamento, Jacó saudou Raquel com um beijo quando a conheceu (Gen 29:11). O ósculo também marcava reunião e reconciliação (Gen 45:15; Êxodos 4:27), bem como despedidas (Rute 1:9, 14) e prestar honra (1 Samuel 10:5). No Novo Testamento, Jesus cobra Simão por uma recepção apropriada, devendo tê-lo saudado com um ósculo (Lucas 7:45; cf. com o ósculo de Judas, Lc 22.48). O Pai do Filho Pródigo recebe-o com um beijo (Lucas 15:20). Os anciãos de Éfeso despediram-se de Paulo beijando-o (Atos 20:37).

Na obra rabínica Gênesis Rabá 70.12 diz “todo beijo é indecente exceto nessas três situações: beijar alguém em cargo superior, beijar quando se reúne, beijar quando se parte”.

Contemporaneamente, faz parte da liturgia e cotidiano de diversos grupos cristãos, sobretudo primitivistas.

Em meados do século II, Justino Mártir registra seu uso no culto (1 Ap 1:65), denotando que a saudação com o ósculo transcendia as barreiras étnicas e sociais entre os primitivos cristãos. Marcava também a solidariedade, especialmente em situação extrema como o martírio (Atos de Perpétua 6:4).

Entre cristãos orientais — coptas, siríacos, assírios, etíopes, eslavos, Mar Thoma — a prática de saudar-se com o ósculo continua virtualmente sem interrupção.

Durante a Idade Média, o ósculo caiu em desuso nos ritos ocidentais, exceto em missas altamente solenes e em algumas ordens monásticas e fraternidades. Nesse espírito de irmandade, o ósculo vem sendo praticado desde a Reforma por anabatistas. O renovado interesse pelo primitivismo entre grupos cristãos a partir do século XVIII, fez o ósculo renascer entre os pietistas, morávios, glassitas, Dunkers, irmãos, Neutäufer e outros.

No avivamento do século XIX, essa prática foi enfatizada por grupos radicais de Santidade, como a Igreja de Deus (Anderson). Do movimento de Santidade, tal prática foi adotada pelos pioneiros pentecostais até por volta de 1920, muitas das vezes em um desafio aberto às leis e normas sociais racistas da época.

“Não cremos na Doutrina Carnal do beijo masculino e feminino e chamando-o de ósculo santo. Isso fere a causa de Cristo e fez com que se falasse mal de nossa boa [Obra]. Cremos nos Santos Irmãos cumprimentando os Irmãos, e as Santas Irmãs cumprimentando as Santas Irmãs com um ósculo”.

Seymour, William. Doctrines and Disciplines of the Azusa Mission, 1915.

Seymour deve ter adotado o ósculo quando frequentou uma congregação da Igreja de Deus (Anderson) em Indianápolis, onde as diferenças raciais eram rejeitadas e o ósculo santo praticado, denotando uma adesão ao cristianismo bíblico primitivista.

Quando a pregadora Alma White esteve na Missão de Azusa ficou chocada quando viu brancos e negros saudando-se com ósculo. Glenn A. Cook, então ministro de uma congregação da Aliança Cristã e Missionária em Indianápolis, recebeu Seymour com um ósculo. A congregação racialmente integrada de Garfield Haywood causava espanto pelo ósculo trocado sem considerar as barreiras raciais. O ósculo serviu para reconhecer a irmandade global dos batizados no Espírito Santo, tal como o missionário pentecostal na África do Sul John G. Lake defendeu o pregador negro Elias Letwaba de racistas brancos, saudando-o com ósculo santo diante de toda a congregação. Gesto similar nos Estados Unidos ocorria quando o secretário e ancião da Igreja de Deus em Cristo, o teuto-americano William Holt saudava o pregador negro Charles H. Mason.

Entre pentecostais a prática diminuiu a partir da década de 1920 em diante, sendo praticada por denominações pentecostais italianas, Igrejas de Deus com os Sinais Seguindo, pentecostais eslavos, dentre outras.

BIBLIOGRAFIA

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Simon Chan

Simon K. H. Chan, teólogo pentecostal, professor de Teologia Sistemática no Trinity Theological College (Cingapura).

Fez seu doutorado com ênfase em teologia histórica pela Universidade de Cambridge, sob a direção de Eamon Duffy (1986). É um ministro ordenado nas Assembléias de Deus de Cingapura e editor do Trinity Theological Journal.

Chan critica divisão da teologia sistemática em disiciplinas isoladas. Para integrá-las, propõe que a Espiritualidade seja uma disciplina em seu próprio mérito.

O foco de Chan no culto como cerne ontológico da Igreja remedia deficiências em eclesiologia que consideram o culto e a liturgia como acidentes sociológicos ou aspectos funcionais. Para Chan, o culto define a Igreja.

TEOLOGIA

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Chan, Simon. Pentecostal Theology and the Christian Spiritual Tradition. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000.

Chan, Simon. Liturgical Theology: The Church as Worshipping Community. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2006.

O melhor para o Senhor: trajes para o culto

A tradição de vestir trajes distintos para o culto é comum a várias religiões, como também muitas religiões não prescreve vestimentas especiais para seus ajuntamentos ou rituais.

Embora não haja injunção no Novo Testamento para vestimentas distintas, tal como os trajes cúlticos do Templo, é provável que a tradição judaica, samaritana e caraíta de vestir um talit (manto) tenha sido logo abandonado quando da separação da igreja gentia do povo de Israel em geral.

Vale ressaltar que há indícios que desde suas origens judeus e cristãos da Arábia usavam trajes distintos para o culto. A sinagoga e a igreja de Dura-Europos, quase no limite do deserto da Arábia, registram os cultuantes vestindo trajes formais romanos, como as túnicas. Os trajes brancos constitui legado transmitido tanto para os ortodoxos etíopes atuais, quanto para muçulmanos que os vestem às sexta-feiras.

Na maior parte do mundo, porém, não havia vestimentas especiais para o culto exceto os paramentos para o clero. Entrentanto, no Renascimento europeu surgiram classes com meios para adquirir roupas para ocasiões especiais. Em restos mortais de leigos e clérigos durante a Peste Negra aparecem pessoas sepultadas com suas melhores roupas.

Na A Balada do cabreiro António, trecho de Dom Quixote (capítulo XI), há uma das primeiras menções de roupas reservadas para o domingo. As vestimentas domingueiras popularizam-se entre diversas classes sociais no século XVI.

Durante a Reforma, o uso de trajes litúrgicos foi questão controversa. No geral, anglicanos e luteranos continuaram a usarem vestimentas especiais. Os Reformados adotaram as togas talares (jurídicas) para seus pregadores. Os anabatistas e outros reformadores radicais abandonaram completamente vestimentas distintas, mas reservaram para o domingo seus trajes formais.

Durante a Revolução Industrial e o avanço colonial do século XIX, movimentos populares de avivamento evangélico prezaram por minimizar as diferenças entre os congregados. Assim, firmou-se o hábito de usar uniformes (como no Exército de Salvação e em muitas denominações africanas) ou ternos e vestidos formais nas denominações de Santidade e Pentecostais, bem como entre grupos afroamericanos. Além de fornecer dignidade, tais trajes também expressam ideais de modéstia.

Nos anos 1960 e 1970, movimentos de missões urbanas ou carismáticos, principalmente na Califórnia, popularizaram o uso de roupas cotidianas no culto. Tal tendência esparramou-se pelo mundo nas décadas seguintes.

BIBLIOGRAFIA

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