Summum bonum

O conceito de Summum bonum, em latim para “bem supremo”permeia as narrativas e ensinamentos bíblicos e da teologia cristã refletindo a busca humana por um valor último e transcendente.

A compreensão do Summum bonum no contexto bíblico evolui através do Antigo e Novo Testamento. No Antigo Testamento, a obediência a Deus e a adesão à Sua Lei são frequentemente apresentadas como o caminho para o bem supremo, manifestando-se na aliança e na busca por justiça e retidão. A sabedoria, personificada nos livros sapienciais, também se aproxima do Summum bonum ao identificar o temor do Senhor como o princípio da sabedoria e o caminho para uma vida plena. No Novo Testamento, o conceito se transforma com a centralidade de Jesus Cristo, apresentado como a revelação máxima do amor de Deus e, portanto, o bem supremo. A fé em Cristo e o amor a Deus e ao próximo são destacados como os caminhos para alcançar o Summum bonum, culminando na promessa da vida eterna e da comunhão com Deus. A literatura apocalíptica também contribui, ao apresentar o reino de Deus como o bem supremo, um estado de perfeita justiça e paz. Assim, o Summum bonum aparece como uma busca dinâmica, que se manifesta na obediência, na sabedoria, no amor e na esperança, culminando na união com Deus.

BIBLIOGRAFIA

Kirk, Kenneth E. The vision of God: the Christian doctrine of the summum bonum.Harper torchbooks, 1966.

Elyon

Em hebraico, עֶלְיוֹן (Elyon), traduzido frequentemente como “Altíssimo”, refere-se a uma designação divina presente em diversos textos bíblicos, com nuances contextuais significativas.

Em Gênesis 14:18-20, Melquisedeque, sacerdote de El-Elyon (אֵל עֶלְיוֹן, embora em português haja uma assonância, as consoantes inicias são distintas em hebraico), abençoa Abrão, identificando El-Elyon como criador dos céus e da terra. Este trecho, juntamente com Salmo 76:2, sugere uma conexão entre Elyon e Sião. A equivalência de Elyon com Yahweh é observada em outros locais bíblicos, enquanto fontes externas, como Filo de Biblos citado por Eusébio, indicam Elioun (grego hupsistos) como uma divindade fenícia, e um deus chamado Elyn aparece ao lado de El em um tratado aramaico do século VIII a.C. de Sefire, na Síria.

Em Deuteronômio 32:8-9, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto revelam que Elyon distribuiu as nações, estabelecendo fronteiras de acordo com o número dos filhos de Deus, reservando Javé como herança de Jacó. O Texto Massorético, possivelmente por desconforto com essa teologia menos monoteísta, substitui “filhos de Deus” por “filhos de Israel”, refletindo uma alteração antipoliteísta. Salmos 73:11 e 107:11 expressam dúvidas sobre o conhecimento de El e Elyon, enquanto Salmos 18:13 e 21:7 associam Elyon a Yahweh, destacando sua voz e amor constante. Salmo 47:2 proclama Yahweh, o Elyon, como rei sobre toda a terra.

Salmo 82:6 apresenta os deuses como “filhos do Altíssimo”, sugerindo uma tradição onde Javé, embora filho de Elyon (possivelmente El), assume o papel de governante das nações. A imagem de Javé como deus da tempestade, presente no Salmo 18, mescla características de El e Baal, indicando uma sincretismo religioso. A designação “Elyon” parece referir-se a El, o presidente da assembleia divina, tanto em Ugarite quanto no Salmo 82, embora a tradição posterior tenha tendido a identificar Elyon com Javé.

Hostes

O termo “hostes” (צָבָא, tsava’; στρατιά, stratia; Σαβαώθ, Sabaōth) nas Escrituras Hebraicas e Cristãs se refere a exércitos humanos, em particular o de Israel, e a exércitos angelicais, às vezes também denotando corpos celestes. Com o tempo, o termo passou a ser usado em conjunto com o nome divino, Yahweh, como “Senhor dos Exércitos”.

No Antigo Testamento, a palavra צָבָא (tsava’) possui múltiplas aplicações, referindo-se tanto a exércitos humanos quanto angelicais, e também a corpos celestes, representando o poder criativo e soberano de Deus sobre eles. Em Gênesis 2:1, “hostes” aparece pela primeira vez em conexão com os corpos celestes, referindo-se à totalidade da criação. Quando se refere aos corpos celestes, a palavra é sempre singular, e esses corpos são frequentemente personificados e até mesmo referidos como “estrelas do céu” (Juízes 5:20).

Embora Israel fosse advertido contra a adoração dos corpos celestes, como faziam os pagãos, a prática era comum (Deuteronômio 4:19; 2 Reis 17:16). “Hostes” também é usado para se referir a exércitos em geral e ao povo de Israel, como em Êxodo 6:26 e 12:17, respectivamente. A frase “Senhor dos Exércitos” (יהוה צְבָאוֹת, yhwh tseva’oth) enfatiza o poder de Yahweh sobre Seus exércitos angelicais, vastos e poderosos (Daniel 7:10; Salmos 103:20), que O adoram e servem com lealdade absoluta (Isaías 6:3; Neemias 9:6).

Essa ênfase em Yahweh como “Senhor dos Exércitos” pode ser interpretada como uma forma de combater reivindicações de superioridade de deuses de outras religiões do antigo Oriente Próximo, como Anu na Mesopotâmia e Baal em Ugarit. Além disso, o título pode ter servido para lembrar os israelitas de que não deveriam adorar corpos celestes.

No Novo Testamento, a compreensão das hostes celestiais é semelhante, mas com Cristo como comandante e receptor da adoração dos exércitos celestiais. Em Apocalipse 5:11-12, anjos inumeráveis adoram o “Cordeiro que foi morto”, indicando que os anjos que adoravam Yahweh no Antigo Testamento agora adoram Jesus. Em Apocalipse 12, 19 e 20, João descreve uma guerra celestial entre os anjos e Satanás e suas hostes, culminando na batalha final liderada por Cristo com os “exércitos do céu”.

Outras referências a “hostes” no Novo Testamento incluem a aparição de “uma multidão de hostes celestiais” aos pastores anunciando o nascimento do Messias (Lucas 2:13), a menção de Estevão sobre o povo adorando as “hostes do céu” (Atos 7:42) e a citação de Isaías por Paulo em Romanos 9:29, referindo-se ao “Senhor dos Exércitos” (κύριος σαβαὼθ, kyrios sabaōth).

BIBLIOGRAFIA

Cross, Frank Moore. Canaanite Myth and Hebrew Epic: Essays in the History of the Religion of Israel. Harvard University Press, 1 1973.  

Eissfeldt, Otto. Jahwe Zebaoth. Akademie Verlag, 1950.

Freedman, David Noel. “The Name of the God of Moses.” Journal of Biblical Studies, vol. 79, 1960, pp. 151–56.

Kramer, Samuel Noah. Mythologies of the Ancient World. Doubleday, 1960.

McClellan, William H. “Dominus Deus Sabaoth.” Catholic Biblical Quarterly, vol. 2, no. 4, Oct. 1940, pp. 300–307.

Meadowcroft, Tim. “Sovereign God or Paranoid Universe? The Lord of Hosts is His Name.” Evangelical Review of Theology, vol. 27, no. 2, Apr. 2003, pp. 113–27.

Mettinger, Tryggve N. D. In Search of God: The Meaning and Message of the Everlasting Names. Fortress Press, 1987.

Miller, Patrick D. The Divine Warrior in Early Israel. Harvard University Press, 1973.

Smith, Gary V. “The Concept of God/the Gods as King in the Ancient Near East and the Bible.” Trinity Journal, Mar. 1982, pp. 18–38.

VEJA TAMBÉM

Principados e potestades

Três vias

A teologia cristã desenvolveu diferentes abordagens para descrever a natureza de Deus, reconhecendo a transcendência divina e as limitações da linguagem humana. Três vias clássicas se destacam: a via eminentiae, a via negativa e a via causalitatis.

A via eminentiae (via da eminência) atribui a Deus qualidades em grau superlativo, baseando-se na perfeição divina. Deus é descrito como onisciente (Sl 139:1-4), onipotente (Jr 32:17) e sumamente bom (Sl 100:5). Essa via enfatiza os atributos divinos de forma positiva, afirmando a grandeza e majestade de Deus.

A via negativa (via da negação) busca definir Deus pelo que Ele não é, negando limitações e imperfeições humanas. Deus é descrito como incorruptível (1 Tm 1:17), imutável (Ml 3:6) e infinito (1 Rs 8:27). Essa via reconhece a incapacidade humana de compreender plenamente a Deus, ressaltando sua alteridade e mistério.

A via causalitatis (via da causalidade) relaciona os efeitos observados no mundo à sua causa primeira, Deus. A criação (Gn 1:1), a providência divina (Mt 6:26) e a redenção (Ef 1:7) são vistas como manifestações do poder e do amor de Deus. Essa via busca compreender Deus através de suas ações no mundo.

Embora distintas, essas três vias se complementam, oferecendo diferentes perspectivas sobre a natureza de Deus. A via eminentiae celebra a glória divina, a via negativa preserva o mistério transcendente, e a via causalitatis reconhece a ação de Deus na história.

VEJA TAMBÉM

Teologia dos atributos

Midot

Elohim

Elohim (אֱלֹהִים), forma plural masculina de El (אֵל), é uma palavra geralmente traduzida como “Deus” ou “deuses”. Na Bíblia, Elohim frequentemente se refere a Yahweh (יהוה), o Deus de Israel, como visto em Gênesis 1:1, onde Elohim cria os céus e a terra. Essa forma também é predominante nos Salmos Eloísticos (Salmos 42-83).

Entretanto, Elohim também pode designar deuses estrangeiros, como nos casos de Êxodo 12:12 e 18:11, que mencionam os deuses do Egito, e Josué 24:20, 23, que adverte contra a adoração de outras divindades. Outros deuses também são mencionados no plural quando se fala apenas de um ser:

Eles me abandonaram e adoraram Astarote, a deusa [elohim] dos sidônios, Quemós, o deus [elohim] de Moabe, e Milcom, o deus [elohim] dos filhos de Moabe. 1 Reis 11:33.

Outra conotação de Elohim pode se referir a seres celestiais, como anjos. Em Salmos 29:1, a frase בְּנֵ֣י אֵלִ֑ים (beney elim), traduzida como “filhos de Deus” ou “seres celestiais”, alude a esses seres. Similarmente, em Jó 1:6, a mesma frase é frequentemente traduzida como “filhos de Deus” ou “anjos”.

O Targum Onkelos e a Peshitta vertem Elohim até mesmo como “juízes” ou “governantes”, como em Êxodo 21:6 e 22:7-8, os quais tratam de casos judiciais. No entanto, a Septuaginta perifrasticamente interpreta essa passagem como “tribunal de Deus”.

Em João 10:34-35, Jesus faz referência ao Salmo 82:6 para defender-se contra a acusação de blasfêmia por afirmar ser o Filho de Deus. Jesus cita Salmo 82:6, onde se lê: “Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.” A palavra traduzida como “deuses” aqui é ‘elohim’ (אֱלֹהִים) no hebraico, para descrever autoridade, poder ou domínio para o concílio divino.

No Antigo Testamento, Elohim é amplamente utilizado, especialmente nos Salmos, onde aparece 404 vezes, geralmente referindo-se ao Deus de Israel, em contraste com as 731 ocorrências de Yahweh. Nos livros dois e três dos Salmos (42-89), Elohim surge 301 vezes e Yahweh 110 vezes. Em muitos casos, Elohim é usado em conjunto com Yahweh (Salmo 18:28), formando pares paralelos (Salmos 18:6, 21; 24:5; 29:3; 55:16; 69:13; 94:22).

A raiz linguística de Elohim, “El” (אֵל), é um termo genérico para divindade presente em diversas línguas semíticas, como acádio, amorita, ugarítico e hebraico, além de babilônico, fenício e aramaico. El era o nome do deus principal do panteão cananeu, como revelam textos ugaríticos descobertos a partir de 1929, e também era proeminente em textos acádicos e amoritas. Nesses textos semíticos, El é retratado como pai e criador, sendo frequentemente chamado de “o antigo” ou “o eterno”, e caracterizado por sua misericórdia e benignidade, atributos também associados a Yahweh no texto bíblico. É possível que Yahweh tenha substituído El como nome próprio e Elohim tenha substituído El como termo genérico para Deus.

Estudos recentes, como o de Joel S. Burnett, dissipou a hipótese de interpretação de Elohim como “plural de majestade”. Burnett argumenta que Elohim deve ser entendido como um “plural abstrato concretizado”, traduzível como “divindade” ou “deus”, com vários significados aplicável a Deus, deuses e até mesmo seres humanos em certos contextos. Essa interpretação, baseada em textos do antigo Oriente Próximo, sugere que Elohim reflete uma concepção mais ampla de divindade.

Essa proposta baseia-se em diversos exemplos e evidências que sustentam a ideia de que o uso do plural para designar uma entidade singular tem respaldo tanto em outras línguas semíticas quanto na estrutura linguística do hebraico.

Há paralelos claros em outras línguas semíticas. No acádio, a palavra ilanu, que significa “deuses”, também é usada para se referir a uma entidade singular. Essa ocorrência pode ser encontrada em textos como as Cartas de Amarna — correspondências diplomáticas entre sírio e egípcios — além de registros acádicos de Ugarit, Taanach e Qatna. De forma semelhante, no fenício, o termo ‘lm é empregado para designar uma divindade singular. Esses exemplos demonstram que a prática de usar formas plurais para uma entidade única não é exclusiva do hebraico, mas um fenômeno compartilhado entre línguas semíticas, sugerindo tanto uma origem comum quanto uma função linguística equivalente.

Além disso, o hebraico oferece exemplos de uma construção conhecida como “plural abstrato”, em que o plural de substantivos ou adjetivos é usado para expressar qualidades abstratas. Por exemplo, o termo ‘abot (plural de ‘ab, “pai”) refere-se à “paternidade”, enquanto zequnim (plural de zaqen, “velho”) significa “velhice”. Da mesma maneira, “Elohim” pode ser interpretado como uma referência à “divindade” em sua essência abstrata, ainda que o termo possa se concretizar em um ser específico.

Há exemplos bíblicos que ilustram como o plural abstrato pode ser aplicado a indivíduos. Em Daniel 9:23, o anjo Gabriel refere-se a Daniel como hamudot, um termo que no plural abstrato significa “desejabilidade” ou “preciosidade”. Nesse caso, Daniel personifica essa qualidade, sendo descrito como alguém extremamente estimado. Da mesma forma, o uso de “Elohim” pode ser entendido como a concretização da “divindade” em um ser singular que incorpora a essência do termo.

Não há evidências substanciais que sustentem a existência de um “plural de majestade” no hebraico bíblico. Este conceito é considerado uma projeção anacrônica, pois se originou em períodos posteriores, particularmente durante a era bizantina, em vez de ser uma característica da língua hebraica antiga.

A forma plural de Elohim, apesar de frequentemente usada em referência a sujeitos singulares, encontra paralelo em outras línguas semíticas, como o acádio e o fenício. Essa peculiaridade gramatical, possivelmente derivada do plural abstrato, como em ‘abot (“paternidade”) e zequnim (“velhice”) em hebraico, sugere que Elohim pode ser entendido como “divindade” ou “deus”, representando a concretização da divindade na figura do Deus de Israel.

BIBLIOGRAFIA

Burnett, Joel. A Reassessment of Biblical Elohim. Atlanta, Ga.; Society of Biblical Literature, 2001, 7–24.

Gordon, Cyrus H. “םיהלא in Its Reputed Meaning of Rulers, Judges.” Journal of Biblical Literature (1935): 139-144.

Heiser, Michael. ‘Monotheism and the Language of Divine Plurality in the Hebrew Bible and the Dead Sea Scrolls’ Tyndale Bulletin, 65.1 (2014) pp. 85-100.