Aguilhão

O termo aguilhão refere-se a um implemento agrícola com uma ponta de ferro, utilizado tradicionalmente para guiar ou esporear gado, especialmente bois, que puxam arados ou carroças. Na Bíblia, o aguilhão vai além de sua função prática, simbolizando resistência e persuasão.

O termo hebraico מַלְמָד (malmad) é usado em Juízes 3:31 para se referir a uma vara de aguilhão usada por um boiadeiro e insturmento que Sangar usou como arma, traduzida como “aguilhada” na ARC.

Em Eclesiastes 12:11, o termo דָּרְבָּן (darban) refere-se aos aguilhões usados como uma metáfora para descrever as palavras dos sábios, que são comparadas a pregos firmemente cravados. Essa imagem sugere que as instruções e ensinamentos sábios têm um impacto duradouro e incisivo na vida das pessoas.

O termo σκόλοψ (skolops) é usado em 2 Coríntios 12:7 para se referir ao “aguilhão ou espinho na carne” de Paulo, uma metáfora para uma dificuldade ou provação que ele enfrentava.

Em Atos 26:14, durante seu relato sobre a conversão de Saulo de Tarso, Paulo menciona que Jesus lhe disse: “Saulo, Saulo, por que me persegues? É difícil para você chutar contra os aguilhões.” Nesta passagem, o termo κέντρον (kentron) traduzido aguilhão é a metáfora para resistência de Saulo à verdade e ao chamado divino. E a fraseologia remete à peça As Bacantes, de Eurípedes. Essa passagem sugere que Saulo estava lutando contra a vontade de Deus, resistindo aos estímulos divinos que o chamavam à conversão. A imagem do aguilhão ilustra a inutilidade da resistência à ação de Deus na vida humana.

Já em 1 Coríntios 15:55-56, o apóstolo Paulo pergunta retoricametne onde estaria o aguilhão (kentron) da morte quando da consumação da vitória de Cristo.

Em Apocalipse 9:10, a praga de um ser descrito como gafanhoto possui uma cauda com aguilhões (kentron).

Patronato

A relação patrono-cliente era uma instituição social fundamental na Roma antiga que se desenvolveu no início da República Romana e persistiu durante o período imperial. Tratava-se de uma relação de mútua dependência e obrigação entre indivíduos de situação social e econômica desigual, sendo o patrono (patronus) uma pessoa de maior status e o cliente (clientes) de menor status.

Nessa relação, o patrono prestava a seus clientes diversas formas de assistência, como representação jurídica, apoio financeiro e proteção. Em troca, esperava-se que os clientes fornecessem a seus patronos apoio político, serviço militar e lealdade. Essa relação era muitas vezes recíproca, pois esperava-se que os clientes permanecessem fiéis e prestassem serviços aos seus clientes mesmo após a morte do cliente.

A relação patrono-cliente estava profundamente enraizada na sociedade romana e tinha implicações políticas e econômicas significativas. Os patronos dependiam de seus clientes para obter apoio nas eleições e em outros empreendimentos políticos, enquanto os clientes dependiam de seus patronos para ter acesso ao poder e aos recursos. Essa relação também era a base da hierarquia social romana, pois esperava-se que os clientes mostrassem deferência e lealdade a seus patronos em gratidão por sua proteção e apoio.

Cornélio, um centurião romano que se torna patrono do apóstolo Pedro e seus seguidores em Atos 10. Cornélio fornece-lhes comida e abrigo e eventualmente se converte ao cristianismo.

Em Atos 16, Lídia, uma rica empresária que se torna patrona do Apóstolo Paulo e seus companheiros. Lídia abre sua casa para eles, fornecendo-lhes comida e alojamento e, por fim, torna-se cristã.

Em Romanos 16, Paulo se refere a Febe como patrona de muitas pessoas, inclusive de si mesmo. Febe é descrita como uma diaconisa da igreja e acredita-se que tenha sido uma mulher rica que forneceu apoio financeiro à comunidade cristã primitiva.

Em Lucas 10, lemos sobre Maria e Marta, irmãs que se tornaram patronas de Jesus e de seus discípulos. Elas convidam Jesus para sua casa e lhe fornecem comida e hospitalidade, demonstrando sua devoção a ele.

Em Lucas 8, Joana e Susana, duas mulheres são descritas como patronas de Jesus e seus discípulos. Dizem que eles forneceram apoio financeiro ao grupo, permitindo que continuassem seu ministério.

Na correspondência corintiana Paulo defende sua autonomia e que não dependeu do patrocínio dos coríntios (cf. 2 Coríntios 12:14–18)

Vale a pena notar que, embora a relação patrono-cliente fosse muitas vezes hierárquica e baseada em status social e econômico, alguns desses exemplos de patrocínio no Novo Testamento envolvem mulheres que eram capazes de fornecer apoio e hospitalidade, apesar de sua posição subordinada na sociedade.

BIBLIOGRAFIA

Jennings, Mark A. “Patronage and Rebuke in Paul’s Persuasion in 2 Corinthians 8–9.” Journal of Greco-Roman Christianity and Judaism 6 (2009): 107-127.

Rice, Joshua. Paul and Patronage: The Dynamics of Power in 1 Corinthians. Wipf and Stock Publishers, 2013.

Graça

A graça é um favor imerecido, sem expectativas de retribuição. Na Bíblia, esse conceito se manifesta de diversas formas, destacando a bondade, a misericórdia e o favor divino para com a humanidade.

Graça na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento)

Embora o termo “graça” nem sempre seja usado explicitamente, seu conceito permeia todo o Antigo Testamento através de termos e ideias que revelam o favor imerecido de Deus.

  • ḥēn (חֵן): Frequentemente traduzido como favor ou graça, ḥēn significa a bondade imerecida de Deus para com indivíduos ou a comunidade. Um exemplo notável é Gênesis 6:8, onde Noé encontra “ḥēn” aos olhos do Senhor, indicando que Deus lhe concedeu favor e o escolheu para a salvação em meio a um mundo corrupto.
  • ḥesed (חֶסֶד): Este termo carrega o significado de amor constante, misericórdia e fidelidade. ḥesed implica tanto uma obrigação contratual quanto uma disposição favorável, descrevendo o amor e a lealdade da aliança de Deus para com o povo de Israel, mesmo diante de suas falhas e infidelidade. É frequentemente usado em contextos onde Deus demonstra misericórdia, perdoa pecados e mostra compaixão. ḥesed também pode ser traduzido como bondade ou graça, referindo-se a atos de bondade incondicional, compaixão e benevolência concedidos livremente, sem expectativa de reciprocidade.

A graça de Deus é um aspecto integral da natureza divina, entendida como Seu amor e compaixão ilimitados estendidos à humanidade, apesar das deficiências e falhas humanas. A Bíblia Hebraica enfatiza o ḥesed de Deus como um atributo central, ressaltando Seu amor inabalável, fidelidade e misericórdia para com Israel.

O conceito de ḥesed está intimamente associado ao relacionamento de aliança entre Deus e o povo judeu. A graça de Deus é vista como uma resposta à aliança estabelecida com Abraão e continuada nas gerações subsequentes. Essa aliança serve como base para o compromisso duradouro de Deus com o povo judeu, mesmo em tempos de desobediência ou adversidade.

Em Êxodo 34:6-7, por exemplo, Deus revela Seu caráter a Moisés (os chamados atibutos bíblicos de Deus), proclamando: “O SENHOR, o SENHOR, Deus misericordioso e clemente (‘ḥanun’ em hebraico), lento para a cólera e grande em benignidade (‘ḥesed’) e fidelidade.” Essa passagem resume a natureza multifacetada da graça de Deus, combinando misericórdia, benignidade e fidelidade.

Ao longo da Bíblia Hebraica, histórias e eventos retratam exemplos da graça de Deus em ação. A narrativa do Êxodo, por exemplo, demonstra a graça de Deus ao libertar os israelitas da escravidão no Egito, apesar de sua indignidade. Os profetas também falam da graça futura de Deus, prevendo um tempo de restauração, perdão e reconciliação para o povo.

Graça no Novo Testamento

No Novo Testamento, o conceito de graça é central para a teologia cristã e é proeminentemente destacado como um aspecto chave do caráter de Deus e do plano redentor. A palavra grega para graça é charis (χαρις), que carrega um significado rico que abrange o favor imerecido, a bondade e a generosidade de Deus para com a humanidade.

No Novo Testamento, a graça é retratada como a iniciativa de Deus para alcançar a humanidade, oferecendo salvação e perdão por meio de Jesus Cristo. É pela graça divina que os humanos se reconciliam com Deus e recebem a oportunidade de experimentar a vida eterna. Paulo, em particular, expõe extensivamente o conceito de graça em seus escritos.

Paulo enfatiza que a salvação e a justificação são recebidas pela fé em Jesus Cristo e não por obras ou méritos humanos. Em Efésios 2:8-9, ele escreve: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” Essa passagem sublinha que a salvação é inteiramente resultado da graça de Deus, dada gratuitamente e não merecida pelos esforços humanos.

Além disso, Paulo contrasta a graça com relações obrigacionais, epitomizadas pela Lei ou identidade étnica. Enfatiza que a salvação não é alcançada pela estrita adesão à lei ou pertencimento a um povo (como no caso de Israel), mas pela graça de Deus. Ele argumenta que a lei revela a pecaminosidade humana e a incapacidade de atender às suas exigências, enquanto a graça oferece perdão, redenção e uma nova vida em Cristo. Romanos 6:14 resume: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, visto que não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.”

O Novo Testamento também retrata a graça como transformadora, não apenas fornecendo salvação, mas também capacitando os crentes a viver uma vida agradável a Deus. Paulo encoraja os crentes a crescer na graça de Deus e estender a graça aos outros. Em 2 Coríntios 12:9, ele escreve: “Mas ele me disse: ‘Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.'” Este versículo enfatiza que a graça de Deus não é meramente um evento único, mas uma fonte contínua de força e capacitação.

O conceito de graça está intimamente ligado à pessoa e à obra de Jesus Cristo. Por meio de Sua encarnação (na qual Deus se dispõe a compartilhar a natureza humana), ensinamentos, serviços, morte e ressurreição, Jesus exemplifica o ato supremo da graça de Deus e fornece os meios para a redenção da humanidade.

A resposta à graça

Além da graça de Deus, a Bíblia associa a resposta a essa graça com fidelidade, obediência e retidão. Embora a graça de Deus seja concedida gratuitamente, os indivíduos são chamados a viver de acordo com os mandamentos de Deus e andar em Seus caminhos como resposta a Seus atos graciosos.

Uma sinopse de toda a Bíblia com esse conceito seria que Deus interveio em Sua criação com graça e espera que os agraciados tratem-se graciosamente.