Designação dadas a diversas doutrinas parônimas, correlatas, porém distintas no evangelicalismo angloamericano e no novo calvinismo.
Nas pregações de evangelismo popular norteamericano surgiu nos anos 1930 uma distinção entre “aceitar Jesus como Salvador” e “aceitar Jesus como Senhor”. Grosso modo, o primeiro seria dar um assentimento ou aceitar um conjuntos de crenças cristãs. O segundo, seria um comprometimento pessoal transformativo. Tal distinção viria causar confusões conceituais sobre o que seria a fé salvítica e sua relação com o discipulado, arrependimento e sujeição a Cristo.
SALVAÇÃO PELO SENHORIO NO EVANGELICALISMO: QUESTÃO DO DISCIPULADO
Nos anos 1950, em reação ao evangelismo de massa que demandava um mero assentimento (“aceitar Jesus”) para ser salvo, líderes evangelicais como John Stott e A. W. Tozer criticavam noções de graça barata. Com o termo Salvação pelo Senhorio demandavam que uma genuína conversão fosse demonstrada em um comprometimento com o evangelho. Assim, o discipulado e as transformações pessoais e frutos em relação com a criação seriam importantes na economia de salvação.
O debate entre o professor de Novo Testamento do Fuller Seminary Everett F. Harrison e John R. Stott em 1959 marcou o início de um consenso no qual o discipulado seria uma parte importante na vida cristã, mas não meio ou condição para a salvação.
Com base nesse consenso e na traduções de obras como O custo do discipulado de Bonhoeffer (1966) e O Discípulo de Juan Carlos Ortiz (1975), cresceu a orientação de que o evangelho deveria ser proclamado em sua forma integral. Daí emergiram o Movimento de Lausana (1974), o Movimento de Missão Integral e os movimentos de discipulados em pequenos grupos.
SALVAÇÃO PELO SENHORIO NO NOVO CALVINISMO: ARREPENDIMENTO E SUJEIÇÃO
A controvérsia da Salvação pelo Senhorio ocorre entre evangelicals e novos calvinistas americanos sobre a natureza da salvação e o papel da fé e das obras no processo de salvação. O debate gira em torno da questão de saber se um verdadeiro crente deve ou não necessariamente demonstrar um compromisso com o senhorio de Jesus Cristo para ser salvo. Os proponentes da Salvação pelo Senhorio pressupõe:
- Uma definição de fé salvítica como a soma da (1) confiança em Cristo como Salvador; (2) do arrependimento (convencionado como uma mudança de coração que resulta no abandono do pecado); e (3) do compromisso com Cristo como Senhor.
- Distinção entre Cristo como Salvador e Cristo como Senhor.
Os defensores da salvação pelo Senhorio argumentam que a verdadeira fé envolve necessariamente uma disposição de se submeter a Jesus Cristo como Senhor e que uma pessoa não pode ser verdadeiramente salva se não estiver comprometida em segui-lo. Em contraste, os oponentes da Salvação pelo Senhorio argumentam que somente a fé é suficiente para a salvação e que as obras não são necessárias para demonstrar a verdadeira fé.
A controvérsia foi alimentada pela publicação de vários livros influentes sobre o assunto, por John MacArthur e Charles Ryrie. Outros proponentes proeminentes da Salvação pelo Senhorio incluem J.I. Packer, R. C. Sproul e James Montgomery Boice.
Os oponentes da Salvação pelo Senhorio incluem autores como Zane Hodges, Charles Stanley e Tony Evans, que argumentam que a doutrina da Salvação pelo Senhorio mina a suficiência da fé e mina a certeza da salvação que os crentes podem ter por meio da fé em Cristo. Esses oponentes são chamadoe de Graça Livre e concentravam-se em torno do Dallas Theological Seminary.
SUJEIÇÃO AO SENHORIO COMO PARTICIPAÇÃO NA ALIANÇA
Uma acepção do conceito de salvação pelo Senhorio aparece em um curto artigo do teólogo e bibliotecário John Bollier em 1954. Como na Nova Perspectiva sobre Paulo, considera a salvação como participação no relacionamento de aliança com Deus.
Em uma crítica à teoria forense de justificação como uma mera ficção legal, Bollier argumenta que Deus espera que as pessoas sejam justas, reconheça a soberania de Deus e se submeta ao seu senhorio de Deus. Desde a Antiga Aliança, quanto na Nova Aliança, Deus graciosamente oferece a fé para a humanidade reconhecê-lo como seu Senhor. A fé seria a resposta humana apropriada à auto-revelação de Deus. A fé é justiça, pois é a maneira para se cumprir a obrigação da aliança para com Deus dentro desse pacto. Assim, a justiça de Deus tem um aspecto transcendente e também um aspecto imanente, pois a pessoa é diretamente afetada pela manifestação dessa justiça.
A perspectiva de Bollier é uma de um autor bem informado dos sentidos bíblicos de aliança, com base nas descobertas arqueológicas e avanços na filologia. Embora raramente citado, ou citado marginalmente, essa perspectiva ganhou novas formulações nas soteriologias da Visão Federal e na Nova Perspectiva sobre Paulo.
UMA AVALIAÇÃO
Em comum com as soteriologias transformativas (como Wesleyanismo, Keswickianismo, fé salvadora sempre produz uma vida transformada.
A doutrina da salvação pelo Senhorio ensina que a salvação não é simplesmente uma questão de aceitar Jesus como Salvador pessoal, mas também envolve uma transformação do caráter e modo de vida do indivíduo. Diz-se que essa transformação é evidenciada por boas obras e uma vida de obediência aos mandamentos de Deus.
Os críticos da salvação pelo Senhorio argumentam que ela coloca muita ênfase nas obras humanas e não o suficiente na graça de Deus, e que pode levar ao legalismo e ao julgamento. Os defensores da doutrina, no entanto, sustentam que a verdadeira fé em Cristo leva necessariamente a uma vida transformada e que a doutrina simplesmente enfatiza o chamado bíblico para seguir a Cristo como Senhor.
BIBLIOGRAFIA
Bonhoeffer, Dietrich. The Cost of Discipleship. New York: Macmillan, 1966.
Harrison, Everett F., Stott, John R. “Must Christ Be Lord To Be
Savior?” Eternity 10, no. 9 (1959): 13-18.
Ketcham, Donald Louis. The lordship salvation debate: its nature, causes, and significance. Dissertação doutoral em teologia. Waco: Baylor University, 1995.
MacArthur, John Faith Works: The Gospel according to the Apostles (Dallas: Word, 1993), 121.
Ortiz, Juan Carlo. El Discipulo. Buenos Aires, 1975.
Ramos, Enrique, and Iglesia del Centro. “A Non-Legalistic Doctrine of Sanctification: Refuting Recent Controversy in the Reformed Church.”
Storms, S. 2006. The Lordship Salvation Debate. Enjoying God Ministries.
http://www.enjoyinggodministries.com/article/the-lordship-salvation-debate/
Temple, C.N. Lordship Salvation: Is it Biblical? A Study of the Lordship Salvation
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Tozer, A. W. I call it heresy. Harrisburg, PA: Christian Publciations, 1974.
Uma consideração sobre “Salvação pelo Senhorio”