Adeipnonismo

O adeipnonismo é uma posição que não considera a celebração dos sacramentos ou ordenanças como vinculante ou normativa para o presente. Em sentido estrito, a posição adeipnonista é um entendimento sobre a não celebração da Santa Ceia.

Os exemplos mais conhecidos de aderentes ao adeipnonismo são os Quakers e Exército de Salvação.

Os entendimentos para não celebração variam desde interpretações dos sacramentos como metáforas, espiritualização, compromisso somente para o período apostólico, ausência de um clero qualificado para oficiá-los, dentre outros.

Os principais grupos não sacramentais são os seguintes:

  • Abecedarianos
  • Ambrosianos
  • Christ’s Sanctified Holy Church
  • Collegiant
  • Doukhbors
  • Erik-jansarna
  • Exército de Salvação
  • Gichtlianos 
  • Gospel Assemblies
  • Inspirationists
  • Iveland-sekten
  • Labadistas
  • Molokans
  • Nichollists
  • Mukyōkai
  • Ranters
  • Religious Society of Friends – Quakers
  • Rogerenes
  • Schwenkenfelders
  • Seekers
  • Shakers
  • Vários grupos chamados de “Antinominianos”
  • White Quakers of Dublin

Reliquiae sacramenti

As reliquiae sacramenti são as partes remanescentes da Santa Ceia do Senhor. Diferentes entendimentos sobre a comunhão entre as diversas tradições cristãs levam a práticas variadas sobre os destinos do pão e do vinho restantes.

Considerando que ordenança sacramental na Santa Ceia é a consagração, distribuição e recepção do pão e do vinho, os elementos restantes ficam separados dessa ordenança.

Uma das primeiras orientações a respeito das reliquiae na história aparece o Segundo Concílio de Masticon, na França, que no ano 588 orientou a darem os restos para as crianças uma vez por semana. Ainda é uma prática continuada em muitas congregações evangélicas.

Na tradição católica romana, diante da doutrina de transubstanciação, somente os ministros ordenados devem consumi-los. Restos de elementos consagrados são guardados em um sacrário para próxima ocasião. O vinho geralmente é retornado à garrafa e a hóstia é disposta em um sacrário para devoção. Se por acaso tornaram impróprio para consumo (por exemplo, por mofo ou por cairem ao chão), os restos serão diluídos em água benta até que percam suas características. Lançar o pão e o vinho consagrados ao chão ou enterrá-los são passíveis de excomunhão. (Cânon. 1367 Código de Direito Canônico).

Em reação à doutrina da transubstanciação, no protestantismo consolidou-se as práticas de consumo posterior ou disposição ao solo para salientar o caráter respeitoso, porém não sobrenatural do pão e do vinho consagrados.

Entre os luteranos, a questão das relíquias foi alvo de controvérsia em dois momentos. Em 1543, Simon Wolferinus, um ministro luterano em Eisleben propunha que os restos da comunhão deveriam ser descartados como outras comidas. Lutero reagiu fortemente à visão de Wolferinus, defendendo a prática adotada em Wittenberg e enfatizando a persistência da real presença. Lutero recomendou que os ministros ou os últimos comungantes consumissem todos os elementos que sobrassem para evitar problemas teológicos e pastorais. A segunda controvérsia ocorreu em Danzig no começo da Escolástica Protestante. A presença de mercadores reformados de perspectiva zwingliana na cidade levou a uma disputa sobre os elementos. Considerando que no entendimento luterano Cristo está presente na, sob e com os elementos, há uma alta consideração pelos elementos consagrados. Assim, o descarte do vinho geralmente ocorre em uma pia especial, com um encanamento paralelo ao normal, chamada piscina, destinado ao jardim ou uma porção de solo da igreja local. Muitos espalham o pão e fazem uma libação do vinho no chão fora da igreja. Por fim, em muitas comunidades luteranas os restos são consumidos pelos ministros ou por pessoas que estejam na igreja ou casa pastoral depois do culto.

Os anglicanos acreditam que, uma vez consagrados, o pão e o vinho permanecem sagrados. Por isso, quando há sobras, ou são consumidas pelo ministro ou dispostos no solo por libação. Por tradição, e implícito no Livro de Oração Comum, esses consumos são feitos em público – às vezes quase cerimonialmente. O Livro de Serviços Alternativos diz para consumi-los na mesa lateral do altar (credence) ou na sacristia.

Entre os metodistas e outros evangélicos há a prática de enterrá-los, dentre as várias admitidas como apropriadas para as reliquiae. Segundo instrução do United Methodist Worship Book:

O que se faz com o restante pão e vinho deve exprimir a nossa
mordomia dos dons de Deus e nosso respeito pelo santo propósito que eles serviram.

1) Podem ser reservados para distribuição aos enfermos e outros que desejam comungar, mas não podem comparecer.

2) Podem ser consumidos com reverência pelo pastor e outros enquanto a mesa está sendo posta em ordem ou após o serviço.

3) Podem ser devolvidos à terra; isto é, o pão pode ser enterrado ou espalhado no chão, e o vinho pode ser reverentemente derramado no chão – um gesto bíblico de adoração (2 Samuel 23:16) e um símbolo ecológico hoje.

Como legado da tradição wesleyana, a Congregação Cristã e outras denominações oriundas do avivamento pentecostal italiano costumam enterrar o pão e o vinho que sobraram da Santa Ceia.

Muitas igrejas simplesmente descartam o vinho restante em uma pia e ralo comuns e jogam o pão no lixo comum. Outras ainda deixam para os celebrantes ou guardas da igreja consumirem após o culto. Algumas tradições o preservam para darem aos fiéis doentes ou ausentes.

A questão do destino dos elementos foi ponto de controvérsia nas relações ecumênicas entre anglicanos e metodistas nos anos 1960, e entre luteranos e anglicanos nas reuniões que levaram à comunhão de Leuenberg. Em vista disso, resultou em um entendimento mútuo de não os tratar como lixo comum. Assim, foi admitido entre anglicanos, metodistas e luteranos práticas, entre outras, de enterrá-los ou dispô-los ao solo.

BIBLIOGRAFIA

Congregation for Divine Worship and the Discipline of the Sacraments. Instruction. Redemptionis Sacramentum, 25 March 2004

Hovda, Bjørn Ole. The Controversy over the Lord’s Supper in Danzig 1561–1567: Presence and Practice–Theology and Confessional Policy. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2017.

Lockton, William. The Treatment of the Remains at the Eucharist After Holy Communion and the Time of the Ablutions.  Wipf & Stock Publishers, 2021.

Monette, Ruth. A Word on Holy Communion: Instructions as We Return to Receiving Bread and Wine. St Stephen the Martyr Anglican Church, Burnaby. 11 de Abril de 2022.

United Methodist Book of Worship. “A Service of Word and Table V”. UMBOW 51-53.

Weimarer Ausgabe Br 10, 336–341 (Luther’s and Bugenhagen’s Letter to Simon Wolferinus in Eisleben, 4.7.1543); Weimarer Ausgabe Br 10, 348–349  (Luther’s second Letter to Simon Wolferinus, 20.7.1543).

Recepcionismo e presença mística

Recepcionismo é uma perspectiva doutrinária sobre a natureza do pão e do vinho na Santa Ceia na tradição anglicana e metodista.

O recepcionismo postula que o pão e o vinho permanecem inalterados durante a oração de consagração, mas que o crente por fé recebe o corpo e o sangue de Cristo na comunhão.

A presença mística é um entendimento derivado, encontrado entre metodistas, movimento de santidade (Holiness) e alguns reformados. Semelhante à postura luterana de que Cristo está presente “em, com e sob” o pão e no vinho, há uma visão integradora subjetiva (a lembrança da obra de Cristo por parte do comungante) e objetiva (comunicação eficaz por graça do Deus triuno).

RECEPCIONISMO NA TRADIÇÃO ANGLICANA

O recepcionismo era a teologia eucarística predominante nos dois primeiros séculos do Anglicanismo, visível nos 39 Artigos de Religião:

ARTIGO XXVIII – DA CEIA DO SENHOR

A Ceia do Senhor não só é um sinal de mútuo amor que os cristãos devem ter uns para com os outros; mas antes é um Sacramento da nossa Redenção pela morte de Cristo, de sorte que para os que devida e dignamente, e com fé o recebem, o Pão que partimos é uma participação do Corpo de Cristo; e de igual modo o Cálice de Bênção é uma participação do Sangue de Cristo.

A Transubstanciação (ou mudança da substância do Pão e Vinho) na Ceia do Senhor, não se pode provar pela Escritura Sagrada; mas antes repugna às palavras terminantes da Escritura, subverte a natureza do Sacramento, e tem dado ocasião a muitas superstições. O Corpo de Cristo é dado, tomado, e comido na Ceia, somente dum modo celeste e espiritual. E o meio pelo qual o Corpo de Cristo é recebido e comido na Ceia é a Fé.

O Sacramento da Ceia do Senhor não foi pela ordenança de Cristo reservado, nem levado em procissão, nem elevado, nem adorado.

A postura anglicana combinou matrizes filósoficas do nominalismo e do realismo. Rejeitou os polos extremos de realismo (transubstanciação) e o nominalismo (memorialismo). Tido por vezes como uma hesitação em precisar seus termos teológicos, essa corrente doutrinária recebeu tal designação em 1867.

RECEPCIONISMO E PRESENÇA MÍSTICA NA TRADIÇÃO METODISTA

Na formulação dos 25 Artigos de Religião do Metodismo, John Wesley revisou os artigos de fé anglicanos, mas manteve esse entendimento, dentro da Ceia do Senhor como graça e meio de graça:

Artigo 18 — Da Ceia do Senhor
A ceia do Senhor não é apenas um sinal do amor que os cristãos devem ter uns pelos outros, mas é um sacramento da nossa redenção pela morte de Cristo; de modo que, para aqueles que corretamente, dignamente e com fé recebem o mesmo, o pão que partimos é uma participação do corpo de Cristo; e da mesma forma o cálice de bênção é uma participação do sangue de Cristo.

A transubstanciação, ou a mudança da substância do pão e do vinho na ceia de nosso Senhor, não pode ser provada pela Sagrada Escritura, mas é repugnante às palavras claras da Escritura, derruba a natureza de um sacramento e deu ocasião a muitas superstições .

O corpo de Cristo é dado, tomado e comido na ceia, somente de uma maneira celestial e espiritual. E o meio pelo qual o corpo de Cristo é recebido e comido na ceia é a fé. O Sacramento da Ceia do Senhor não foi reservado pela ordenança de Cristo, levado, exaltado ou adorado.

Gradativamente o metodismo americano e o movimento de santidade adotaram uma posição memorialista, ainda que entendimentos da ceia como mistério e recepcionismo persistam.

Diferente dos reformadores magistrais, o recepcionismo considera o lado do comungante tanto quanto dos elementos na Santa Ceia. Assim, o entendimento metodista evoluiu para uma união mística com Cristo na Ceia. Essa celebração remete à vida Cristo, mas não é primariamente uma lembrança ou memorial. Tampouco é transubstanciação, embora valorizem o pão e o vinho como meios tangíveis essenciais pelos quais Deus opera. A presença divina ocorre de forma temporal e relacional. Na Santa Ceia da igreja, o passado, presente e futuro do Cristo vivo se reúnem pelo poder do Espírito Santo para que possam receber e incorporar Jesus Cristo como a graça do salvador para o mundo inteiro.

PRESENÇA MÍSTICA NA TRADIÇÃO REFORMADA

Apesar da teoria da presença real de Calvino e o memorialismo de Zwínglio sejam predominantes, entre reformados alemães nos Estados Unidos há uma vertente que adere à presença mística. A chamada Teologia de Mercersburg chegou a esse entedimento reavaliando as posturas históricas da Igreja e aproximando-se da posição luterana.

RECEPCIONISMO NO MOVIMENTO PENTECOSTAL ITALIANO

A linguagem recepcionista aparece na formulação original dos pontos de doutrina aprovados em Niagara Falls, mas alterados em 1933. No entanto, faltam subsídios para afirmar quais as posturas teológicas de seus formuladores à epoca de sua redação.

VIII. Cremos que na santa ceia o corpo de Cristo é dado, recebido, comido em um modo celeste e espiritual. É que esse meio pelo qual é recebido e comido é a fé. Luc. 22:19; 1 Cor. 11:24.

VEJA TAMBÉM

Santa Ceia

Transubstanciação

Consubstanciação

Presença real

Memorialismo

BIBLIOGRAFIA

Douglas, Brian. A Companion to Anglican Eucharistic Theology. 2 V. Boston: Brill, 2012.

Nevin, John Williamson. The Mystical Presence: A Vindication of the Reformed or Calvinistic Doctrine of the Holy Eucharist. JB Lippincott, 1867.

United Methodist Church. This Holy Mystery: A United Methodist Understanding of Holy Communion. General Conference of The United Methodist Church, 2004.