As reliquiae sacramenti são as partes remanescentes da Santa Ceia do Senhor. Diferentes entendimentos sobre a comunhão entre as diversas tradições cristãs levam a práticas variadas sobre os destinos do pão e do vinho restantes.
Considerando que ordenança sacramental na Santa Ceia é a consagração, distribuição e recepção do pão e do vinho, os elementos restantes ficam separados dessa ordenança.
Uma das primeiras orientações a respeito das reliquiae na história aparece o Segundo Concílio de Masticon, na França, que no ano 588 orientou a darem os restos para as crianças uma vez por semana. Ainda é uma prática continuada em muitas congregações evangélicas.
Na tradição católica romana, diante da doutrina de transubstanciação, somente os ministros ordenados devem consumi-los. Restos de elementos consagrados são guardados em um sacrário para próxima ocasião. O vinho geralmente é retornado à garrafa e a hóstia é disposta em um sacrário para devoção. Se por acaso tornaram impróprio para consumo (por exemplo, por mofo ou por cairem ao chão), os restos serão diluídos em água benta até que percam suas características. Lançar o pão e o vinho consagrados ao chão ou enterrá-los são passíveis de excomunhão. (Cânon. 1367 Código de Direito Canônico).
Em reação à doutrina da transubstanciação, no protestantismo consolidou-se as práticas de consumo posterior ou disposição ao solo para salientar o caráter respeitoso, porém não sobrenatural do pão e do vinho consagrados.
Entre os luteranos, a questão das relíquias foi alvo de controvérsia em dois momentos. Em 1543, Simon Wolferinus, um ministro luterano em Eisleben propunha que os restos da comunhão deveriam ser descartados como outras comidas. Lutero reagiu fortemente à visão de Wolferinus, defendendo a prática adotada em Wittenberg e enfatizando a persistência da real presença. Lutero recomendou que os ministros ou os últimos comungantes consumissem todos os elementos que sobrassem para evitar problemas teológicos e pastorais. A segunda controvérsia ocorreu em Danzig no começo da Escolástica Protestante. A presença de mercadores reformados de perspectiva zwingliana na cidade levou a uma disputa sobre os elementos. Considerando que no entendimento luterano Cristo está presente na, sob e com os elementos, há uma alta consideração pelos elementos consagrados. Assim, o descarte do vinho geralmente ocorre em uma pia especial, com um encanamento paralelo ao normal, chamada piscina, destinado ao jardim ou uma porção de solo da igreja local. Muitos espalham o pão e fazem uma libação do vinho no chão fora da igreja. Por fim, em muitas comunidades luteranas os restos são consumidos pelos ministros ou por pessoas que estejam na igreja ou casa pastoral depois do culto.
Os anglicanos acreditam que, uma vez consagrados, o pão e o vinho permanecem sagrados. Por isso, quando há sobras, ou são consumidas pelo ministro ou dispostos no solo por libação. Por tradição, e implícito no Livro de Oração Comum, esses consumos são feitos em público – às vezes quase cerimonialmente. O Livro de Serviços Alternativos diz para consumi-los na mesa lateral do altar (credence) ou na sacristia.
Entre os metodistas e outros evangélicos há a prática de enterrá-los, dentre as várias admitidas como apropriadas para as reliquiae. Segundo instrução do United Methodist Worship Book:
O que se faz com o restante pão e vinho deve exprimir a nossa
mordomia dos dons de Deus e nosso respeito pelo santo propósito que eles serviram.
1) Podem ser reservados para distribuição aos enfermos e outros que desejam comungar, mas não podem comparecer.
2) Podem ser consumidos com reverência pelo pastor e outros enquanto a mesa está sendo posta em ordem ou após o serviço.
3) Podem ser devolvidos à terra; isto é, o pão pode ser enterrado ou espalhado no chão, e o vinho pode ser reverentemente derramado no chão – um gesto bíblico de adoração (2 Samuel 23:16) e um símbolo ecológico hoje.
Como legado da tradição wesleyana, a Congregação Cristã e outras denominações oriundas do avivamento pentecostal italiano costumam enterrar o pão e o vinho que sobraram da Santa Ceia.
Muitas igrejas simplesmente descartam o vinho restante em uma pia e ralo comuns e jogam o pão no lixo comum. Outras ainda deixam para os celebrantes ou guardas da igreja consumirem após o culto. Algumas tradições o preservam para darem aos fiéis doentes ou ausentes.
A questão do destino dos elementos foi ponto de controvérsia nas relações ecumênicas entre anglicanos e metodistas nos anos 1960, e entre luteranos e anglicanos nas reuniões que levaram à comunhão de Leuenberg. Em vista disso, resultou em um entendimento mútuo de não os tratar como lixo comum. Assim, foi admitido entre anglicanos, metodistas e luteranos práticas, entre outras, de enterrá-los ou dispô-los ao solo.
BIBLIOGRAFIA
Congregation for Divine Worship and the Discipline of the Sacraments. Instruction. Redemptionis Sacramentum, 25 March 2004
Hovda, Bjørn Ole. The Controversy over the Lord’s Supper in Danzig 1561–1567: Presence and Practice–Theology and Confessional Policy. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2017.
Lockton, William. The Treatment of the Remains at the Eucharist After Holy Communion and the Time of the Ablutions. Wipf & Stock Publishers, 2021.
Monette, Ruth. A Word on Holy Communion: Instructions as We Return to Receiving Bread and Wine. St Stephen the Martyr Anglican Church, Burnaby. 11 de Abril de 2022.
United Methodist Book of Worship. “A Service of Word and Table V”. UMBOW 51-53.
Weimarer Ausgabe Br 10, 336–341 (Luther’s and Bugenhagen’s Letter to Simon Wolferinus in Eisleben, 4.7.1543); Weimarer Ausgabe Br 10, 348–349 (Luther’s second Letter to Simon Wolferinus, 20.7.1543).