Elohim (אֱלֹהִים), forma plural masculina de El (אֵל), é uma palavra geralmente traduzida como “Deus” ou “deuses”. Na Bíblia, Elohim frequentemente se refere a Yahweh (יהוה), o Deus de Israel, como visto em Gênesis 1:1, onde Elohim cria os céus e a terra. Essa forma também é predominante nos Salmos Eloísticos (Salmos 42-83).
Entretanto, Elohim também pode designar deuses estrangeiros, como nos casos de Êxodo 12:12 e 18:11, que mencionam os deuses do Egito, e Josué 24:20, 23, que adverte contra a adoração de outras divindades. Outros deuses também são mencionados no plural quando se fala apenas de um ser:
Eles me abandonaram e adoraram Astarote, a deusa [elohim] dos sidônios, Quemós, o deus [elohim] de Moabe, e Milcom, o deus [elohim] dos filhos de Moabe. 1 Reis 11:33.
Outra conotação de Elohim pode se referir a seres celestiais, como anjos. Em Salmos 29:1, a frase בְּנֵ֣י אֵלִ֑ים (beney elim), traduzida como “filhos de Deus” ou “seres celestiais”, alude a esses seres. Similarmente, em Jó 1:6, a mesma frase é frequentemente traduzida como “filhos de Deus” ou “anjos”.
O Targum Onkelos e a Peshitta vertem Elohim até mesmo como “juízes” ou “governantes”, como em Êxodo 21:6 e 22:7-8, os quais tratam de casos judiciais. No entanto, a Septuaginta perifrasticamente interpreta essa passagem como “tribunal de Deus”.
Em João 10:34-35, Jesus faz referência ao Salmo 82:6 para defender-se contra a acusação de blasfêmia por afirmar ser o Filho de Deus. Jesus cita Salmo 82:6, onde se lê: “Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.” A palavra traduzida como “deuses” aqui é ‘elohim’ (אֱלֹהִים) no hebraico, para descrever autoridade, poder ou domínio para o concílio divino.
No Antigo Testamento, Elohim é amplamente utilizado, especialmente nos Salmos, onde aparece 404 vezes, geralmente referindo-se ao Deus de Israel, em contraste com as 731 ocorrências de Yahweh. Nos livros dois e três dos Salmos (42-89), Elohim surge 301 vezes e Yahweh 110 vezes. Em muitos casos, Elohim é usado em conjunto com Yahweh (Salmo 18:28), formando pares paralelos (Salmos 18:6, 21; 24:5; 29:3; 55:16; 69:13; 94:22).
A raiz linguística de Elohim, “El” (אֵל), é um termo genérico para divindade presente em diversas línguas semíticas, como acádio, amorita, ugarítico e hebraico, além de babilônico, fenício e aramaico. El era o nome do deus principal do panteão cananeu, como revelam textos ugaríticos descobertos a partir de 1929, e também era proeminente em textos acádicos e amoritas. Nesses textos semíticos, El é retratado como pai e criador, sendo frequentemente chamado de “o antigo” ou “o eterno”, e caracterizado por sua misericórdia e benignidade, atributos também associados a Yahweh no texto bíblico. É possível que Yahweh tenha substituído El como nome próprio e Elohim tenha substituído El como termo genérico para Deus.
Estudos recentes, como o de Joel S. Burnett, dissipou a hipótese de interpretação de Elohim como “plural de majestade”. Burnett argumenta que Elohim deve ser entendido como um “plural abstrato concretizado”, traduzível como “divindade” ou “deus”, com vários significados aplicável a Deus, deuses e até mesmo seres humanos em certos contextos. Essa interpretação, baseada em textos do antigo Oriente Próximo, sugere que Elohim reflete uma concepção mais ampla de divindade.
Essa proposta baseia-se em diversos exemplos e evidências que sustentam a ideia de que o uso do plural para designar uma entidade singular tem respaldo tanto em outras línguas semíticas quanto na estrutura linguística do hebraico.
Há paralelos claros em outras línguas semíticas. No acádio, a palavra ilanu, que significa “deuses”, também é usada para se referir a uma entidade singular. Essa ocorrência pode ser encontrada em textos como as Cartas de Amarna — correspondências diplomáticas entre sírio e egípcios — além de registros acádicos de Ugarit, Taanach e Qatna. De forma semelhante, no fenício, o termo ‘lm é empregado para designar uma divindade singular. Esses exemplos demonstram que a prática de usar formas plurais para uma entidade única não é exclusiva do hebraico, mas um fenômeno compartilhado entre línguas semíticas, sugerindo tanto uma origem comum quanto uma função linguística equivalente.
Além disso, o hebraico oferece exemplos de uma construção conhecida como “plural abstrato”, em que o plural de substantivos ou adjetivos é usado para expressar qualidades abstratas. Por exemplo, o termo ‘abot (plural de ‘ab, “pai”) refere-se à “paternidade”, enquanto zequnim (plural de zaqen, “velho”) significa “velhice”. Da mesma maneira, “Elohim” pode ser interpretado como uma referência à “divindade” em sua essência abstrata, ainda que o termo possa se concretizar em um ser específico.
Há exemplos bíblicos que ilustram como o plural abstrato pode ser aplicado a indivíduos. Em Daniel 9:23, o anjo Gabriel refere-se a Daniel como hamudot, um termo que no plural abstrato significa “desejabilidade” ou “preciosidade”. Nesse caso, Daniel personifica essa qualidade, sendo descrito como alguém extremamente estimado. Da mesma forma, o uso de “Elohim” pode ser entendido como a concretização da “divindade” em um ser singular que incorpora a essência do termo.
Não há evidências substanciais que sustentem a existência de um “plural de majestade” no hebraico bíblico. Este conceito é considerado uma projeção anacrônica, pois se originou em períodos posteriores, particularmente durante a era bizantina, em vez de ser uma característica da língua hebraica antiga.
A forma plural de Elohim, apesar de frequentemente usada em referência a sujeitos singulares, encontra paralelo em outras línguas semíticas, como o acádio e o fenício. Essa peculiaridade gramatical, possivelmente derivada do plural abstrato, como em ‘abot (“paternidade”) e zequnim (“velhice”) em hebraico, sugere que Elohim pode ser entendido como “divindade” ou “deus”, representando a concretização da divindade na figura do Deus de Israel.
BIBLIOGRAFIA
Burnett, Joel. A Reassessment of Biblical Elohim. Atlanta, Ga.; Society of Biblical Literature, 2001, 7–24.
Gordon, Cyrus H. “םיהלא in Its Reputed Meaning of Rulers, Judges.” Journal of Biblical Literature (1935): 139-144.
Heiser, Michael. ‘Monotheism and the Language of Divine Plurality in the Hebrew Bible and the Dead Sea Scrolls’ Tyndale Bulletin, 65.1 (2014) pp. 85-100.