Ablução

A ablução, ou o ato de lavar-se, possui um significado simbólico e ritual significativo na Bíblia, representando tanto a purificação física quanto a espiritual.

No Antigo Testamento, a ablução está ligada às práticas sacerdotais e rituais de purificação. Os sacerdotes, por exemplo, eram obrigados a lavar as mãos e os pés antes de se aproximarem do altar para oferecer sacrifícios (Êxodo 30:17-21), simbolizando a necessidade de pureza e santidade ao se apresentar diante de Deus. Além disso, havia as abluções levíticas, rituais específicos exigiam lavagens para purificação após o parto, a menstruação, o contato com cadáveres ou determinadas doenças (Levítico 11-15). Essas práticas reforçavam a separação entre o sagrado e o profano na vida do povo de Israel. A ablução também era empregada como metáfora pelos profetas, representando o arrependimento e o afastamento do pecado, como exemplificado em Isaías 1:16 e no Salmo 51:2.

No período do Segundo Templo, a ablução assume um papel central na figura do batismo e em outros eventos simbólicos. João Batista, precursor de Jesus, utilizava o ritual de lavagem como sinal de arrependimento, preparando o caminho para a chegada do Messias (Mateus 3:1-6). O batismo cristão, embora distinto das práticas de ablução ritual, carrega simbolismos de purificação do pecado e renovação espiritual em Cristo. Outro momento significativo é o episódio em que Jesus lava os pés dos discípulos (João 13:1-17), um gesto de humildade e serviço que também transmite a ideia de purificação espiritual e preparação para a comunhão com Ele.

O Novo Testamento também enfatiza a purificação interior como essencial, destacando que a limpeza espiritual ocorre por meio da fé em Jesus Cristo. Textos como Hebreus 10:22 e 1 João 1:7-9 sublinham a importância de ser purificado do pecado pelo sacrifício e pelo sangue de Cristo, em contraste com as práticas externas.

Fides Infantum e Fides Infusa

Fides Infantum e Fides Infusa são conceitos da teologia magisterial sobre a fé, especialmente no contexto do batismo, da vida espiritual das crianças e da natureza da graça divina. Essas ideias foram moldadas por Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio. Essas doutrinas discorrem como a fé é percebida em relação aos infantes e à vida cristã em geral.

Fides Infantum (Fé dos Infantes)

Fides Infantum, ou a fé dos infantes, refere-se ao conceito teológico que aborda o estado espiritual dos infantes, particularmente em relação ao batismo e à salvação. Propõe a discutir como os infantes, que ainda não podem crer conscientemente, podem ser receptores da fé e da salvação.

  1. Agostinho de Hipona: Agostinho foi fundamental no desenvolvimento da ideia de fides aliena, que se refere à fé de outros—tipicamente dos pais ou da Igreja—sendo aplicada aos infantes durante o batismo. Esse conceito lançou as bases para entender como os infantes poderiam receber a fé de maneira vicária, apesar de sua incapacidade de crer conscientemente. A ênfase de Agostinho no pecado original tornava o batismo infantil essencial para a salvação, uma vez que ele postulava que, sem o batismo, mesmo os infantes seriam excluídos da visão beatífica de Deus.
  2. O Destino dos Infantes Não Batizados: No contexto de fides infantum, o destino dos infantes não batizados tem sido um tema de debate teológico:
    • Limbo: Tradicionalmente, a Igreja Católica ensinava que infantes não batizados iriam para o limbo, um estado de felicidade natural, porém sem a visão beatífica de Deus. O limbo não era considerado um lugar de sofrimento, mas sim uma forma de exclusão da plenitude da comunhão com Deus.
    • Batismo de Desejo e Fé Parental: Alguns teólogos, influenciados pela ideia de fides aliena, argumentaram que a fé dos pais ou da Igreja poderia, de alguma forma, bastar para o infante. Outros propuseram o conceito de batismo de desejo, sugerindo que a misericórdia de Deus poderia estender a salvação a esses infantes por meio de um desejo implícito pelo batismo.
  3. Perspectivas Protestantes: Durante a Reforma, figuras como Martinho Lutero e Ulrico Zuínglio engajaram-se com o conceito de fides infantum no contexto do batismo infantil:
    • Martinho Lutero: Lutero argumentava que os infantes poderiam possuir sua própria fé, concedida por Deus, no momento do batismo. Ele enfatizava a importância da ação de Deus nos sacramentos, sugerindo que mesmo os infantes poderiam receber o dom da fé, alinhando-se com sua crença na salvação pela fé somente.
    • Ulrico Zuínglio: Zuínglio divergia de Lutero e dos ensinamentos católicos, vendo o batismo mais como um ato simbólico de inclusão na comunidade do que uma concessão de fé. Ele questionava a necessidade do batismo infantil para a salvação, argumentando que a fé não estava vinculada ao sacramento em si.

Fides Infusa (Fé Infusa)

Fides Infusa refere-se ao conceito de fé infusa, um dom sobrenatural de Deus que permite à pessoa acreditar nas verdades da fé cristã. Essa ideia é central para a teologia católica, particularmente no âmbito do pensamento escolástico.

  1. Tomás de Aquino e a Fé Infusa: Tomás de Aquino foi instrumental na articulação da doutrina de fides infusa. Segundo Aquino, a fé infusa é distinta da fé adquirida, que vem por meio do raciocínio humano e do estudo. A fé infusa é um dom divino dado no batismo que santifica a alma, permitindo que ela compreenda e consinta às verdades sobrenaturais.
    • Graça Santificante: Aquino ensinava que a fé infusa faz parte da graça santificante, que inclui as virtudes teológicas da fé, esperança e caridade. Essa graça não é merecida pelo esforço humano, mas é concedida gratuitamente por Deus como fundamento para a vida espiritual e o início da jornada para a salvação.
    • Necessidade para a Salvação: Na doutrina católica, fides infusa é necessária para a salvação, pois permite que os crentes sustentem as verdades divinas com certeza. Aquino enfatizava que essa fé não é simplesmente um assentimento intelectual, mas uma virtude infundida por Deus que orienta a alma em direção a Ele.
  2. Comparação com a Fé Adquirida: A fé infusa contrasta nitidamente com a fé adquirida, que resulta do estudo, da reflexão e do processo humano natural de aprendizado. Embora a fé adquirida possa levar à compreensão, ela é insuficiente para a salvação sem a graça infusa que transforma e eleva a natureza humana para participar do divino.

Influência na Doutrina Católica

O conceito de fides infusa é afirmado nos ensinamentos católicos e continua sendo um alicerce da compreensão da fé e da graça pela Igreja. O Concílio de Trento (1545–1563), que abordou muitas questões levantadas durante a Reforma Protestante, reforçou a importância da graça infusa e da fé no processo de justificação e salvação. A teologia católica continua a ver fides infusa como um elemento fundamental da vida cristã, capacitando os fiéis a aceitar e viver de acordo com as verdades divinas.

Perspectiva do batismo dos crentes

Os defensores do batismo dos crentes argumentam que o batismo só deve ser administrado àqueles que podem professar conscientemente a sua fé em Jesus Cristo. Esta perspectiva rejeita inerentemente os conceitos de fides infantum e fides infusa, uma vez que não reconhecem as crianças como capazes de ter fé ou de compreender o significado do baptismo.

A rejeição da fides infusa alinha-se com a crença de que a fé não é algo que pode ser transmitido ou infundido; antes, é uma resposta pessoal à revelação de Deus. Esta visão enfatiza uma compreensão relacional da fé, onde os indivíduos devem envolver-se ativamente com a sua crença, em vez de confiar na fé de outros (como os pais ou a igreja).

Ordenanças

As ordenanças são práticas ritualísticas de obediência ao evangelho estabelecidas por Jesus Cristo durante Seu ministério terreno. São tradicionalmente compreendidas como o batismo em água e a Santa Ceia do Senhor. Em algumas tradições teológicas, as ordenanças são vistas como alternativas ou sinônimos dos meios de graça ou dos sacramentos, embora com implicações teológicas distintas.

Natureza e Propósito

As ordenanças são geralmente interpretadas como atos simbólicos que demonstram a fé do participante e sua aliança com Deus. Diferentemente de perspectivas sacramentais, que frequentemente atribuem uma eficácia espiritual direta a esses rituais, a compreensão das ordenanças nas tradições protestantes enfatiza seu caráter representativo e memorial, sem eficácia ex opere operato.

Meios de Graça

O conceito de meios de graça, próximo das ordenanças em certas tradições, refere-se aos instrumentos pelos quais os cristãos experimentam a atuação do Espírito Santo em suas vidas. Os meios de graça abrangem práticas como a pregação da Palavra, oração e os sacramentos. Na teologia reformada e luterana, o batismo e a Ceia do Senhor são considerados meios principais de graça, enquanto o metodismo, influenciado por John Wesley, inclui uma ampla gama de práticas individuais e comunitárias como meios de graça, como obras de piedade e misericórdia.

Ordenança versus Sacramento

O termo sacramento deriva do latim sacramentum, originalmente um juramento de fidelidade. Na teologia cristã, os sacramentos são compreendidos como rituais visíveis que manifestam a graça divina de forma tangível. Por outro lado, as tradições que preferem o termo “ordenança” destacam o caráter simbólico e memorial dos rituais. A escolha entre sacramento e ordenança frequentemente reflete divergências teológicas sobre o papel desses atos na vida cristã.

Enquanto a perspectiva sacramental atribui uma eficácia espiritual intrínseca aos rituais, a visão das ordenanças sublinha a resposta humana em fé e obediência. Contudo, ambas as abordagens reconhecem o papel central desses rituais na vida comunitária e espiritual dos cristãos.

Fórmula batismal

A fórmula batismal refere-se às palavras empregadas e a autoridade invocada no ato do batismo cristão.

Nos judaísmos do Segundo Templo e da Antiguidade Tardia, o batismo também era empregado como rito iniciático dos prosélitos convertidos. Porém, era algo impensável invocar a autoridade de alguém (um rabino ou um sacerdote) para tal ato, sendo ministrado somente sob a autoridade (em nome de) divina.

Na língua original do Novo Testamento, o grego, o uso da autoridade – o nome – possui nuances definidas principalmente pela regência das preposições que se perdem na tradução ao português. Por essa razão, há variações de sentidos da frase “em nome de” conforme diferentes contextos do Novo Testamento:

Mateus 28:19 eis to onoma: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Também em Atos 8:16; 19:5.

Esta construção gramatical (eis + acusativo) frequentemente indica uma transição, ou seja, um movimento para dentro, uma indicação de propósito, uma inserção dentro de um domínio.

Atos 2:38 epi to onomati: “E [disse]-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”.

Esta construção gramatical (epi + dativo) apresenta algumas dificuldades de compreensão. Normalmente é entendida como um ato baseado sobre autoridade de outrem; ato acerca de algo já revelado; ou invocação, chamar pelo nome. (At 22:16; Rm 10:9, 13). Foi “acerca desse nome” que os primeiros discípulos proclamaram o evangelho com audácia (At 4:17-18; 5:28, 40).

Atos 10:48 en to onomati: “Então ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Depois pediram a Pedro que ficasse com eles alguns dias”.

Esta construção en + dativo é para os que já estão sob a autoridade, em contraste com aqueles que estão entrando (eis) sob a autoridade de alguém. Exemplos incluem os primeiros cristãos expulsarem demônios em nome de Jesus (en to onomati) (Mc 9:38; Lc 10:170) ou os profetas falarem em nome do Senhor (Tg 5:10,14).


A História do Cristianismo atesta que fluidez no uso das fórmulas batismais na Igreja primitiva e durante o primeiro milênio.

O batismo “em nome de Jesus” de Atos 2 aparentemente foi a fórmula mais amplamente praticada, embora a fórmula batismal encontrada em Mateus 28 é confirmada pela Didachê.

Uma fórmula credal interrogativa para o batismo foi usada nos primeiros séculos, seguida de uma imersão após cada questão. Entre cristãos do oriente, uma forma passiva “seja batizado” ou “és batizado” era preferida. No ocidente a fórmula com o celebrante na voz ativa passou a ser comum.

Whitaker (1965) argumenta que essas variantes fundiram-se em duas vertentes. Uma ocidental e credal e outra “síria” na voz ativa e baseada em Mt 28. Com o tempo, a versão síria popularizou-se, embora o uso da fórmula de At 2 continuasse a ser praticada.

Tomás de Aquino ensinou que palavras da fórmula batismal poderiam variar, mas não alteravam os efeitos materiais do batismo.

Como meio de evitar controvérsias e para uma conformidade bíblica, fórmulas combinadas de Atos 2 e Mateus 28 aparecem entre os morávios, luteranos e igrejas livres escandinavas, entre movimento dos irmãos, alguns do movimento de santidade, sendo adotada por Charles Parham e pela Congregação Cristã no Brasil.

Entre 1913-1916 surgiu uma controvérsia sobre a fórmula batismal entre os pentecostais. Um grupo argumentava que somente em nome de Jesus (At 2) seria válido. A partir daí nasceu o pentecostalismo unicista. A quase totalidade dos pentecostais trinitários adotaram a fórmula de Mateus 28, enquanto alguns grupos retiveram a fórmula combinada.

BIBLIOGRAFIA

Bell, E.N.“The ‘Acts’ on Baptism in Christ’s Name Only,” Weekly Evangel (June 12, 1915).

Ironside, Harry. Baptism: What Saith the Scripture?. Fruitvale, CA. 1915.

Hellholm, David, Christer Hellholm, Øyvind Norderval, and Tor Vegge. Ablution, Initiation, and Baptism. 1. Aufl. ed. Vol. 176. Beihefte Zur Zeitschrift Fur Die Neutestamentliche Wissenschaft. Berlin/Boston: Walter De Gruyter GmbHKG, 2011.

Heitmüller, Wilhelm. Im Namen Jesu: eine sprach-u. religionsgeschichtliche Untersuchung zum Neuen Testament, speziell zur altchristlichen Taufe. Vol. 1. Vandenhoeck & Ruprecht, 1903.

Whitaker, Edward C. “The History of the Baptismal Formula.” The Journal of Ecclesiastical History 16.1 (1965): 1-12.

Batismo

O batismo, do grego Koinē βάπτισμα, geralmente significando “imersão”, é uma prática ritual cristã. Jesus Cristo ressurreto comissionou seus apóstolos a administrar o batismo na Grande Comissão (Mt 28:19, 20).

No período asmoneu propagou-se entre os judeus a prática de repetidas abluções para purificação ritual. Tais lavagens resultaram em construção de tanques (mikvé) ou uso de água corrente. Foi nesse sentido que o batismo de João e os batismos da comunidade de Qumran eram praticados.

No Novo Testamento o batismo cristão está associado ao perdão dos pecados (At 2:38; 22:16); união com Cristo (Gl 3:26; Rm 6:3-5); a recepção do Espírito Santo (At 2:38); e integração como membro do corpo de Cristo (Igreja) (1 Co 12:13).

Teologicamente, é considerado na tradição das igrejas livres como ato de obediência e testemunho público da conversão interior operada por graça.

Em conformidade com a raiz léxica de βαπτίζω, “mergulhar” ou “imergir” e com as exegeses acerca do batismo de João e dos apóstolos foi por imersão (cf. João 3:23; Atos 8:36-38), bem como testemunhos patrísticos (Didaquê 7) o modo por imersão tende a ser preferido entre denominações que praticam o batismo dos crentes, ou seja, com idade consciente e voluntariamente.

Discussões sobre a validade de outros modos (aspersão), consentimento (batismo infantil, batismo forçado), significado (batismo como aliança, batismo como símbolo, batismo como causa ou efeito regenerativo) e fórmula batismal permeiam a teologia cristã.

BIBLIOGRAFIA

Hellholm, David, Christer Hellholm, Øyvind Norderval, and Tor Vegge. Ablution, Initiation, and Baptism. 1. Aufl. ed. Vol. 176. Beihefte Zur Zeitschrift Fur Die Neutestamentliche Wissenschaft. Berlin/Boston: Walter De Gruyter GmbHKG, 2011.