O termo pecado, de acordo com os textos bíblicos, abrange uma variedade de conceitos e nuances profundamente enraizados na concepção moral hebraica e grega. O estudo sistemático sobre o pecado chama-se hamartiologia.
Na Bíblia Hebraica, existem cerca de 20 palavras diferentes que denotam “pecado”. Essa diversidade lexical sugere que os antigos israelitas tinham uma compreensão mais matizada do pecado do que o pensamento e a teologia ocidentais. No pensamento hebraico, o pecado tende a referir a atos omissivos ou comissivos específicos, ao invés de algo com sentido geral e abstrato ou a inclinação para fazer o mal.
Entre as palavras hebraicas usadas para transmitir a ideia de pecado, três são freqüentemente empregadas na Bíblia: ḥata, pesha e ʿavon. A palavra hebraica mais comum para “pecado” é חטאה (ḥata), que transmite o significado de “errar o alvo”. Este termo abrange tanto as falhas morais quanto as deficiências na ação. Por exemplo, em Juízes 20:16, é descrito que os atiradores de funda da tribo de Benjamim eram tão habilidosos que podiam “apontar para um fio de cabelo e não ḥait” (errar o alvo). Além disso, o termo hebraico ḥatah está associado a erros ou equívocos não intencionais, como evidenciado pela oferta de sacrifício conhecida como ḥatot, que é trazida para transgressões não intencionais (Levítico 4:1–5:13).
Outra palavra hebraica, ʿavon, denota transgressões deliberadas e conscientes contra uma norma ou pacto. Essas transgressões seriam caracterizadas pelos desejos de alguém prevalecendo sobre a obediência. Por outro lado, pesha refere-se a ofensas cometidas especificamente para a ofença alheia. Na Bíblia, esses termos hebraicos destacam a natureza multifacetada do pecado como uma rebelião deliberada contra os mandamentos de Deus.
Na língua grega, a palavra principal usada para pecado é “hamartia“, que deriva do mundo das competições de arco e flecha. Hamartia implica “errar o alvo” e não atingir o alvo pretendido, perdendo assim o prêmio ou bênção que o acompanha. Este abrangente termo grego para pecado aparece 221 vezes na Bíblia e abrange as outras seis palavras específicas para vários pecados. Hebreus 12:1 exemplifica o uso de hamartia, onde se refere ao “pecado (hamartia) que tão facilmente nos cerca”.
O grego também nos fornece outras palavras para pecado, cada uma enfatizando diferentes aspectos da transgressão. Estes incluem hettema, que significa “diminuir o que deveria ter sido dado em plena medida”; paraptoma, significando um deslize ou erro não intencional; agnoeema, denotando ignorância quando se deveria saber; parakoe, referindo-se à recusa em ouvir e atender à instrução certa ou divina; parábase, representando o cruzamento intencional de uma fronteira moral; e anomia e paranomia, que significam ilegalidade ou desobediência voluntária às regras estabelecidas. Essas nuances perdem-se nas traduções, como em 1 João 3:4: “Todo aquele que está fazendo a hamartia, a anomia também faz; e a hamartia é a anomia.”
À medida que esses conceitos foram traduzidos para o latim, eles assumiram a forma de vitium (falha ou defeito), scelus (má ação ou crime), concupiscentia (inclinação para o mal) e peccātum (falha ou erro). No entanto, os termos latinos não captavam totalmente a riqueza e a complexidade de seus equivalentes hebraicos e gregos. Enquanto os conceitos bíblicos de pecado enfatizavam as omissões e falhas em ser justo, os conceitos teológicos latinos se inclinavam mais para as comissões e a prática de atos ilícitos.
As teologias bíblicas sobre os pecados — especialmente por meio dos evangelhos sinóticos, do Evangelho de João e dos escritos de Paulo — ilustram diferentes ênfases e entendimentos do tema no período do Novo Testamento.
Nos sinóticos, o tema predominante é o perdão dos pecados. A mensagem de João Batista sobre o “batismo de arrependimento para o perdão dos pecados” (Mc 1:4; Lc 3:3) ressalta esse foco. Um exemplo ilustrativo aparece no relato da cura de um paralítico em Marcos 2, onde Jesus, ao testemunhar a fé das pessoas, declara: “Filho, os teus pecados estão perdoados.” Aqui, o pecado é sempre expresso no plural, enfatizando atos individuais em vez de uma abstração reificada singular. A erradicação do pecado e do mal é pelo ministério de Cristo, quer por seus ensinos, quer por seus milagres (notoriamente, pela cura). Notavelmente, o perdão dos pecados é oferecido mesmo antes da morte e ressurreição de Jesus.
No Evangelho de João, o pecado assume uma dimensão diferente. O termo é predominantemente usado no singular, sinalizando seu papel como uma força cósmica, em vez de um conjunto de transgressões individuais. Isso é evidente em João 1:29, onde João Batista proclama Jesus como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” A conexão entre o pecado e a obra de Cristo é destacada, retratando o pecado como uma condição universal abordada por meio de seu ato redentor.
Os escritos de Paulo, especialmente em Romanos, oferecem algumas das reflexões teológicas mais influentes sobre o pecado. Em Romanos 3:9, Paulo afirma que “todos estão sob o poder do pecado,” destacando seu aspecto universal e singular. O pecado, como descrito por Paulo, exerce um domínio universal sobre a humanidade—judeus e gregos igualmente—e é anulado exclusivamente pela obra de Cristo. Paulo também estabelece uma conexão tipológica entre Adão e Cristo em Romanos 5:12, interpretando a narrativa da queda em Gênesis 3 como tipo da pecaminosidade em contraste com a obediência fiel de Cristo. Em 1 Corítios 15, Paulo vincula o pecado à morte e contempla a possibilidade de redenção cósmica por meio de Cristo.
Na Bíblia, a noção de pecado se estende além das más ações individuais para abranger males sociais e estruturais. Às vezes, o termo Pecado até se refere a abstrações personificadas, conforme ilustrado por Paulo em várias passagens, como Romanos 5:12, 21; 6:12; 7:8-9, 11, 14, 20. Adicionalmente, o pecado na literatura joanina é um tema importante, mas a palavra quase sempre usada no singular e em um sentido abstrato. Por exemplo, quando João Batista diz sobre Jesus como “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29). No entanto, no sistema sacrificial mosaico, o cordeiro era a vítima da páscoa para marcar a aliança entre Deus e o povo, não uma oferta expiatória para pecados. Assim, o pecado nessa passagem possui uma dimensão cósmica, como a escuridão vencida pela luz, no caso Cordeiro que marca a a nova aliança sem pecado.
Entre essas perspectivas, emergem alguns temas centrais. A Bíblia aborda o pecado com frequência, apresentando-o de maneiras variadas, mesmo dentro do Novo Testamento. Enquanto os evangelhos sinóticos se concentram em transgressões individuais (pecados, no plural), João e Paulo veem o pecado (no singular) como uma força universal e cósmica. Todas essas visões correlacionam o pecado com a atividade redentora de Jesus—seu ministério nos sinóticos e sua morte e ressurreição em João e Paulo. Importante destacar que o pecado não é o foco central, mas serve como contraste para o evangelho da salvação, ressaltando o poder transformador da obra redentora de Cristo.
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