Sete Céus, Terras e Infernos

Algumas das cosmovisões da Antiguidade e da Idade Média postulavam a existência de sete céus, sete terras e sete infernos.

Variantes dessa tripla divisão e vários estágios ocorrem nos pensamentos mesopotâmico, alguns hindu e no jainismo. Nas religiões abraâmicas tal conceito aparece com algumas nuances e em algumas vertentes.

Judaismo

O Talmude lista sete céus e sete terras. Essas ideias cosmológicas complexas aparecem nas literaturas merkavah e hekhalot. Os nomes dos céus encontram-se nas Escrituras:

  1. Vilon (וילון): o primeiro céu, mencionado em Isaías 40:22. Seria a atmosfera acima da Terra e abaixo do firmamento
  2. Raqia (רקיע): o segundo céu ou um o firmamento, termo mencionado em Gênesis 1:17.
  3. Shehaqim (שחקים): o terceiro céu, encontrado em Salmo 78:23 e no comentário Midrash Tehillim ao Salmo 19:7.
  4. Zebul (זבול): Quarto céu. O termo aparece em Isaías 63:15; 1 Reis 8:13.
  5. Ma’on (מעון): Quinto céu. O termo aparece em Deuteronômio 26:15; Salmo 42:9.
  6. Machon (מכון): Sexto céu 1 Reis 8:39; Deuteronômio 28:12.
  7. Araboth (ערבות): o Sétimo céu, a habitação de seres angelicais, as criaturas viventes e o trono de Deus.

Sete Terras: Paralelamente aos sete céus, a cosmologia judaica rabínica também inclui o conceito de sete terras, criadas no primeiro dia da Criação, cada uma separada por camadas:

  1. Heled (חֶלֶד): Salmo 17:14; Salmo 49:1. A primeira terra, onde vive a humanidade, separada de Tebel por um abismo, Tohu, Bohu, um mar e águas.
  2. Tebel (תֶּבֶל): Jó 37:12; Salmo 24:1.local habitado por várias espécies de animais peculiares. É um mundo paralelo e invisível ao nosso.
  3. Yabbashah (יַבָּשָׁה): Gênesis 1:9-10. A terceira terra, caracterizada por rios e nascentes além de vegetações abundantes. O termo significa terra seca ou terra firme em oposição ao mar.
  4. Harabah (חָרָבָה): Jó 3:14. A quarta terra, apesar do nome que significa lugar desolado, apresenta riachos e riachos.
  5. ‘Arka (עַרְקָא): A quinta terra, onde estão localizadas sete divisões do Inferno, além de domínio dos mortos. A Arka foi entregue aos cainitas para sempre, como seu domínio perpétuo.
  6. Adamah (אֲדָמָה): Gênesis 2:6. A sexta terra, um lugar de grande beleza e esplendor, onde a presença divina se manifesta mais plenamente.
  7. Erez (אֶרֶץ): Gênesis 2:6. O território piso ou o chão. É a sétima e mais baixa terra, a base de todo o universo.

Essa lista possui alguns variantes. Como registra Louis Ginzberg:

OS HABITANTES DAS SETE TERRAS – Quando Adão foi expulso do Paraíso, ele alcançou pela primeira vez a mais baixa das sete terras, a Erez, que é escura, sem raio de luz e totalmente vazia. Adão ficou aterrorizado, principalmente pelas chamas da espada sempre giratória, que está nesta terra. Depois de ter feito penitência, Deus o conduziu à segunda terra, a Adamah, onde há luz refletida em seu próprio céu e em suas estrelas e constelações fantasmagóricas. Aqui habitam os seres fantasmagóricos que surgiram da união de Adão com os espíritos. “Eles estão sempre tristes; a emoção da alegria não é conhecida por eles. Eles deixam sua própria terra e vão para aquela habitada pelos homens, onde eles são transformados em espíritos malignos. Então eles retornam para sua morada para o bem, arrependem-se de suas más ações e cultivam a terra que, no entanto, não produz trigo nem qualquer outra das sete espécies. Neste Adamah, Caim, Abel e Sete nasceu. Após o assassinato de Abel, Caim foi enviado de volta para Erez, onde foi levado ao arrependimento pela escuridão e pelas chamas da espada sempre giratória. Aceitando sua penitência, Deus permitiu que ele ascendesse ao terceiro lugar. terra, o Arka, que recebe alguma luz do sol. O Arka foi entregue aos Cainitas para sempre, como seu domínio perpétuo. Eles cultivam a terra e plantam árvores, mas não têm trigo nem qualquer outra das sete espécies. Alguns dos Cainitas são gigantes, alguns deles são anões. Eles têm duas cabeças, portanto nunca podem chegar a uma decisão; eles estão sempre em desacordo consigo mesmos. Pode acontecer que eles sejam piedosos agora, apenas para estarem inclinados a fazer o mal no momento seguinte. No Ge, a quarta terra, vive a geração da Torre de Babel e seus descendentes. Deus os baniu para lá porque a quarta terra não está longe da Geena e, portanto, perto do fogo flamejante. Os habitantes de Ge são habilidosos em todas as artes e talentosos em todos os departamentos da ciência e do conhecimento, e sua residência transborda de riqueza. Quando um habitante da nossa terra os visita, eles lhe dão o que há de mais precioso em sua posse, mas depois o levam ao Neshiah, a quinta terra, onde ele se torna alheio à sua origem e ao seu lar. O Neshiah é habitado por anões sem nariz; eles respiram através de dois buracos. Eles não têm memória; uma vez que uma coisa acontece, eles a esquecem completamente, daí a sua terra ser chamada Neshiah, “esquecimento”. A quarta e a quinta terras são como o Arka; eles têm árvores, mas não têm trigo nem qualquer outra das sete espécies. A sexta terra, Ziah, é habitada por homens bonitos, donos de riquezas abundantes, que vivem em residências palacianas, mas carecem de água, como indica o nome de seu território, Ziah, “seca”. Conseqüentemente, a vegetação é escassa entre eles e sua cultura de árvores tem um sucesso indiferente. Eles correm para qualquer fonte de água que é descoberta, e às vezes conseguem escapar através dela até a nossa terra, onde satisfazem seu apetite aguçado pelos alimentos consumidos pelos habitantes de nossa terra. De resto, são homens de fé inabalável, mais do que qualquer outra classe da humanidade. Adão permaneceu na Adamah até depois do nascimento de Seth. Então, passando pela terceira terra, a Arka, a morada dos Cainitas, e também pelas três terras seguintes, a Ge, a Neshiah e a Ziah, Deus o transportou para Tebel, a sétima terra, a terra habitada por homens. Louis Ginzberg. The legend of the jews. 1:3. 1909.

Na tradição rabínica (Eruvin 19a), Deus criou o Inferno no segundo dia da criação. Possui sete divisões, uma abaixo da outra. Levaria trezentos anos para percorrer a altura, ou a largura, ou a profundidade de cada divisão.

  • Sheol (שְׁאוֹל): Termo mais comum para o submundo ou morada dos mortos, referindo-se frequentemente à sepultura ou a um reino sombrio de pós-vida (Gênesis 37:35; Números 16:30; Jó 14:13; Salmos 16:10; Isaías 38:10).
  • Abaddon (אֲבַדּוֹן): Significa “destruição” ou “lugar de ruína”, às vezes identificado com uma região do submundo (Jó 26:6; Salmos 88:11; Provérbios 15:11; Apocalipse 9:11).
  • Beer Shahat (בְּאֵר שַׁחַת): “Poço de Destruição”, enfatizando a ruína inescapável (Eruvin 19a; Midrash Rabbah – Gênesis VIII.1).
  • Tit ha-Yawen (טִיט הַיָּוֵן): “Barro Limoso” ou “Lodo Profundo”, simbolizando confinamento e aprisionamento (Eruvin 19a; Midrash Tanchuma – Pekudei 3).
  • Sha’are Mawet (שַׁעֲרֵי מָוֶת): “Portais da Morte”, indicando a entrada para o reino dos mortos (Salmos 9:13; Jó 38:17; Salmos 107:18).
  • Sha’are Zalmawet (שַׁעֲרֵי צַלְמָוֶת): “Portais das Sombras Profundas” ou “Sombra da Morte”, semelhante a Sha’are Mawet (Jó 38:17).
  • Gehenna (גֵּיהִנּוֹם): Derivado de “Ge-Hinnom” (Vale de Hinnom), associado ao julgamento e punição ardente (Mateus 5:22; Mateus 10:28; Marcos 9:43; Eruvin 19a; Rosh Hashanah 16b-17a; Avot 4:1).

Cristianismo

Embora o Novo Testamento não faça referência explícita ao conceito de sete céus, menciona um “terceiro céu” em 2 Coríntios 12:2–4. No entanto, a visão cosmológica tripartida do céu, da terra e do submundo foi influente na formação do pensamento cristão até ao Renascimento e à revolução copernicana.

Dante listou nove círculos do inferno em sua Divina Comédia.

Islam

Na tradição islâmica, existe uma crença em sete “terras”, cada uma com os seus próprios habitantes. Isso deriva de uma leitura da sura 65, At-Talaq, versículo 12, que diz que Deus criou os sete céus e a terra semelhantes. Este conceito é interpretado de várias maneiras como continentes, reinos espirituais ou mesmo pilhas literais de sete discos de terra. Sete infernos também existiriam em correspondência: Jahannam, Laza, Hutama, Sa’ir, Saqar, Jahim e Hawiya. Estas interpretações continuam a ser um assunto de discurso teológico e debate dentro do pensamento islâmico.

BIBLIOGRAFIA

Ginzberg, Louis. “The Legends of the Jews,” Vol. 1. Philadelphia: The Jewish Publication Society of America, 1909, pp. 10-11.

Jacobs, Hendrick. Seven Heavens, Earths, and Hells: The Forgotten Judeo-Christian Worldview. WWS, 2025.

Jacobs, Hendrick. Sete Céus, Terras e Infernos: a cosmovisão judaico-cristã esquecida. Vida Y Verdad, 2025.

Hetherington, Norriss S. “Encyclopedia of Cosmology: Historical, Philosophical, and Scientific Foundations of Modern Cosmology.” Routledge Revivals. Routledge, 2014 [1993]. pp. 267, 401.

Raqia

Raqia, em hebraico רָקִיעַ expansão, extensão ou firmamento era a abóboda celeste na cosmologia da Antiguidade. Os povos da Antiguidade imaginavam que o céu era coberto por redoma côncava que retinha as águas celestes.

Na Bíblia Hebraica aparece em Gn 1:6-8, 14-20; Sl 19:1; 150:1; Ez 1:22-26; 10:1; Dn 12:3.

Outras culturas da época possuíam semelhante cosmovisão:

  • Os antigos egípcios pensavam que o céu era um telhado sustentado por pilares.
  • Os sumérios acreditavam que o céu era uma abóboda de estanho.
  • O céu de Homero é um hemisfério de metal que cobre uma terra redonda, plana, semelhante a um disco, cercada por água. Na Odisséia e a Ilíada a abóbada celeste é mencionada alternativamente como feita de bronze ou de ferro.
  • Para Anaxímenes e Empédocles as estrelas estão encravadas em uma cúpula celeste cristalina.
  • Platão se refere à “abóbada do céu” e ao “céu acima do céu” (Fedro 247)
  • A abóboda celeste aparece nos escritos medievais de Nachmanides (Ramban), Comentário sobre a Torá, vol. 1, pp. 33, 36.

Cosmos

Cosmos ou cosmo vem do grego κόσμος, “ordem, arrajo em harmonia”. Desde Pitágoras o termo ganhou o sentido de ordem do universo em oposição ao caos. No Novo Testamento, o termo conota as coisas da Terra em oposição às coisas celestiais. A descrição do universo, seu funcionamento e destino é a cosmologia, da qual faz parte a cosmogonia, relato sobre sua origem.

Em astronomia o termo cosmovisão se refere à perspectiva sobre a estrutura do universo. Esse termo foi incorporado à filosofia e à antropologia para se referir a alguns elementos da visão de mundo compartilhada por certo grupo sociocultural ou até mesmo indivíduo. Entre alguns círculos apologéticos e polemistas o termo é empregado incorretamente como um conjunto discreto de pressupostos sobre a realidade (o que seria a ontologia) ou sobre meios de obtenção o conhecimento (cujo termo técnico seria epistemologia).