A tríade Espírito, Texto e Comunidade; Palavra, Espírito e Igreja; ou ainda Escrituras, Espírito e Eclésia, é um modelo proposto por Thomas (1994), Yong (2002) e Archer (2004) que resume a prática interpretativa realizada entre pentecostais.
A TRÍADE PENTECOSTAL
Análogo à prática interpretativa registrada em Atos 15, a hermenêutica produz entendimento pela relação dinâmica de três elementos:
Escrituras: A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus e a fonte última da verdade cristã. Os pentecostais abordam a Bíblia com abordagens variadas, como interpretação literal, método de leitura bíblica, exegese histórica, existencial e devocional. No entanto, eles também acreditam que a Bíblia é um documento vivo que fala às suas vidas hoje, constituindo uma abordagem também contextual.
Espírito: Como seu autor, o Espírito Santo é o guia e intérprete final das Escrituras. A guia do Espírito pode iluminar o significado do texto e ajudá-los a aplicá-lo em suas vidas. O mesmo Espírito que inspirou a composição bíblica ainda fala hoje, sendo capaz de desnvendar novos entendimentos sobre a Bíblia, a vida cristã e concepções teológicas. Do mesmo modo que o Espírito Santo produziu consenso em Atos 15, a válida interpretação contemporânea tem a marca do Espírito de produzir comunhão e edificação. Por fim, o Espírito Santo move a interpretação profética das Escrituras para edificação, exortação e consolo.
Comunidade: o lócus interpretivo da Bíblia é em comunidade. As Escrituras foram canonizadas como obras de leitura pública. Assim, descontextualizá-la do culto e vida devocional retira o pano de fundo necessário para uma correta e fiel interpretação. O Espírito guia a comunidade como um todo e que os crentes individuais podem aprender com as percepções dos outros. A comunidade pode ajudar a evitar que interpretem mal a Bíblia. Enquanto Yong enfatiza a comunidade total do cristianismo pentecostal interpretando globalmente as Escrituras em comunhão, Archer enfatiza o papel litúrgico da interpretação bíblica na igreja local como comunidade interpretativa. De qualquer forma, a Igreja como comunidade interpretativa limita interpretações arbitrárias, desinformadas e desviantes.
A tríade hermenêutica pentecostal é um conceito dinâmico e em evolução. Não existe uma interpretação única e oficial da tríade, e os próprios pentecostais têm entendimentos diferentes sobre como aplicá-la.
ESTRATÉGIAS INTERPRETATIVAS PENTECOSTAIS
Para verificar a coerência e correspondência com as práticas pentecostais, Alves (2023) realizou uma pesquisa empírica etnográfica. Salienta que na vida concreta o modelo triádico ocorre meio a uma série de estratégias interpretativas.
Algumas da principais estratégias da hermenêutica pentecostal que ligam os polos da tríade hermenêutica pentecostal são as leituas:
- Experimental. a Bíblia foi feita para ser experimentada, não apenas estudada. O crente pentecostal encontra Deus por meio da Bíblia, sob a guia do Espírito.
- Rlacional. A Bíblia deve ser interpretada em comunhão com Deus, via Espírito, e comunidade, a Igreja. Sem esses vínculos, qualquer interpretação para a o cristão será problemática.
- Recursiva: a intepretação seleciona e invoca textos com referência para a necessidade da ocasião. Os mesmos textos podem receberem diversas configurações interpretativas fluidas, conforme guia do Espírito e necessidade da comunidade.
- Analógica: Ao invés de buscar uma reconstrução histórica do passado bíblico para atualizá-lo no presente, o crente pentecostal vê-se como parte da mesma história, aplicando por analogia os ensinos bíblicos.
- Contextual: a imaginação e recriação do contexto apresentado no texto bíblico elucida a aplicação para compreensão da passagem.
- Fragmentária: versículos, papéis de recitativos ou de caixinhas de promessas, memes por mídias sociais são capazes de plenamente comunicar a Palavra de Deus.
- Polivalente: Entende que a significância de um texto é polivante. Assim, não há preocupações em determinar um só significado textual pela intenção autoral, nem pela recepção das primeiras audiências ou pela recepção da patrística ou da reforma.
- Presente: Há uma relevância do texto bíblicopara as necessidades da vida diária mediante uma iluminação espiritual, bem como uma correspondência atual (e pessoal) com o mundo da história bíblica.
- Sacramental: As Escrituras é um ponto tangível de contato entre a graça divina e o crente.
- Incorporada: A mensagem das Escrituras é memorizada, digerida, corporificada, integrada no ser do crente leitor.
- Narrativa: As Escrituras são lidas, transmitidas e compreendidas em um emuldoramento primordialmente narrativo. Exposições argumentativas, existem, mas sem o mesmo peso da narrativa.
- Dialógica: A interpretação ocorre em diálogo com outros leitores da Comunidade e com a presença percebida de Deus pelo Espírito Santo.
- É uma leitura cíclica, frequente, assistemática e multi-mídia.
A tríade hermenêutica pentecostal é um conceito dinâmico e em evolução, e não existe uma interpretação única e oficial da tríade. No entanto, fornece uma estrutura útil para a compreensão de como os pentecostais abordam a Bíblia.
MODELO TRIÁDICO E MÉTODOS EXEGÉTICOS
A adoção da tríade hermenêutica pentecostal não exclui diálogo e aproveitamento de outros métodos. Archer (2004) aponta para a popularidade do Método de Leitura Bíblica entre os primeiros pentecostais. Essa abordagem indutiva, tópica e sincrônica continua sendo praticada em grande parte de segmentos populares do pentecostalismo. Por outro lado, Keener (2016) argumenta que a leitura guiada pelo Espírito e situada na Igreja não contradiz e nem deve desencorajar a busca da compreensão original dos textos bíblicos pelos métodos exegéticos históricos.
A abordagem de Keener retrata bem a leitura feita por biblistas pentecostais como Fee, Menzies em tempos recentes, bem como Giuseppe Petrelli e Jonatham Paul no início do pentecostalismo. Contudo, tendo sua própria história, a hermenêutica pentecostal não precisa ficar cativa da exegese acadêmica, tampouco de pressupostos teológicos de outras tradições. Antes, o diálogo de uma interpretação vivida na liturgia e o desenvolvimento de uma teologia congregacional pode existir em diálogo com a exegese acadêmica e a teologia magisterial.
A emergência de uma hermenêutica distintivamente pentecostal resulta de sua história e contextos teológico e social. Como salientam Faupel (1996) e King (2011), em suas origens, os pentecostais não eram nem liberais nem fundamentalistas, na ocasião ambos grupos orientados por um desvelamento do sentido original do texto mediante ferramentas históricas. Como os liberais, tinham uma consciência do impacto social e comunitário de suas interpretações e enfatizavam a justiça prática. Como os fundamentalistas, considerava real todo elemento sobrenatural registrado em suas páginas. No entanto, queriam ler suas Bíblias com fé (ao contrário do ceticismo dos liberais) e experimentar toda a ação de Deus em suas vidas hoje (ao contrário dos fundamentalistas, que eram em sua maioria cessacionistas).
BIBLIOGRAFIA
Alves, Leonardo. “Unbound Bible: Empirical hermeneutics in Latin Migrant Pentecostal congregations in the Nordics.” PentecoStudies 21.2 (2023): 188-207.
Archer, Kenneth. A Pentecostal Hermeneutic for the Twenty First Century: Spirit, Scripture and Community. Vol. 28. London: T&T Clark, 2004.
Faupel, D. William. The Everlasting Gospel: The Significance of Eschatology in the Development of Pentecostal Thought, JPTSup 10. Sheffield, UK: Sheffield
Academic Press, 1996.
Kärkkäinen, Veli-Matti. “Pentecostal Hermeneutics in the Making: On the Way From Fundamentalism to Postmodernism.” Journal of the European Pentecostal Theological Association 18, no. 1 (April 1998): 76–115.
Keener, Craig S. Spirit Hermeneutics: Reading Scripture in Light of Pentecost. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016.
King, Gerald Wayne. “Disfellowshiped : Pentecostal responses to fundamentalism in the United States, 1906-1943”. Pickwick, 2011.
Martin, Lee Roy. Pentecostal Hermeneutics : A Reader. Brill, 2013
Thomas, John. 1994. “Women, Pentecostals and the Bible: An Experiment in Pentecostal Hermeneutics.” Journal of Pentecostal Theology 2 (5): 41–56.
Yong, Amos. Spirit – Word – Community: Theological Hermeneutics in Trinitarian Perspective. Eugene, OR: Wipf & Stock, 2002