O Movimento de Keswick (a pronúncia é Kêssik) refere-se às convenções realizadas em Keswick, um vilarejo no noroeste da Inglaterra; bem como a teologia e a rede de pessoas e instituições resultantes dessas convenções, o chamado Keswickianismo.
A convenção de Keswick iniciou-se em 1875, organizado pelo cônego anglicano Thomas Dundas Harford-Battersby (1823–83) e o quaker Robert Wilson (1824–1905). Desde então, repete-se anualmente, com raras exceções. É aberta a todos ouvintes sem cobrar taxas de adesão, dependendo de ofertas voluntárias.
A convenção consiste em ensino bíblico, avivamento e busca de santidade. Atrai cristãos de diversas orientações e denominações, mas sobretudo adeptos do evangelicalismo. Entre os notórios associados a Keswick estão Andrew Murray (1828–1917), James Hudson Taylor (1832–1905), Amy Wilson Carmichael (1867–1951), Albert Benjamin Simpson (1844–1919), Dwight Lyman Moody (1837–1899), Reuben Archer Torrey (1856–1928), John Stott (1921–2011) e D. A. Carson.
Teve influência dos ideais de catolicidade ecumênica do anglicanismo, na esteira da práxis e método teólogico de Hooker. Deve também à concepção wesleyana de santidade, mas removendo alguns aspectos (como o de inteira santificação ou santificação instantânea). O casal quaker Hannah Whitall Smith e Robert Pearsall Smith influenciou o movimento, pregando um batismo com o Espírito Santo que permitia a santificação, uma vida cristã de regozijo e vitória sobre o pecado. Outras influências foram o revivalismo americano e a cultura romântica vitoriana.
Dada essa amplitude, a teologia de Keswick nunca foi uniforme, além de variações ao longo do tempo e conforme os palestrantes convidados. A teologia de Keswick evoluiu no século XX, particularmente sob a influência de figuras como John Stott, tornando-se mais explicitamente alinhada à soteriologia reformada e suavizando um pouco de sua linguagem mais dramática de “Vida Superior”. Contudo, alguns elementos temáticos visíveis na organização do evento refletem uma teologia comum.
Cada dia da semana é dedicada a um tópico e recebe diferentes oradores. O dia 1 é sobre a diagnose da condição humana: o pecado. O dia 2 é sobre a cura: o plano de Deus para regeneração. No dia 3 aparece o remédio: o revestimento do Espírito Santo. Por fim, no dia 4 os regenerados são comissionados para missão e serviço.
Ao atribuir a fé como único meio para obter tanto a justificação e a santificação, o movimento de Keswick convidava ambos não crentes e cristãos nominais a buscarem uma união com Cristo. A partir disso vinha a convicção que o sangue de Cristo permitia uma vida vitoriosa sobre o mal e o pecado, bem como sobre seus efeitos nas doenças. A certeza do poder do Espírito Santo para a reparação do pecado revestia a pessoa de poder de modo que o convertido e santificado já distinguia sua entre velha e nova criatura.
Esta ênfase na ação santificadora do Espírito Santo e uma soteriologia regenerativa encontrava fundamento na “santificação pela fé”, sem reivindicar a possibilidade de impecabilidade para o crente. Essa santificação seria progressiva. A teologia de Keswick frequentemente distinguia entre a “natureza pecaminosa” (que permanece, mas se torna impotente) e os “atos de pecado” (sobre os quais o crente pode obter vitória). Assim, evitavam alegações de perfeição sem pecado.
As teologias de santificação de Keswick contrastam com outros entendimentos. Difere da santificação instantânea pontual do Movimento de Santidade de origem wesleyana. É próximo, porém distinto da santificação gradual que mortificaria gradualmente a vontade da carne em algumas vertentes do Movimento de Vida Superior. Apesar de sua associação com o sistema teológico reformado, não adere a sua ideia de santificação a partir da conversão como uma contínua presença de pecado e arrependimento, tal como articulado no evangelicalismo calvinista (por exemplo, por Charles Spurgeon).
Considerando a adesão de pessoas de origem em denominações reformadas e seu aproveitamento de somente alguns elementos da teologia e práticas wesleyanas, o movimento de Keswick tem sido associado ao sistema teológico reformado. Por vezes, quando visto sob uma perspectiva de soteriologia forense é referido como semi-agostinianismo, pois na prática busca um equilíbrio entre a soberania divina e a responsabilidade humana, mas não se ocupa em resolver esse paradoxo.
O foco limitado em crenças centrais do cristianismo evangélico e a flexibilidade em relação a tópicos contenciosos permitiram uma abrangência de audiência e uma continuidade singular. O movimento de Keswick inspirou vários avivamentos (como o da África do Sul e na China), além de impulsionar missionários. O pregador de Chicago, D. L. Moody era já uma figura pública de sucesso quando em 1871 foi confrontado por duas mulheres metodistas livres, dizendo-lhe que ele precisava do “poder do Espírito”. Após a resistência inicial, Moody se humilhou e pediu suas orações, experimentando o que considerou o batismo no Espírito Santo. Moody envolveu-se com Keswick e foi um de seus principais propagadores nos Estados Unidos. Consequentemente, a vertente da Obra Consumada do Calvário no pentecostalismo tem um legado em Keswick.
O movimento de Keswick não foi sem críticas. A crença em uma vida distinta santificada e revestida pelo Espírito Santo levava às acusações de elitismo espiritual. Críticos, medindo a teologia do movimento não por seus próprios termos e com recortes selecionados, distorcidamente apresentavam o movimento como “faça sua parte e deixa que Deus faça a sua”. Confusões conceituais também resultam de interpretar a teologia vivida de Keswick em termos de uma teologia magisterial, especialmente com critérios de um ordo salutis forense, embora Keswick seja eminentemente uma soteriologia regenerativa e missional.
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