Bíblia, suporte textual

A Bíblia foi escrita diversos suportes materiais ao longo do tempo.

Um dos primeiros materiais utilizados para escrever a Bíblia foi em superfícies sólidas, como a pedra. Na antiguidade, era comum gravar leis e outras informações importantes em pedras, como pode ser visto em Jó 19:23-24 e Js 8:32. Além da pedra, também foram utilizados materiais mais simples, como a óstraca — conchas, cacos de pedra e fragmentos de cerâmica —onde se escrevia com tinta ou riscava-se sobre a superfície lisa. Esses materiais eram comuns na época em que a Bíblia foi escrita e podem ser vistos em textos como Jr 17:13 e Ez 4:1. O estudo desses escritos é pela epigráfica.

O registro em suporte material flexível inclui o papiro e o pergaminho.

O junco ou papiro era uma planta multiuso nativa do Egito, utilizada para folhas escritas, roupas e barcos (cf. Ex 2:3; Is 18:2). Era comercializado pelos fenícios de Biblos (Is 23:3), de onde veio o termo biblos “rolo” e depois “Bíblia”. Durava cerca de 30 anos de uso, mas o clima seco do Egito permitiu a sobrevivência excepcional de vários papiros. Era um dos mais versáteis e baratos materiais para a escrita. “Peguei o livrinho (biblaridion) da mão do anjo e o comi. Em minha boca, era doce como mel, mas, quando o engoli, tornou-se amargo em meu estômago”. Ap 10:10

Outro material foi o pergaminho. O pergaminho (latim membrana) é um couro finíssimo e curtido, popularizado a partir do século III a.C. Às vezes eram raspados e reutilizados: os palimpsestos. “Quando vier, não se esqueça de trazer a capa que deixei com Carpo, em Trôade. Traga também meus livros e especialmente meus pergaminhos.” 2 Tm 4:13

Mais tarde foi utilizado o papel. O material surgiu na China por volta do ano 200 a.C. e produzido em massa a partir das melhorias de Cai Lun. No século VIII a produção chega a Damasco e a partir do século XII tornam-se mais comuns manuscritos da Bíblia em papel. O manuscrito mais antigo nesse suporte é uma bíblia armênia data de 1121. A Bíblia de Gutenberg teve 135 exemplares impressos em papel e 45 impresso em velo (um tipo de pergaminho). A partir do século XVI o papel passou a ser mais utilizado que o pergaminho para a confecção da Bíblia.

Com o advento da tecnologia, também surgiram suportes materiais digitais para a Bíblia. Em 1957, John Ellison criou a primeira concordância gerada por computador do mundo, e a partir dos anos 1980 surgiram as primeiras Bíblias em formato digital no mercado. Em 2008, o aplicativo YourVersion popularizou a Bíblia para celulares, e suas ferramentas de anotação e compartilhamento a transformaram em uma rede social de leitura coletiva.

Embora os suportes materiais tenham mudado ao longo do tempo, a recitação oral era o ideal para a fixação do texto na memória. A escrita em suporte material era secundária e auxiliar, conforme podemos ver em textos como 2 Co 3:3 e Sl 78:2-4. “Escrever no coração” é um idiomatismo presente mesmo no português: o verbo decorar. Cf. Êx 13:8-9, 14-16; Dt 6:20-23; Pv 3:3; 7:3; 25:1; Jr 17:1; 25:3,7-8.

Johann von Hofmann

Johann Christian Konrad von Hofmann (1810-1877) foi um teólogo, historiador e biblista luterano alemão. Foi expoente do neoluteranismo ou a escola de Erlangen, um movimento teologicamente conservador.

Filho de pais aderentes ao Avivamento Continental que emergiu do pietismo suábio de Johann Albrecht Bengel, teve uma educação humanística e científica. Lecionou nas universidades de Friedrich-Alexander- Erlangen-Nuremberg e de Universidade de Rostock.

O trabalho de Von Hofmann sobre hermenêutica bíblica enfatizou a importância de entender o contexto histórico e cultural dos textos bíblicos. Treinado na historiografia de Leopold von Ranke, que o significado da Bíblia só poderia ser totalmente compreendido pela compreensão do contexto em que foi escrita, incluindo o idioma, a cultura e o contexto histórico. Também enfatizou a importância de interpretar a Bíblia como um todo coerente, com cada parte contribuindo para a história geral da salvação. Como teórico da hermenêutica, antecede Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Rudolf Bultmann e Paul Ricoeur quando situa as historicidades da linguagem e do intérprete bíblico. Em sua abordagem, antecede a crítica canônica.

A compreensão de Von Hofmann da Bíblia como “Heilsgeschichte” ou “história da salvação” enfatizou a continuidade da obra salvadora de Deus ao longo da história, desde a criação até a redenção. A profecia não é primordialmente uma previsão de eventos futuros, mas a própria história na forma da palavra. Os fatos da história sagrada, a proclamação profética que deles surgiu e seu cumprimento no futuro são obra de um único e mesmo Espírito Santo e, portanto, um com o outro. No entanto, esposava um dispensacionalismo de duas fases: a Lei e o Evangelho. Considerando a inspiração das Escrituras localizada em sua totalidade narrativa, via a Bíblia como uma história unificada do plano de Deus para salvar a humanidade por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo. Assim, dispensou modelos de inspiração atomística, como a inspiração do ditado ou das palavras.

A compreensão de Von Hofmann sobre a expiação enfatizou a centralidade da morte e ressurreição de Cristo como meio de salvação. A expiação seria como um evento único e irrepetível, no qual Cristo cumpriu todas as expectativas proféticas do plano de salvação. A exigência de satisfação ou de um pagamento do pecado pertencia à economia da Lei. Portanto, na graça é incorente conceber a expiação de Cristo por teorias de sastifação, forenses ou vicárias. Antes, pelo amor de Deus na graça, Cristo proporciona comunhão com Deus para alcançar o destino original do ser humano na história de Salvação.

Contribuiu para renovação da teologia trinitária quando apontou a importância de entender a natureza trina de Deus como um aspecto chave da história da salvação. O Pai, o Filho e o Espírito Santo trabalhando juntos em harmonia para realizar o plano de salvação de Deus, com cada pessoa da Trindade desempenhando um papel único no processo. A soteriologia trinitária de Hoffmann antecede os modelos pentecostais clássicos (Durham, Francescon) e contemporâneos (Macchia, Yong, Vondey) de doutrina de salvação cooperativa entre as pessoas divinas.

Ainda que pouco lembrando, foi influente nos pensamentos de Oscar Cullmann, Wolfhart Pannenberg, Gustaf Aulén e Gerhard Forde.

BIBLIOGRAFIA

Becker, Matthew L. The self-giving God and salvation history: The Trinitarian theology of Johannes von Hofmann. A&C Black, 2004.

Becker, Matthew. Appreciating Johannes von Hofmann. The Day Star Journal: Gospel Voices in and for the Lutheran Church–Missouri Synod. 2013.

Hofmann, J. Schutzschriften fur eine neue Weise, alle Wahr heit zu lehren (1856-59).

Gustaf Wingren

Gustaf Wingren (1910-2000) foi um teólogo luterano sueco que fez contribuições significativas nos campos da ética cristã e da interpretação bíblica. Ele estudou na Universidade de Uppsala e mais tarde tornou-se professor de teologia sistemática na Universidade de Lund.

Sua principal obra “The Living Word” é uma exploração teológica da natureza da Palavra de Deus conforme revelada na Bíblia. O principal argumento do livro é que a palavra de Deus não é um texto estático e fixo, mas uma força dinâmica e viva que continua a falar conosco hoje. Wingren argumenta que a Bíblia é uma coleção de textos que foram moldados pelas experiências das pessoas que os escreveram e que esses textos podem ser lidos de novas maneiras em cada geração.

O livro é dividido em três partes. A primeira parte é uma discussão sobre a natureza da palavra de Deus e sua relação com a linguagem humana. Wingren argumenta que a palavra de Deus não é limitada pela linguagem humana, mas a transcende. Ele também examina as maneiras pelas quais a linguagem humana pode ser usada para expressar o divino.

A segunda parte do livro é um estudo da Bíblia como um texto vivo. Wingren explora a história da interpretação bíblica, mostrando como diferentes gerações abordaram a Bíblia de maneiras diferentes. Ele argumenta que a Bíblia é um texto que nunca pode ser totalmente compreendido ou esgotado, e que continua a revelar novas verdades para nós hoje.

A terceira parte do livro é uma discussão das implicações práticas da palavra viva. Wingren argumenta que a Bíblia não é apenas um livro de teologia, mas um guia para viver uma vida cristã. Ele mostra como a palavra viva pode informar nossas decisões morais e nossos relacionamentos com os outros.

A recepção de “The Living Word” tem sido amplamente positiva. O livro foi elogiado por sua abordagem inovadora à interpretação bíblica e sua ênfase na natureza viva da palavra de Deus. Alguns críticos argumentaram que a abordagem de Wingren é muito subjetiva e minimiza o contexto histórico da Bíblia.

BIBLIOGRAFIA

Wingren, Gustaf. The living word : a theological study of preaching and the church. Muhlenberg., 1949.

Amando Polano

Amandus Polanus von Polansdorf (1561-1610) foi um teólogo reformado suíço-alemão e professor de teologia na Universidade de Basel. Sua obra mais notável é o “Syntagma Theologiae Christianae” (1609), que apresenta uma teologia sistemática da tradição reformada. Fez uma tradução alemã da Bíblia, mas alinhada à teologia calvinista.

Polano insistia na inspiração total da Bíblia, até dos sinais de pontuação.

Carlos Mesters

Frei Carlos Mesters (nome de nascimento Jacobus Gerardus Hubertus Mesters) (1931-2021) é um biblista e teólogo holandês-brasileiro, reponsável pelo Leitura Popular da Bíblia (LPB).

Mester veio ao Brasil como missionário em 1948. Tornou-se frade carmelita e estudou em instituições católicas no Brasil, em Roma e Jerusalém. Voltou ao Brasil em 1968, lecionando e promovendo estudos acadêmicos da Bíblia. Mais tarde, dedicou-se à popularização das Escrituras, organizando círculos de leitura popular, dos quais emergiu o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos).

A hermenêutica de Mesters revolve em torno de cinco temas. A a Bíblia é lida pela perspectiva do povo e mesmo dentro dela apresenta um povo leitor das Escrituras. Isso implica na legitimidade da leitura popular ou vivida, quer no cotidiano, quer na liturgia das leituras populares, em contraposição a uma exclusiva legitimidade de leitura acadêmica ou teológica. As Escrituras são um espelho da vida. Deus permite conhecer melhor a realidade e seus apelos mediante as Escrituras. Portanto, interpretar a Bíblia não é um fim em si mesmo, mas interpretação a vida por meio dela. A Bíblia é um livro escrito pelo povo mediante tradições e memórias populares e destinada para o povo. O povo lê a Bíblia com fé que Deus fala pelas Escrituras e sem essa fé não há luz para penetrar no sentido de suas páginas. A Bíblia move para um engajamento com os oprimidos . A mensagem da Bíblia provoca a transformação da vida.

A cooperação dos três elementos Realidade (social) – Comunidade – Bíblia ajudam a fazer a interpretação correta.

BIBLIOGRAFIA

Rodrigues, Rafael. “Frei Carlos Mesters: uma Vida dedicada à Leitura Popular da Bíblia e aos pobres.”CEBI, 2020.

MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Um estudo sobre a porta de entrada no mundo da Bíblia. 8ª. edição, Petrópolis: Vozes, 1998.

MESTERS, Carlos. Flor sem defesa: uma explicação da Bíblia a partir do povo. Petrópolis:  Vozes, 1983.

MESTERS, Carlos. Balanço de 20 anos. A Bíblia lida pelo povo na atual renovação da Igreja Católica no Brasil (1964-1984). São Leopoldo: CEBI, 1988.

MESTERS, Carlos. O Projeto Palavra-Vida e a leitura fiel da Bíblia de acordo com a tradição e o magistério da Igreja. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, nº 3, Petrópolis: Vozes, São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Imprensa Metodista, 1989, p.90-104.

Was Christum Treibet

Lucas Chranach, o velho. Pintura do altar de Wittenberg

A frase alemã was Christum treibet, “o que promove Cristo”, indica um princípio hermenêutico de Lutero.

A frase vem do prólogo de Lutero às Epístolas de Tiago e Judas, na sua edição alemã do Novo Testamento (1522):

E nisto todos os livros sagrados justos concordam, que todos pregam e praticam Cristo, e esse é o verdadeiro teste de censurar todos os livros, quer praticam Cristo ou não, pois toda a Escritura mostra Cristo, Romanos 3 e Paulo não quer saber nada mas Cristo 1 Cor. 2. O que Cristo não ensina não é apostólico, ainda que Pedro ou Paulo o ensinem. Novamente, o que Cristo prega é apostólico, mesmo que Judas, Anás, Pilatos e Herodes o tenham feito”.

As implicações desse princípio afetam no conceito de canonicidade, na interpretação bíblica e na homilética luteranas.

A tradição evangélica luterana nunca oficialmente fez um cânone das Escrituras. Nem seria necessário. Por esse princípio, tudo o que aponta para Cristo nas Escrituras hebraicas seriam canônicos e tudo que testificam o ministério de Cristo dentre os escritos apostólicos seria canônico. Em razão disso, Lutero questionou a canonicidade de Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse — os Antilegômenos de Lutero– ainda que os traduzisse e inserisse em seu Novo Testamento.

Quanto à interpretação, essa chave hermenêutica cristocêntrica poupou o luteranismo de muitas controvérsias teológicas. Isso porque passou ser uma hermenêutica centrada na totalidade da mensagem, não em detalhes. Consequentemente, o luteranismo mantém os mesmos documentos confessionais desde o século XVI: o livro de Concórdia.

Lutero entendia que a pregação deveria ser fundamentada nas Escrituras, apontando para Cristo e voltada para o povo. Pregar seria colocar as pessoas em contato com a mensagem de salvação em Jesus Cristo testemunhada pelas Escrituras.

BIBLIOGRAFIA

Jacobson, Diane. “What Lutherans Think About the Bible. Here We Stand — Between Fundamentalism and Secularism”. Book of Faith.

Lutero, Martinho. WA, DB VII 38.

Meurer, Siegfried. “Was Christum Treibet” : Martin Luther Und Seine Bibelübersetzung. Bibel Im Gespräch, 4. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1996.

Cânone Muratoriano

O Cânone ou Fragmento Muratoriano é uma lista de livros do Novo Testamento. Talvez seja a mais antiga compilação explícita de livros tida como escrituras cristãs. Sua datação é estimada entre o final de século II e até o século IV a.C., provavelmente originária de Roma.

Em 1700, o erudito Lodovico Antonio Muratori (1672-1750) descobriu na Biblioteca Ambrosiana em Milão um códice do século VII ou VIII com vários escritos patrísticos, anotações e credos. Entre eles estava um texto que relatava os livros usados na Igreja.

Muratori publicou a lista em 1740 como um exemplo de latim bárbaro na Itália medieval. O latim desta lista é quase certamente traduzido do grego.

Cânone do Fragmento Muratoriano

  1. [Mateus]
  2. [Marcos]
  3. Lucas (= terceiro Evangelho)
  4. João (= quarto Evangelho)
  5. Epístolas de João (incluindo 1 João)
  6. Atos dos Apóstolos
  7. Epístolas de Paulo
    • Coríntios (duas)
    • Efésios
    • Filipenses
    • Colossenses
    • Gálatas
    • Tessalonicenses (duas)
    • Romanos
    • Filemom
    • Tito
    • Timóteo (duas)
    • Laodicenses (forjado)
    • Alexandrinos (forjado)
  8. Judas
  9. João (duas)
  10. Sabedoria de Salomão
  11. Apocalipse de João
  12. Apocalipse de Pedro (apenas para leitura privada, de acordo com alguns)
  13. Pastor de Hermas (apenas para leitura privada)

Bíblia

Coleção de escritos sagrados considerados como Palavra de Deus escrita nas religiões abraâmicas. Trata-se de uma biblioteca circulante e viva, fixada em vários suportes, assumindo caráter de autoridade para a vida pessoal e cultual no Cristianismo.

Chamada internamente de as Escrituras, esta coletânea ganhou a atual designação de Bíblia (em grego βιβλία) por João Crisóstomo (século IV d.C.) como plural de biblion (volume ou livros), termo já utilizado desde as Antigas Versões Gregas em Daniel 9:2 para referir-se aos livros (ta Biblia) dos profetas. Já em 1 Macabeus 1:56 e 2 Macabeus 2:13-15 falam de coleções de “a biblia da lei” e “a biblia sobre os reis e os profetas”. Josefo refere-se aos 22 rolos (biblia) que constituem o cânon hebraico (Contra Apion 1.37).

Esta antologia foi canonizada, isto é, reconhecida como Escrituras em um longo processo. A partir do século IV passou a ser reproduzida entre cristãos como uma coletânea em poucos ou um só volume. Com a invenção da imprensa, popularizou-se sua edição em um só volume.

Sua mensagem é diversa, polifônica, mas coesa e coerente como em um mosaico, o qual não é algo fragmentário ou parcial, mas capaz de transmitir efetivamente sua comunicação revelada.

Seus livros no cânon protestante reúne 66 títulos.