A graça é um favor imerecido, sem expectativas de retribuição. Na Bíblia, esse conceito se manifesta de diversas formas, destacando a bondade, a misericórdia e o favor divino para com a humanidade.
Graça na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento)
Embora o termo “graça” nem sempre seja usado explicitamente, seu conceito permeia todo o Antigo Testamento através de termos e ideias que revelam o favor imerecido de Deus.
- ḥēn (חֵן): Frequentemente traduzido como favor ou graça, ḥēn significa a bondade imerecida de Deus para com indivíduos ou a comunidade. Um exemplo notável é Gênesis 6:8, onde Noé encontra “ḥēn” aos olhos do Senhor, indicando que Deus lhe concedeu favor e o escolheu para a salvação em meio a um mundo corrupto.
- ḥesed (חֶסֶד): Este termo carrega o significado de amor constante, misericórdia e fidelidade. ḥesed implica tanto uma obrigação contratual quanto uma disposição favorável, descrevendo o amor e a lealdade da aliança de Deus para com o povo de Israel, mesmo diante de suas falhas e infidelidade. É frequentemente usado em contextos onde Deus demonstra misericórdia, perdoa pecados e mostra compaixão. ḥesed também pode ser traduzido como bondade ou graça, referindo-se a atos de bondade incondicional, compaixão e benevolência concedidos livremente, sem expectativa de reciprocidade.
A graça de Deus é um aspecto integral da natureza divina, entendida como Seu amor e compaixão ilimitados estendidos à humanidade, apesar das deficiências e falhas humanas. A Bíblia Hebraica enfatiza o ḥesed de Deus como um atributo central, ressaltando Seu amor inabalável, fidelidade e misericórdia para com Israel.
O conceito de ḥesed está intimamente associado ao relacionamento de aliança entre Deus e o povo judeu. A graça de Deus é vista como uma resposta à aliança estabelecida com Abraão e continuada nas gerações subsequentes. Essa aliança serve como base para o compromisso duradouro de Deus com o povo judeu, mesmo em tempos de desobediência ou adversidade.
Em Êxodo 34:6-7, por exemplo, Deus revela Seu caráter a Moisés (os chamados atibutos bíblicos de Deus), proclamando: “O SENHOR, o SENHOR, Deus misericordioso e clemente (‘ḥanun’ em hebraico), lento para a cólera e grande em benignidade (‘ḥesed’) e fidelidade.” Essa passagem resume a natureza multifacetada da graça de Deus, combinando misericórdia, benignidade e fidelidade.
Ao longo da Bíblia Hebraica, histórias e eventos retratam exemplos da graça de Deus em ação. A narrativa do Êxodo, por exemplo, demonstra a graça de Deus ao libertar os israelitas da escravidão no Egito, apesar de sua indignidade. Os profetas também falam da graça futura de Deus, prevendo um tempo de restauração, perdão e reconciliação para o povo.
Graça no Novo Testamento
No Novo Testamento, o conceito de graça é central para a teologia cristã e é proeminentemente destacado como um aspecto chave do caráter de Deus e do plano redentor. A palavra grega para graça é charis (χαρις), que carrega um significado rico que abrange o favor imerecido, a bondade e a generosidade de Deus para com a humanidade.
No Novo Testamento, a graça é retratada como a iniciativa de Deus para alcançar a humanidade, oferecendo salvação e perdão por meio de Jesus Cristo. É pela graça divina que os humanos se reconciliam com Deus e recebem a oportunidade de experimentar a vida eterna. Paulo, em particular, expõe extensivamente o conceito de graça em seus escritos.
Paulo enfatiza que a salvação e a justificação são recebidas pela fé em Jesus Cristo e não por obras ou méritos humanos. Em Efésios 2:8-9, ele escreve: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” Essa passagem sublinha que a salvação é inteiramente resultado da graça de Deus, dada gratuitamente e não merecida pelos esforços humanos.
Além disso, Paulo contrasta a graça com relações obrigacionais, epitomizadas pela Lei ou identidade étnica. Enfatiza que a salvação não é alcançada pela estrita adesão à lei ou pertencimento a um povo (como no caso de Israel), mas pela graça de Deus. Ele argumenta que a lei revela a pecaminosidade humana e a incapacidade de atender às suas exigências, enquanto a graça oferece perdão, redenção e uma nova vida em Cristo. Romanos 6:14 resume: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, visto que não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.”
O Novo Testamento também retrata a graça como transformadora, não apenas fornecendo salvação, mas também capacitando os crentes a viver uma vida agradável a Deus. Paulo encoraja os crentes a crescer na graça de Deus e estender a graça aos outros. Em 2 Coríntios 12:9, ele escreve: “Mas ele me disse: ‘Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.'” Este versículo enfatiza que a graça de Deus não é meramente um evento único, mas uma fonte contínua de força e capacitação.
O conceito de graça está intimamente ligado à pessoa e à obra de Jesus Cristo. Por meio de Sua encarnação (na qual Deus se dispõe a compartilhar a natureza humana), ensinamentos, serviços, morte e ressurreição, Jesus exemplifica o ato supremo da graça de Deus e fornece os meios para a redenção da humanidade.
A resposta à graça
Além da graça de Deus, a Bíblia associa a resposta a essa graça com fidelidade, obediência e retidão. Embora a graça de Deus seja concedida gratuitamente, os indivíduos são chamados a viver de acordo com os mandamentos de Deus e andar em Seus caminhos como resposta a Seus atos graciosos.
Uma sinopse de toda a Bíblia com esse conceito seria que Deus interveio em Sua criação com graça e espera que os agraciados tratem-se graciosamente.