Gordon D. Kaufman

Gordon D. Kaufman (1925-2011) foi um teólogo, professor e autor menonita, com uma abordagem construtiva e radical da teologia.

Nascido em Newton, Kansas, filho do teólogo e administrador universitário Edmund Kaufman, inicialmente estudou matemática, mas a experiência como objetor de consciência durante a Segunda Guerra Mundial o direcionou para a teologia. Obteve seus diplomas de mestrado e doutorado em teologia na Yale University, onde foi aluno de H. Richard Niebuhr. Sua carreira acadêmica o levou a ensinar em instituições como o Pomona College, a Vanderbilt Divinity School e, por fim, a Harvard Divinity School, onde lecionou até 2009.

A teologia de Kaufman evoluiu em duas fases distintas. Inicialmente, ele publicou Relativism, Knowledge, and Faith (1960), explorando a fé no mundo moderno. No entanto, sua obra mais revolucionária foi God the Problem (1972), onde ele propôs uma reavaliação radical da compreensão tradicional de Deus. Kaufman argumentava que toda teologia é um “trabalho humano”, uma “construção imaginativa humana” baseada em questões e racionalidade humanas. Ele rejeitou a noção de verdades teológicas absolutas, acreditando que isso abriria espaço para uma teologia criativa que servisse à “humanização”, ou seja, ao bem-estar humano.

A culminação de seu pensamento foi a obra In Face of Mystery: A Constructive Theology (1993), na qual ele desenvolveu uma teologia cristã baseada na experiência humana moderna, que recebeu um prêmio de excelência da American Academy of Religion. Nesse livro, ele surpreendeu muitos ao apresentar a figura de Jesus e seu caminho de “amor sofredor” como a melhor imagem de Deus para sustentar a fé cristã. Sua teologia foi profundamente influenciada pela ciência moderna e pela teoria da evolução, levando-o a definir o termo “Deus” como “criatividade fortuita” — uma força que chama à existência seres “bio-históricos”. Ele definiu “Cristo” como a “trajetória de Jesus”, uma sequência de eventos criativos que continuam através da história, unindo o humano e o divino na terra.

Apesar de sua carreira em ambientes acadêmicos distantes de suas origens, Kaufman permaneceu comprometido com sua herança menonita. Ele era ancião ordenado na General Conference Mennonite Church, ajudou a fundar a Mennonite Congregation of Boston e serviu em conselhos de instituições menonitas. Embora sua abordagem teológica, baseada na ciência e na filosofia em vez das Escrituras, o separasse de muitos teólogos menonitas, sua ênfase na não-violência, justiça social e responsabilidade com o meio ambiente foi reconhecida como uma expressão autêntica da sensibilidade menonita. Sua teologia, que integra ética com reflexão teológica, permanece como uma contribuição significativa para o pensamento menonita, mesmo que tenha provocado respostas mistas.

C. Norman Kraus

Charles Norman Kraus (1929-2024), conhecido como C. Norman Kraus, foi um teólogo, professor e autor menonita.

Nascido na região de Tidewater, Virgínia, Kraus se destacou como um prodígio acadêmico desde cedo. Após frequentar o Eastern Mennonite College, estudou no Goshen Biblical Seminary, onde foi contratado como professor de Bíblia e história da igreja aos 27 anos. Permaneceu nessa instituição por toda a sua carreira docente, embora com interrupções para estudos e experiências de ministério.

Sua contribuição acadêmica começou com a dissertação de mestrado na Princeton Theological Seminary, publicada como Dispensationalism in America: Its Rise and Development (1958). Este livro foi pioneiro em sua análise do dispensacionalismo entre os cristãos americanos e influenciou historiadores como Ernest Sandeen. Após obter seu Ph.D. na Duke University, com foco em teologia, Kraus publicou The Community of the Spirit (1974), seguido por The Authentic Witness: Credibility and Authority (1979). Ambas as obras articulavam uma alternativa anabatista às compreensões protestantes e evangélicas tradicionais, enfatizando a unidade entre crença e ação, e o papel da “comunidade messiânica” no discipulado fiel.

Uma fase crucial em sua vida e obra começou em 1980, quando ele se mudou para o Japão por sete anos. Lá, uma pergunta de um amigo japonês sobre o porquê da crucificação de Jesus o impulsionou a desenvolver uma cristologia construtiva. O resultado foi sua obra-prima, Jesus Christ Our Lord: Christology from a Disciple’s Perspective (1987). Este livro, acessível e academicamente rigoroso, propôs uma cristologia narrativa enraizada na história dos Evangelhos, em oposição às formulações filosóficas tradicionais. A publicação causou um intenso debate na comunidade menonita, com críticas de setores que não apreciavam sua tentativa de escrever uma teologia que fizesse sentido fora do contexto evangélico norte-americano. Apesar da hostilidade, a obra estabeleceu Kraus como um dos mais proeminentes teólogos doutrinários menonitas. Seguiu com a obra de teologia sistemática, God Our Savior: Theology in a Christological Mode (1991).

Após sua aposentadoria e uma mudança para Harrisonburg, Virgínia, Kraus continuou a produzir textos teológicos importantes, como An Intrusive Gospel? Christian Mission in a Postmodern World (1998) e Using Scripture in a Global Age (2006). Demonstrou coragem intelectual ao editar To Continue the Dialogue: Biblical Interpretation and Homosexuality (2001), a primeira publicação menonita a incluir vozes que argumentavam por uma postura inclusiva.

Cornelius Heinrich Wedel

Cornelius Heinrich Wedel (1860-1910) foi um pastor, educador e historiador da Igreja Menonita, primeiro presidente do Bethel College.

Nascido em uma comunidade menonita alemã na Rússia, perdeu sua mãe aos seis anos de idade, mudando-se para os Estados Unidos com a família em 1874. Estudou em diversas escolas em Kansas para obter certificação de professor, além de estudos no McKendry College e no Bloomfield Theological Seminary, onde aprofundou seus conhecimentos teológicos e lecionou. Em 1893, assumiu a presidência do Bethel College, cargo que manteve até sua morte, lecionando disciplinas como Bíblia, história da igreja e literatura alemã.

Uma contribuição de Wedel foi seu trabalho como historiador e autor. Realizou viagens de pesquisa pela Europa. Esses esforços resultaram na publicação de obras notáveis, como Randzeichnungen zu den Geschichten des Alten Testaments (1899) e Randzeichnungen zu den Geschichten des Neuen Testaments (1900). Sua obra mais importante, entretanto, foi a enciclopédica de quatro volumes Abriss der Geschichte der Mennoniten (1900-1904), a primeira história abrangente do povo menonita escrita e publicada nos Estados Unidos.

A teologia de Wedel se distinguia por sua abordagem progressista e menos dogmática, contrastando com o fundamentalismo crescente da época, exemplificado por figuras como Daniel Kauffman. Cunhou o termo Gemeindechristentum (cristandade da congregação) para descrever a sua visão de uma igreja de crentes, independente do estado e focada nos ensinamentos de Jesus e dos apóstolos, em oposição à Staatskirchliche (igreja estatal).

Wedel considerava a confissão de fé externa de importância relativa, focando na crença em uma linhagem ininterrupta de crentes desde a igreja primitiva. Embora aceitasse a divindade e humanidade de Jesus, ele via as formulações dos concílios, como o de Calcedônia, como baseadas em conceitos filosóficos de difícil comprovação bíblica, demonstrando uma cautelosa disposição para se envolver com novas perspectivas acadêmicas. Sua vasta produção literária, que inclui mais de 180 artigos, bem como obras teológicas e educacionais, consolidou seu legado como uma figura central na história menonita americana.

Lecionário Comum Revisado

O Lecionário Comum Revisado (LCR) é um esquema de leituras bíblicas planejado para guiar as igrejas em um ciclo de culto de três anos.

 Fruto de renovação litúrgica e cooperação ecumênica no século XX, o LCR começou com a reforma litúrgica da Igreja Católica Romana. Em 1969, o Concílio Vaticano II introduziu um novo lecionário, o Ordo Lectionum Missae (Ordem das Leituras da Missa), que estabeleceu um ciclo trienal para as leituras do Evangelho, cobrindo Mateus, Marcos e Lucas em anos separados (A, B e C, respectivamente). A inovação católica rapidamente chamou a atenção de outras igrejas. Em 1978, a Consulta sobre Textos Comuns (Consultation on Common Texts – CCT), um grupo ecumênico de liturgistas, buscou adaptar a estrutura do lecionário católico para uso mais amplo. O objetivo era criar um lecionário que mantivesse a riqueza do modelo de três anos, mas que fosse mais adequado às tradições e aos contextos protestantes. O resultado dessa colaboração foi a publicação, em 1983, do Lecionário Comum. A “revisão” de 1992 deu origem ao nome que usamos hoje, Lecionário Comum Revisado.

A adoção do RCL foi ampla e significativa. Denominações como a Igreja Metodista Unida, a Igreja Evangélica Luterana na América e a Igreja Presbiteriana (EUA), entre muitas outras, o adotaram, muitas vezes substituindo seus próprios lecionários históricos. Essa decisão foi um marco ecumênico, pois permitiu que milhões de cristãos em diferentes igrejas ouvissem as mesmas Escrituras no mesmo dia, promovendo um senso de unidade e uma conversa teológica compartilhada.

O LCR é organizado em um ciclo trienal, designado pelos anos A, B e C, seguindo o ano litúrgico cristão. Cada ano tem um foco principal em um dos Evangelhos Sinópticos:

  • Ano A: Foco no Evangelho de Mateus
  • Ano B: Foco no Evangelho de Marcos
  • Ano C: Foco no Evangelho de Lucas

O Evangelho de João é lido em momentos específicos ao longo dos três anos, especialmente durante as estações de Quaresma e Páscoa, independentemente do ano em que se esteja.

Leituras Semanais

Para cada domingo e para os principais dias de festas, o lecionário geralmente oferece quatro leituras:

  1. Leitura do Antigo Testamento: Selecionada para estabelecer uma conexão temática ou narrativa com o Evangelho daquele dia.
  2. Leitura do Salmo Responsorial: Um Salmo que responde ou se aprofunda na temática da leitura do Antigo Testamento.
  3. Leitura do Novo Testamento (Epístola): Geralmente uma passagem contínua das cartas dos Apóstolos, lida de forma semi-contínua ao longo das semanas.
  4. Leitura do Evangelho: A leitura principal do dia, alinhada com o Evangelho do ano (Mateus, Marcos ou Lucas).

O Ciclo do Ano Litúrgico

O LCR segue as principais estações do ano litúrgico, o que ajuda a estruturar o culto e a narrativa cristã ao longo do tempo:

  • Tempo Comum ou ordinário: O período mais longo do ano, dividido em duas partes: uma que vai do final do Natal até a Quaresma, e outra que vai de Pentecostes até o Advento. As leituras aqui são semi-contínuas, permitindo que a congregação ouça grandes trechos da Bíblia.
  • Períodos Festivos:
    • Advento: Focado na preparação para a vinda de Cristo.
    • Natal: Celebração do nascimento de Jesus.
    • Quaresma: Período de preparação para a Páscoa, com foco em temas de arrependimento e redenção.
    • Páscoa: Celebração da ressurreição, com leituras que exploram a vitória de Cristo sobre a morte.
    • Pentecostes: Celebração da descida do Espírito Santo.

O LCR oferece leituras alternativas para o Antigo Testamento durante o Tempo Comum. A sequência mais comum para o Antigo Testamento é escolhida para corresponder tematicamente ao Evangelho. No entanto, há uma segunda sequência que permite uma leitura mais “semi-contínua”, cobrindo passagens do Antigo Testamento sem tanta ênfase na conexão direta com o Evangelho da semana. Essa flexibilidade permite que as congregações escolham o estilo de leitura que melhor se adapta às suas necessidades e tradições.

666 e o Rei Salomão

A associação do número 666 com o Rei Salomão deriva de 1 Reis 10:14 (e uma passagem paralela em 2 Crônicas 9:13):

Ora, o peso do ouro que se trazia a Salomão cada ano era de seiscentos e sessenta e seis talentos de ouro. 

Essa menção específica de 666 talentos de ouro recebidos por Salomão anualmente gerou diversas interpretações, especialmente em relação ao “número da besta” em Apocalipse 13:18.

As principais associações e interpretações incluem:

  • Riqueza e Apostasia: o número 666 e Salomão seria um símbolo de sua crescente riqueza e subsequente afastamento de Deus. Após essa menção dos 666 talentos de ouro, as narrativas bíblicas descrevem Salomão violando as leis de Deus ao acumular muitos cavalos, carros, esposas estrangeiras e ouro (1 Reis 10:26; Deuteronômio 17:16-17). Essa desobediência e idolatria levaram à divisão do reino de Israel após sua morte. Nesse sentido, o número 666 poderia representar uma riqueza terrena excessiva que leva à apostasia e ao pecado.
  • Paralelo com a Besta: A apostasia de Salomão e as características da Besta em Apocalipse compartilhariam um paralelo. Assim como Salomão se desviou de Deus por causa de sua riqueza e alianças com nações estrangeiras, a Besta seria um poder terreno que se opõe a Deus e exige adoração. O número 666, nesse contexto, poderia simbolizar o auge do poder humano e da rebelião contra o divino.
  • Número da imperfeição humana: Outra interpretação mais geral do número 6 na numerologia bíblica seria a de imperfeição, pois é um número abaixo do 7, que frequentemente simboliza a perfeição divina. A repetição do 6 (666) poderia, então, intensificar essa ideia de falha e imperfeição inerente ao poder humano quando separado de Deus. A associação com Salomão reforçaria essa ideia, já que mesmo um rei sábio e abençoado por Deus sucumbiu à tentação da riqueza e do poder.
  • Coincidência histórica: A menção dos 666 talentos de ouro seria simplesmente um registro histórico da receita anual de Salomão e não possui necessariamente um significado simbólico profundo ou uma conexão direta com o número da Besta no Apocalipse. A semelhança numérica seria apenas uma coincidência.
  • Tipologia: Dentro de uma leitura tipológica da Bíblia, Salomão pode ser visto como um tipo ou prefiguração de figuras futuras, tanto positivas (Cristo) quanto negativas (o Anticristo). Nesse sentido, sua queda e a menção do número 666 associado à sua riqueza poderiam servir como um aviso sobre os perigos do poder e da apostasia para líderes futuros.