Deus e o tempo

O conceito do “tempo de Deus” tem sido objeto de reflexão teológica, com diversos pensadores argumentando que ele difere qualitativamente do tempo humano e das limitações do tempo linear.

Brian Leftow defende a “Eternidade Quase-Temporal” (EQT), postulando que Deus experimenta momentos distintos em Sua vida, não sequencialmente, mas simultaneamente, permitindo-Lhe uma duração análoga à de um ser temporal, sem a passagem do tempo. Alan Padgett e Gary DeWeese propõem que Deus é “relativamente atemporal” ou “onitemporal”, distinguindo entre o tempo físico, medido por regularidades no universo, e o tempo metafísico, experimentado por Deus através da progressão de Sua consciência e ações, fora das leis naturais.

Paul Helm sustenta a atemporalidade divina, argumentando que a eternidade de Deus é um estado de ser fora do tempo, compatível com Sua natureza imutável. Eleonore Stump e Norman Kretzmann desenvolveram o conceito de “duração atemporal”, onde a vida de Deus não está sujeita à sucessão temporal, mas experimenta todos os momentos simultaneamente. William Lane Craig explora a possibilidade de Deus ser atemporal antes da criação e temporal após, permitindo interação com o universo temporal sem comprometer Sua natureza atemporal.

Johannes Schmidt, baseando-se em textos como Gênesis 1.1 e Provérbios 8.22-23, defende uma doutrina bíblica da atemporalidade divina, onde a criação do tempo não implica submissão a ele. Essas perspectivas teológicas enfatizam a distinção fundamental entre a experiência divina e humana do tempo, sugerindo que a alma, ao entrar na esfera divina, transcenderia as restrições do tempo linear.

BIBLIOGRAFIA

Dolezal, James E. “Divine Eternity’.” St Andrews Encyclopaedia of Theology (2024).

Gregory E. Ganssle “God and Time” The Internet Encyclopedia of Philosophy, http://www.iep.utm.edu/god-time/

Criação ex nihilo

Criação ex nihilo significa a doutrina de que Deus trouxe o universo à existência a partir do nada absoluto, desprovido de qualquer matéria ou condição pré-existente. Deus seria a única condição e causa antecedente para a existência de toda a criação.

A noção de Criação ex nihilo, embora implícita em muitas tradições religiosas, ganhou destaque no pensamento judaico-cristão. O relato bíblico em Gênesis, especificamente os versículos iniciais, apresentou um desafio inicial. As ambiguidades na gramática hebraica permitiram interpretações alternativas: uma postulando que Deus formou o “vazio sem forma” do nada, e outra sugerindo que a criação de Deus envolvia ordenar a matéria pré-existente, mas desorganizada.

Alguns dos primeiros pensadores cristãos, influenciados por filósofos como Platão, inclinaram-se para esta última visão, comparando o papel de Deus na transformação da matéria caótica num cosmos estruturado. No entanto, esta perspectiva suscitou preocupações. Implicava que o poder criativo de Deus era limitado pelas qualidades inerentes da matéria pré-existente, minando potencialmente a onipotência de Deus. As ansiedades teológicas aprofundaram-se à medida que esta ideia parecia questionar a capacidade de Deus de cumprir promessas de salvação.

Para abordar estas preocupações, os teólogos cristãos da segunda metade do século II, começando com Teófilo de Antioquia, avançaram a doutrina da Criação ex nihilo. Este conceito afirmava que o ato criativo de Deus era independente de quaisquer materiais pré-existentes. Tudo, exceto Deus, veio à existência somente através da vontade de Deus. Esta afirmação ofereceu a garantia de que as intenções criativas de Deus eram ilimitadas, sustentando as doutrinas cristãs de salvação.

O Novo Testamento sublinha que a Palavra de Deus ou a Sabedoria pela qual Deus criou o mundo encarnou-se em Jesus Cristo.

O advento da ciência moderna no século XVII reinterpretou a doutrina da Criação ex nihilo. O deísmo afirmou que o papel de Deus se limitava a iniciar a criação, com leis naturais governando os eventos subsequentes, minando a necessidade de Deus explicar os fenômenos cotidianos.

A teologia do processo, influenciada por Alfred North Whitehead, reinterpreta o relacionamento de Deus com o mundo. A criação seria um processo contínuo e dinâmico, em vez de um evento único. O mundo está evoluindo continuamente e em uma parceria com Deus. A criatividade de Deus é expressa no desenvolvimento contínuo do universo. Portanto, o mundo não é estático, mas em constante fluxo.

Dominium Terrae

A doutrina do Dominium Terrae, explorada dentro das estruturas teológicas da criação e da humanidade, reflete a complexa interação entre tradição religiosa, investigação científica e preocupações ecológicas. Essa doutrina, que significa “domínio sobre a terra”, tem sido objeto de diversas interpretações que unem a teologia, a filosofia e as ciências naturais.

Bibliografia

Barbour, Ian G. Nature, Human Nature, and God. 2002.

Kärkkäinen, Veli-Matti. Creation and Humanity. 2015.

Chaoskampf

Chaoskampf é um motivo literário e um tema mitológico presente em diversas culturas antigas, descrevendo a batalha entre um herói divino e uma entidade caótica, frequentemente representada por um monstro marinho, serpente ou dragão.

Este motivo permeia mitologias do Antigo Oriente Médio, como o Ciclo de Baal ugarítico (Baal contra Yam, o deus do mar), o Enuma Elish babilônico (Marduk contra Tiamat, a deusa do oceano primordial) e também se manifesta em mitologias grega (Zeus contra Tifão), persa, indiana e egípcia. É frequentemente associado, mas não necessariamente, com a Criação e com o Escaton.

Em 1895 Hermann Gunkel, inspirado por materiais fornecidos pelo assiriologista Heinrich Zimmern, argumentava que Chaoskampf do Apocalipse como um evento que não ocorreria apenas no fim do mundo, mas já havia acontecido no início, antes da Criação.

Na Bíblia, há várias referências explícitas (Isaías 27:1; 51:9-11; Habacuque 3:8; Salmo 74:13-15; Salmo 77:16-19; Salmo 89:6-14; e Jó 26:5-13) e outras menos explícitas (Gênesis 1:1-3).

As águas te viram, ó Deus,

as águas te viram, e tremeram;

os abismos também se abalaram. 

Grossas nuvens se desfizeram em água;

os céus retumbaram;

as tuas flechas correram de uma para outra parte. 

A voz do teu trovão repercutiu-se nos ares;

os relâmpagos alumiaram o mundo;

a terra se abalou e tremeu. 

Pelo mar foi teu caminho,

e tuas veredas, pelas grandes águas;

e as tuas pegadas não se conheceram.

Sl 77:16-19

Deus (YHWH, יהוה) não cria a partir de um combate, mas demonstra Seu poder soberano sobre as forças do caos, frequentemente simbolizadas pelas águas primordiais (tehom, תְּהוֹם – Gênesis 1:2), o mar (yam, יָם), e monstros marinhos como Leviatã (לִוְיָתָן – Jó 41:1; Salmo 74:14; Isaías 27:1) e Raabe (רַהַב – Salmo 89:10; Isaías 51:9). O termo tannin (תַּנִּין), traduzido como “monstro marinho” ou “dragão,” também é empregado (Gênesis 1:21; Ezequiel 29:3).

Essas referências bíblicas, muitas vezes poéticas, demonstram o poder de Deus sobre a criação e a ordem cósmica. Ele divide as águas (Gênesis 1:6-7), estabelece limites para o mar (Jó 38:8-11), e derrota os monstros marinhos, símbolos de desordem e oposição. O Salmo 77:16-19 descreve a teofania divina com imagens de controle sobre as águas: “As águas te viram, ó Deus, as águas te viram, e tremeram; os abismos também se abalaram.” A vitória sobre esses seres não é uma luta para criar, mas uma demonstração contínua da manutenção da ordem estabelecida e da proteção de Israel.

No Novo Testamento, a linguagem do Chaoskampf é empregada de maneira simbólica. A serpente (ophis, ὄφις) do Éden (Gênesis 3) é associada ao dragão (drakōn, δράκων) do Apocalipse (Apocalipse 12:9), que representa Satanás, a fonte do caos e do mal. Jesus Cristo, ao acalmar a tempestade (Marcos 4:35-41), demonstra poder sobre o mar, um domínio que evoca o controle divino sobre o caos primordial. Suas curas, exorcismos e, crucialmente, sua morte e ressurreição são interpretados como vitórias sobre as forças do mal e da morte, ecoando o tema do Chaoskampf. O Apocalipse descreve a derrota final do dragão e o estabelecimento do reino de Deus, consumando a vitória divina sobre o caos (Apocalipse 20). A figura do “Filho do Homem” (Daniel 7), título frequentemente usado por Jesus, é central nessa vitória, recebendo domínio eterno sobre os reinos terrestres, representados por bestas que emergem do mar.

BIBLIOGRAFIA

Batto, Bernard F. . Slaying the Dragon, Mythmaking in the Biblical Tradition. Louisville, Kentucky. Westminster/John Knox Press, 1992.

Day, John. God’s Conflict with the Dragon and the Sea: Echoes of a Canaanite Myth in the Old Testament. No. 35. CUP Archive, 1985.

Forsyth, Neil. The Old Enemy: Satan and the Combat Myth. Princeton: University Press, 1987.

Kloos, Carola. Yahweh’s Combat with the Sea: A Canaanite Tradition in the Religion of Ancient Israel. Brill Archive, 1986.

Scurlock, JoAnn; Beal, Richard H. eds. Creation and Chaos: A Reconsideration of Hermann Gunkel’s Chaoskampf Hypothesis. Penn State Press, 2013.

Wakeman, Mary K. God’s Battle with the Monster: A Study in Biblical Imagery. Brill Archive, 1973.

Watson, Rebecca S. Chaos Uncreated: A Reassessment of the Theme of “chaos” in the Hebrew Bible. Vol. 341. Walter de Gruyter, 2012.

Adão e Eva

O casal primevo de Gênesis. Criados e postos a viver no jardim do éden (jardim das delícias), entretanto, ao desobedecer a instrução divina sofreram as consequências de suas transgressões.

A desobediência de Adão e Eva epitomiza a falha humana, a qual é chamada teologicamente de a Queda.