Críticas minoritárias

As críticas minoritárias são perspectivas exegéticas que levam em consideração os pontos de vista de grupos subrepresentados na produção de exegese bíblica.

Essas críticas incluem as críticas feministas, a crítica latino-americana, a crítica Latinx, a crítica dalit, a teologia minjung, a teologia da missão integral, a teologia da libertação, a teologia womanista, a teologia mujerista, perspectivas indígenas, campesinas, queer (LGBTS+), disabilidade, ecológica, migrante, pentecostal, africana, contextual sulafricana, pacifista, anabatista ou radical, dentre outras. Por vezes, esse conjunto de abordagem é chamado de crítica contextual.

Quanto à pauta, geralmente as críticas minoritárias trazem a presença de eruditos minoritários em três vertentes. Alguns tentam corrigir vieses, identificando leituras negligenciadas pela academia majoritária. Outros buscam contrabalancear os vieses pelo diálogo de outras perspectivas. Por fim, a crítica no sentido de denúncia das instituições e seus envolvimentos com o poder, buscando fazer exegese que desconstrua as ideologias embutidas nas interpretações padronizadas.

Os métodos variam conforme a vertente e a filiação ao grupo minoritário. Por exemplo, tipicamente uma exegese pentecostal aproveita as experiências vividas para contrastar com o texto bíblico. Uma perspectiva feminista pode analisar os papéis das mulheres nas Escrituras. A crítica ecológica presta atenção ao mandado de mordomia da criação e como diferentes atores bíblicos lidavam com seus ambientes. A crítica queer tende a focar em estudos de personagens e terminologias associados a gênero ou sexualidade. Um adepto da crítica camponesa pode partir para a hermenêutica empírica e estudar passagens bíblicas entre agricultores. A crítica contextual sulafricana e a teologia da libertação adotou a leitura popular como método exegético, cabendo ao exegeta reportar as impressões oriundas de leituras feitas em grupos leigos. Muitos exegetas anabatistas focam nas práticas resultantes do entendimento bíblico coletivo das igrejas livres, radicais, mennonitas, quakers, amish, dunkers, e outras.

Irrespectivo dos métodos ou das vertentes, não existe correlação necessária entre a abordagem da crítica minoritária e ativismo. Contudo, muito do resultado da reflexão exegética e teológica oriundo dessas perspectivas contribui à denunciação profética de pecados de amplitude social.

Crítica das ciências sociais

A crítica das ciências sociais (Social-scientific criticism), por vezes chamada indiscriminadamente de crítica sociológica ou crítica antropológica, examina a Bíblia com métodos, informações e teorias das ciências sociais.

O foco da crítica das ciências sociais varia. Pode ser “por trás do texto”, ou seja, as circunstâncias e o contexto da composição do texto bíblico. A análise da sociedade agrária dos tempos bíblicos é um exemplo. O foco pode ser ” no texto”, ou seja, como as relações sociais e aspectos culturais são representados no texto bíblico. Estudos de pureza e poluição conforme ensinado em Levítico são ilustrativos dessa abordagem. Por fim, é possível concentra-se “diante do texto”, ou seja, os processos interpretativos e as implicações da leitura da Bíblia.

BIBLIOGRAFIA

Davis, E. F. (2009). Scripture, culture and agriculture: An agrarian reading of the Bible. New York: Cambridge University Press 

Douglas, Mary. Purity and danger: An analysis of concepts of pollution and taboo. Routledge, 2003.

Harding, Susan. The Book of Jerry Falwell: Fundamentalist Language and Politics. Princeton: Princeton University Press, 2000.

Crítica histórica

A crítica histórica visa compreender tanto o conteúdo (eventos, discursos) quanto os próprios textos que os registram, considerando autoria, circunstâncias da época da composição e funções do texto para suas primeiras audiências.

A crítica histórica utiliza métodos e teorias da historiografia aplicada à Bíblia.

A crítica histórica é, por vezes, sinônimo de exegese. No entanto, trata-se de uma abordagem diacrônica, sem precisar levar em conta outros aspectos como recepção teológica ou literária. Visa reconstruir os sentidos propostos no texto.

Há duas grandes vertentes, o método histórico-crítico e o método histórico-gramatical. Alguns autores e tradições tratam essas duas vertentes como sinômimos. Ambas surgiram da historiografia do Iluminismo, consolidando-se no final do século XVIII e passaram por transformações posteriores. Hoje, o método histórico-crítico é o preferido em ambiente acadêmico enquanto o método histórico-gramatical é popular em contextos pastorais, devocionais e confessionais. Não se sustenta uma susposta diferenciação ideológica entre método histórico-gramatical servindo a teólogos “conservadores” e o método histórico-crítico servindo a teólogos “liberais”. Ambos métodos são empregados por exegetas de orientações teológicas diversas ou mesmo sem ter filiação religiosa.

Desde os anos 1970 consolidaram-se críticas às abordagens históricas. Abordens sincrônicas — literárias, canônicas — ou contextuais demonstraram as limitações dos métodos históricos para a leitura bíblica. No entanto, essas críticas refinaram os métodos e uma leitura histórica da Bíblia é possível.

BIBLIOGRAFIA

Aichele, George, Peter Miscall, and Richard Walsh. “An elephant in the room: Historical-critical and postmodern interpretations of the Bible.” Journal of Biblical Literature 128.2 (2009): 383-404.

Baden, Joel S. “The Tower of Babel: a case study in the competing methods of historical and modern literary criticism.” Journal of Biblical Literature 128.2 (2009): 209-224.

Collins, John J. The Bible after Babel: Historical criticism in a postmodern age. Wm. B. Eerdmans Publishing, 2005.

Hays, Christopher M., Christopher B. Ansberry, ed. Evangelical faith and the challenge of historical criticism. Spck, 2013.

Krentz, Edgar. The Historical Critical Method. London: SPCK. 1976

Law, David R. The historical-critical method: a guide for the perplexed. Bloomsbury Publishing, 2012.

Sparks, Kenton L. God’s word in human words: An evangelical appropriation of critical biblical scholarship. Baker Academic, 2008.

Crítica literária

A crítica literária considera as técnicas e teorias literárias presentes na Bíblia.

Pode utilizar as diversas abordagens literárias (narratologia, estudos de personagens, retórica, recepção, dentre outras) para compreender sincronicamente o texto bíblico.

Várias abordagens de análises aparecem na crítica literária. A análise léxica tenta entender termos-chave e o significado das palavras. A análise estilística estuda a dicção (escolha de palavras), estruturas (como o quiasmo e paralelismo), as figuras de linguagem (metáforas, metonímias, hipérbole, etc). A tipologia em seu sentido estrito também é estudada na crítica literária, junto da análise temática e análise de motivos literários. Tipos e gêneros textuais fazem parte da crítica literária.

A história da recepção, história dos efeitos e a crítica orientada ao leitor são abordagens literárias que enfocam na interpretação dos textos bíblicos. Obras literárias, como Esaú e Jacó de Machado de Assis, são comparados com os textos bíblicos.

Resume Alter: “Por análise literária, entendo as múltiplas variedades de atenção minuciosamente discriminativa ao uso artístico da linguagem, ao jogo mutável de ideias, convenções, tom, som, imagens, sintaxe, ponto de vista narrativo, unidades de composição e muito mais; o tipo de atenção disciplinada, em outras palavras, que através de todo um espectro de abordagens críticas iluminou, por exemplo, a poesia de Dante, as peças de Shakespeare, os romances de Tolstoi.” (Alter, 2011, p 12-13).

BIBLIOGRAFIA

Alter, Robert; Kermode, Frank (orgs.). Guia literário da Bíblia. São Paulo: Edunesp, 1997.

Alter, Robert. The art of biblical narrative. Basic Books, 2011.

Auerbach, Erich. Mimesis: The representation of reality in western literature. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1953.

Frye, Northrop. The great code: The Bible and literature. Vol. 19. University of Toronto Press, 2006.

Crítica das tradições

A crítica das tradições (Traditionskritik e Traditio-historical criticism) é um método exegético diacrônico que, com a crítica das formas, tenta traçar o desenvolvimento da tradição oral que tenha atencedido a fixação escrita dos textos bíblicos.

Essa crítica geralmente foca em tradições sobre pessoas, ensinos e lugares sobre os quais houve uma preservação de tradições. A crítica das tradições também se ocupa de motif — motivos literários — frases e conceitos que se repetem ao longo da Bíblia, como “Filho do Homem”, a tradição do êxodo, Sião, dentre outros.

Empregando técnicas de análise transmissão oral, a crítica de tradições faz comparações. Por exemplo, nessa abordagem há cotejo do Salmo 78 com textos narrativos da história de Israel. É uma abordagem importante para resgatar as logias e as ágrafas de Jesus.

Seus expoentes foram Gerhard von Rad (1901-1971) e Martin Noth (1902-1968). Baseados no trabalho de Gunkel, aplicaram a crítica das tradições principalmente no livro de Deuteronômio e na História Deuteronomista. Entretanto, Rolf Rendtorff se opôs a Von Rad e Noth em sua concessão ao método de fonte crítica e defendeu um retorno à abordagem de Gunkel. O trabalho dos estudiosos envolveu várias suposições sobre a datação das curtas declarações históricas que tornam seus resultados provisórios.