Dialogismoi

Na literatura bíblica e acadêmica, o termo grego διαλογισμοιˊ (dialogismoi), forma plural de διαλογισμοˊς (dialogismos), lista os vícios e males de Marcos 7:21-23, indica pensamentos maus que procedem do interior do coração humano.

A passagem menciona uma série de males, como adultério, imoralidade sexual, roubo e homicídio, todos originados dos διαλογισμοιˊ. A verdadeira impureza não viria de fora, por meio do que se come, mas de dentro, por meio das intenções e pensamentos

Este conceito se aprofunda além de simples “pensamentos”, sugerindo uma conotação de deliberações internas, cálculos maliciosos ou raciocínios que levam a atos pecaminosos. Nesse perícope, Jesus constrasta com as preocupações de pureza ritual dos judaísmos da época, demonstrando uma mudança de foco de preceitos externos para a moralidade interna. Esse contraste é fundamental para entender a mensagem de Jesus sobre o que realmente contamina o indivíduo.

Pecado mortal

O conceito de pecado “mortal”, “pecado de morte” ou “pecado que leva à morte” é um tanto vago. Contudo, o conceito reflete a crença dos tempos bíblicos que alguma forma o pecado tem consequências mortais.

A origem desse conceito hamartiológico encontra base nas expressões hebraicas que conectam ḥṭʾ (pecado/ofensa) com mwt (morrer/morte). Essa conexão é vista em várias passagens, como Números 18:22, Deuteronômio 21:22 e Ezequiel 3:20. O texto mais antigo que liga o pecado e a morte é provavelmente Amós 9:10 que afirma: “Todos os pecadores do meu povo morrerão à espada”.

O significado original e o contexto de “pecado mortal” são vistos em textos bíblicos como Deuteronômio 21:22 e 22:16, que dizem respeito a procedimentos judiciais civis, e Números 18:22 e 27:3, refletindo a lei sagrada. Outras passagens utilizam o conceito de pecado mortal em um contexto profético. É importante notar que, em um sentido mais amplo, todo pecado pode ser considerado “mortal” porque todas as pessoas morrem como consequência de algum pecado.

Numerosos textos bíblicos afirmam a conexão entre pecado e morte. Expressões como “cada um morrerá por causa do seu pecado” (Números 27:3; Deuteronômios 24:16; 2 Reis 14:6) ou “por causa da sua transgressão” (Josué 22:20; Ezequiel 4:17 ; 7:13, 16; 18:17, 20; 33:6, 8, 9; Gênesis 19:15) enfatizam a inevitabilidade da morte para o pecador. Diz-se que o pecador “carrega seu pecado”, implicando em assumir a responsabilidade ou a culpa por suas ações (Gn 4:13; Êx 28:43; Lv 5:1, 17; Nm 9:13; Ez 14: 10).

No Novo Testamento, o pecado mortal é mencionado em passagens difíceis. Em 1 João 5:16, é feita uma distinção entre o pecado que não leva à morte e o pecado que leva à morte. Um exemplo que ilustra as consequências de certos pecados que levam à morte é encontrado no relato de Ananias e Safira em Atos 5:1–10.

O Novo Testamento também faz referência a um pecado eterno ou imperdoável conhecido como blasfêmia contra o Espírito Santo. Esse pecado é especificado em passagens dos Evangelhos Sinópticos (Marcos 3:28–29, Mateus 12:31–32, Lucas 12:10), bem como em Hebreus 6:4–6, 10:26–31 e em algumas interpretações de 1 João 5:16.

EXCURSO: Interpretações acerca 1 João 5:16-17

  • Distinção entre gravidade do pecado: Esta visão sugere que existem duas categorias de pecado. Pecados menores, “que não levam à morte”, podem ser perdoados por meio da oração. Contudo, um pecado mais grave, que leva à morte, é imperdoável. A natureza específica do pecado imperdoável não é mencionada por João.
  • Foco no arrependimento: Outra interpretação enfatiza o coração do pecador. Se o pecado leva a um coração endurecido e à rejeição do perdão de Deus, torna-se um pecado “até a morte”. Por outro lado, um pecado cometido por fraqueza, com desejo de arrependimento, não é um pecado que leva à morte.
  • Identificação incerta: Algumas interpretações reconhecem a existência de um pecado imperdoável, mas argumentam que os humanos não podem determinar quais pecados se enquadram nesta categoria. Portanto, devemos orar sempre pelo arrependimento do pecador, deixando o julgamento para Deus.
  • Interpretação simbólica: Uma visão menos comum sugere que “morte” é simbólica, referindo-se à morte espiritual ou separação de Deus. Todos os pecados levam a esta separação, mas através da fé e do arrependimento, a pessoa pode ser restaurada à comunhão com Deus.
  • Alusão a pecados puníveis com pena capital na Lei Mosaica: Embora a Torá descreva vários crimes puníveis com morte, é importante ter em mente os diferentes propósitos. A Lei Mosaica serviu como código legal para os israelitas, descrevendo as ofensas sociais e suas punições. 1 João, parte do Novo Testamento, concentra-se na fé cristã e no perdão. Além disso, a passagem de 1 João parece mais preocupada com o estado interno do pecador (arrependimento versus coração endurecido) do que com ações específicas. A Lei Mosaica, por outro lado, trata das ações externas e da manutenção da ordem dentro da comunidade israelita. Contudo, pode haver uma conexão a ser estabelecida em termos da gravidade do pecado. Algumas interpretações de 1 João usam as ofensas capitais da Lei Mosaica como forma de ilustrar a gravidade do “pecado que leva à morte”. A ideia é que este pecado seja tão grave, ou até mais grave, do que as transgressões puníveis com a morte na Lei Mosaica.

Pecado

O termo pecado, de acordo com os textos bíblicos, abrange uma variedade de conceitos e nuances profundamente enraizados na concepção moral hebraica e grega. O estudo sistemático sobre o pecado chama-se hamartiologia.

Na Bíblia Hebraica, existem cerca de 20 palavras diferentes que denotam “pecado”. Essa diversidade lexical sugere que os antigos israelitas tinham uma compreensão mais matizada do pecado do que o pensamento e a teologia ocidentais. No pensamento hebraico, o pecado tende a referir a atos omissivos ou comissivos específicos, ao invés de algo com sentido geral e abstrato ou a inclinação para fazer o mal.

Entre as palavras hebraicas usadas para transmitir a ideia de pecado, três são freqüentemente empregadas na Bíblia: ḥata, pesha e ʿavon. A palavra hebraica mais comum para “pecado” é חטאה (ḥata), que transmite o significado de “errar o alvo”. Este termo abrange tanto as falhas morais quanto as deficiências na ação. Por exemplo, em Juízes 20:16, é descrito que os atiradores de funda da tribo de Benjamim eram tão habilidosos que podiam “apontar para um fio de cabelo e não ḥait” (errar o alvo). Além disso, o termo hebraico ḥatah está associado a erros ou equívocos não intencionais, como evidenciado pela oferta de sacrifício conhecida como ḥatot, que é trazida para transgressões não intencionais (Levítico 4:1–5:13).

Outra palavra hebraica, ʿavon, denota transgressões deliberadas e conscientes contra uma norma ou pacto. Essas transgressões seriam caracterizadas pelos desejos de alguém prevalecendo sobre a obediência. Por outro lado, pesha refere-se a ofensas cometidas especificamente para a ofença alheia. Na Bíblia, esses termos hebraicos destacam a natureza multifacetada do pecado como uma rebelião deliberada contra os mandamentos de Deus.

Na língua grega, a palavra principal usada para pecado é “hamartia“, que deriva do mundo das competições de arco e flecha. Hamartia implica “errar o alvo” e não atingir o alvo pretendido, perdendo assim o prêmio ou bênção que o acompanha. Este abrangente termo grego para pecado aparece 221 vezes na Bíblia e abrange as outras seis palavras específicas para vários pecados. Hebreus 12:1 exemplifica o uso de hamartia, onde se refere ao “pecado (hamartia) que tão facilmente nos cerca”.

O grego também nos fornece outras palavras para pecado, cada uma enfatizando diferentes aspectos da transgressão. Estes incluem hettema, que significa “diminuir o que deveria ter sido dado em plena medida”; paraptoma, significando um deslize ou erro não intencional; agnoeema, denotando ignorância quando se deveria saber; parakoe, referindo-se à recusa em ouvir e atender à instrução certa ou divina; parábase, representando o cruzamento intencional de uma fronteira moral; e anomia e paranomia, que significam ilegalidade ou desobediência voluntária às regras estabelecidas. Essas nuances perdem-se nas traduções, como em 1 João 3:4: “Todo aquele que está fazendo a hamartia, a anomia também faz; e a hamartia é a anomia.”

À medida que esses conceitos foram traduzidos para o latim, eles assumiram a forma de vitium (falha ou defeito), scelus (má ação ou crime), concupiscentia (inclinação para o mal) e peccātum (falha ou erro). No entanto, os termos latinos não captavam totalmente a riqueza e a complexidade de seus equivalentes hebraicos e gregos. Enquanto os conceitos bíblicos de pecado enfatizavam as omissões e falhas em ser justo, os conceitos teológicos latinos se inclinavam mais para as comissões e a prática de atos ilícitos.

As teologias bíblicas sobre os pecados — especialmente por meio dos evangelhos sinóticos, do Evangelho de João e dos escritos de Paulo — ilustram diferentes ênfases e entendimentos do tema no período do Novo Testamento.

Nos sinóticos, o tema predominante é o perdão dos pecados. A mensagem de João Batista sobre o “batismo de arrependimento para o perdão dos pecados” (Mc 1:4; Lc 3:3) ressalta esse foco. Um exemplo ilustrativo aparece no relato da cura de um paralítico em Marcos 2, onde Jesus, ao testemunhar a fé das pessoas, declara: “Filho, os teus pecados estão perdoados.” Aqui, o pecado é sempre expresso no plural, enfatizando atos individuais em vez de uma abstração reificada singular. A erradicação do pecado e do mal é pelo ministério de Cristo, quer por seus ensinos, quer por seus milagres (notoriamente, pela cura). Notavelmente, o perdão dos pecados é oferecido mesmo antes da morte e ressurreição de Jesus.

No Evangelho de João, o pecado assume uma dimensão diferente. O termo é predominantemente usado no singular, sinalizando seu papel como uma força cósmica, em vez de um conjunto de transgressões individuais. Isso é evidente em João 1:29, onde João Batista proclama Jesus como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” A conexão entre o pecado e a obra de Cristo é destacada, retratando o pecado como uma condição universal abordada por meio de seu ato redentor.

Os escritos de Paulo, especialmente em Romanos, oferecem algumas das reflexões teológicas mais influentes sobre o pecado. Em Romanos 3:9, Paulo afirma que “todos estão sob o poder do pecado,” destacando seu aspecto universal e singular. O pecado, como descrito por Paulo, exerce um domínio universal sobre a humanidade—judeus e gregos igualmente—e é anulado exclusivamente pela obra de Cristo. Paulo também estabelece uma conexão tipológica entre Adão e Cristo em Romanos 5:12, interpretando a narrativa da queda em Gênesis 3 como tipo da pecaminosidade em contraste com a obediência fiel de Cristo. Em 1 Corítios 15, Paulo vincula o pecado à morte e contempla a possibilidade de redenção cósmica por meio de Cristo.

Na Bíblia, a noção de pecado se estende além das más ações individuais para abranger males sociais e estruturais. Às vezes, o termo Pecado até se refere a abstrações personificadas, conforme ilustrado por Paulo em várias passagens, como Romanos 5:12, 21; 6:12; 7:8-9, 11, 14, 20. Adicionalmente, o pecado na literatura joanina é um tema importante, mas a palavra quase sempre usada no singular e em um sentido abstrato. Por exemplo, quando João Batista diz sobre Jesus como “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1:29). No entanto, no sistema sacrificial mosaico, o cordeiro era a vítima da páscoa para marcar a aliança entre Deus e o povo, não uma oferta expiatória para pecados. Assim, o pecado nessa passagem possui uma dimensão cósmica, como a escuridão vencida pela luz, no caso Cordeiro que marca a a nova aliança sem pecado.

Entre essas perspectivas, emergem alguns temas centrais. A Bíblia aborda o pecado com frequência, apresentando-o de maneiras variadas, mesmo dentro do Novo Testamento. Enquanto os evangelhos sinóticos se concentram em transgressões individuais (pecados, no plural), João e Paulo veem o pecado (no singular) como uma força universal e cósmica. Todas essas visões correlacionam o pecado com a atividade redentora de Jesus—seu ministério nos sinóticos e sua morte e ressurreição em João e Paulo. Importante destacar que o pecado não é o foco central, mas serve como contraste para o evangelho da salvação, ressaltando o poder transformador da obra redentora de Cristo.

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Blasfêmia

Blasfêmia refere-se, de modo geral, a manifestações que tratam Deus de maneira irreverente ou demonstram desprezo por Seu nome. Em termos bíblicos, o conceito abrange tanto palavras quanto ações que insultam ou desonram a Deus. Os termos hebraicos frequentemente associados a esse comportamento incluem qalal, que significa “insultar”, “gadap”, traduzido como “difamar”, e herep, que indica “desprezar”. Blasfêmia, portanto, não se limita à expressão verbal, mas pode ser manifestada por atos que desafiam os mandamentos ou o caráter de Deus.

No Antigo Testamento, a blasfêmia é tratada com extrema gravidade. Em Levítico 24:10-16, determina-se a pena de morte para quem blasfemar o nome do Senhor, declarando que “aquele que blasfemar o nome do Senhor certamente será morto”. Essa punição reflete a seriedade de desonrar o nome divino, especialmente no contexto da comunidade do povo de Deus. Tal ato é considerado uma violação dos dez mandamentos, que enfatiza a santidade do nome de Deus. O caso de um homem que blasfemou no acampamento israelita ilustra essa gravidade. Foi apedrejado, indicando que tais transgressões não eram apenas ofensas pessoais, mas também ameaças à santidade coletiva da comunidade. Além disso, diferentes formas de blasfêmia são mencionadas nas Escrituras, incluindo aquelas que levam outros ao desprezo por Deus, como se observa no pecado de Davi com Bate-Seba.

No Novo Testamento, o tema da blasfêmia continua a ser abordado, mas há uma distinção significativa em relação ao perdão. Embora a maioria das formas de blasfêmia possam ser perdoadas, a blasfêmia contra o Espírito Santo é considerada imperdoável, conforme Mateus 12:31-32. Esse pecado específico envolve uma rejeição deliberada da graça divina e a atribuição de Suas obras a forças malignas, revelando um coração endurecido que recusa arrependimento. Os ensinamentos de Jesus destacam que, embora falar contra Ele possa ser perdoado, a rejeição persistente da ação do Espírito Santo indica uma condição espiritual mais profunda que impede o perdão.

Além de insultar diretamente o sagrado, a blasfêmia também engloba a apropriação de prerrogativas que pertencem exclusivamente a Deus. Um exemplo proeminente disso ocorre em Mateus 9:3, onde Jesus, ao perdoar os pecados de um paralítico, é acusado pelos escribas de blasfemar. A lógica deles era que apenas Deus tem o poder de perdoar pecados. Ao afirmar esse poder, Jesus estava, do ponto de vista deles, reivindicando um atributo divino, o que era considerado a essência da blasfêmia.

O livro de Apocalipse descreve aqueles que blasfemam contra Deus e seu nome, mesmo em face de terríveis pragas, como em Apocalipse 16:11. Eles permanecem impenitentes, reforçando a ideia de que a blasfêmia é uma manifestação de um coração endurecido e de uma rejeição consciente da autoridade e da soberania divinas.

Adultério

Adultério em seu sentido mais simples seria violar o compromisso matrimonial envolvendo-se com outra pessoa. Em sentido amplo, envolve descumprir o pacto matrimonal estabelecido pelo casal ou pela forma sancionada pela sociedade local.

O adultério é proibido nos Dez Mandamentos (Êxodo 20:12), que diz: “Não cometerás adultério”. Em Gênesis 20:9 o adultério é chamado de “o grande pecado”.

Em boa parte das sociedades do Antigo Oriente Próximo e no judaísmo rabínico é tradicionalmente interpretado adultério como relacionamento sexual entre um homem e uma mulher casada. No entanto, no Novo Testamento há uma interpretação expansiva para o adultério, tanto para os homens quanto para as mulheres, quando Jesus condena os homens por cobiçar outra mulher (Mt 5:32, 19:9).

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