Encarnação

A encarnação é uma doutrina central do cristianismo que afirma que Deus se tornou carne, assumindo a natureza humana na pessoa de Jesus Cristo. Este princípio fundamental sustenta que Jesus é totalmente divino e totalmente humano, uma união conhecida como união hipostática.

A doutrina da encarnação proclama que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14). Esse ensinamento enfatiza que o Verbo eterno de Deus, a segunda pessoa da Trindade, tomou forma humana, habitando verdadeiramente entre os homens na pessoa de Jesus de Nazaré, e não de forma metafórica. A união hipostática descreve a união única das naturezas divina e humana em Jesus Cristo. Essa união, no entanto, não mistura nem diminui as duas naturezas; ambas permanecem distintas, mas inseparáveis. Cristo não é parcialmente Deus e parcialmente humano, mas plenamente ambos.

A encarnação tem múltiplos propósitos na teologia cristã. A encarnação é um meio de revelação: ao se tornar humano, Deus se revela de forma tangível e acessível. A vida, os ensinamentos, a morte e a ressurreição de Jesus oferecem a revelação suprema do caráter e dos propósitos de Deus. Ademais, a encarnação é essencial para a redenção humana, pois, ao se tornar humano, Cristo pôde identificar-se com a humanidade, vencer o pecado e a morte. A encarnação também promove a reconciliação, pois preenche a lacuna entre Deus e a humanidade causada pelo pecado, sendo o primeiro passo para restaurar o relacionamento rompido. Além disso, a vida de Jesus como ser humano oferece o exemplo perfeito de como viver em obediência a Deus.

Além de João 1:14, diversos outros trechos bíblicos fundamentam a doutrina da encarnação. Referente à kenosis, Filipenses 2:5-11 descreve o “esvaziamento” de Cristo, que assumiu a forma de servo e foi obediente até a morte. Colossenses 1:15-20 apresenta Cristo como a imagem do Deus invisível, em quem toda a plenitude de Deus habita. A encarnação permitiu que Cristo torna-se o representante da humanidade diante de Deus, como em Hebreus 2:14-18 ocorre a identificação de Cristo com a humanidade, tornando-se um sumo sacerdote misericordioso e fiel.

De acordo com a Bíblia (João 1:14, Colossenses 1:19-20, Hebreus 2:17-18, Filipenses 2:5-8, 1 João 3:8, Lucas 2:10-11, João 3:16, Lucas 2:13-14), o nascimento de Cristo faz parte da reconciliação da humanidade com Deus. Quando Deus assumiu forma humana em Jesus, Ele preencheu o abismo que separava a humanidade do divino. A encarnação é um ato de amor e humildade para restaurar nosso relacionamento com Ele.

Nenhum ato isolado de Cristo proporcionou a expiação. A obra de reconciliação envolve sua encarnação, ensinamentos, obras maravilhosas de serviço, vida exemplar, morte, vitória sobre a morte na ressurreição e ascensão.

O nascimento de Jesus marca um novo começo, um recomeço para a humanidade sobrecarregada pelo pecado. Por meio de Sua vida, morte e ressurreição, Jesus abriu o caminho para o perdão e a reconciliação, permitindo-nos experimentar paz e plenitude com Deus. O nascimento de Cristo inicia o caminho para a redenção e para um relacionamento restaurado com nosso Criador.

A heresia que nega algum dos aspectos da encarnação é chamada de docetismo.

BIBLIOGRAFIA

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Docetismo

Teoria de que Cristo não era plenamente humano, mas somente aparentava ser.

O docetismo (do grego koiné: δοκεῖν/δόκησις, dokeīn “parecer” ou dókēsis “aparição, fantasma”) foi uma heresia cristã primitiva que surgiu entre os séculos I e II d.C. O termo refere-se à crença de que Jesus Cristo apenas parecia ser humano, mas que, na realidade, era puramente divino e não possuía um corpo físico verdadeiro. Esta visão era fundamentada na ideia de que a matéria é inerentemente maligna ou corrupta, sendo incompatível com a santidade de Deus.

O termo Dokētaí (“ilusionistas”) apareceu pela primeira vez em uma carta do bispo Serapião de Antioquia (197-203 d.C.). Ele identificou a doutrina em uma comunidade cristã em Rhosus que utilizava o Evangelho de Pedro. Serapião condenou o texto como uma falsificação herética. O docetismo também era associado a debates teológicos sobre a interpretação literal ou figurativa da declaração do Evangelho de João: “o Verbo se fez carne” (João 1:14).

O docetismo negava a realidade da humanidade de Cristo e, consequentemente, minava vários aspectos fundamentais da fé cristã:

  • Negação da humanidade de Cristo: Para os docetistas, Jesus não tinha um corpo físico real. Seu corpo era considerado uma ilusão ou aparição espiritual. Isso derivava da crença de que Deus, sendo absolutamente bom, não poderia assumir uma forma material, vista como corrupta.
  • Desafios à doutrina da expiação: Ao negar que Jesus possuía um corpo físico, o docetismo colocava em questão a realidade da reconciliação. Sem um corpo real, a humanidade não possui acesso à divindade.
  • Contradição à ressurreição: Segundo os docetistas, a ressurreição também seria uma ilusão, uma vez que não haveria um corpo físico a ser ressuscitado. Isso contradizia os relatos bíblicos e enfraquecia a esperança cristã na ressurreição corporal.

O docetismo representou um desafio significativo ao cristianismo primitivo, pois atacava a base da doutrina da Encarnação e da mensagem do evangelho. Os Pais da Igreja responderam vigorosamente a essa heresia, reafirmando a verdadeira humanidade de Cristo:

  • Inácio de Antioquia: Defendeu que Jesus nasceu, comeu e sofreu de forma verdadeira, e que negar esses fatos era negar a fé cristã.
  • Irineu de Lyon: Destacou a importância do corpo físico de Cristo para a salvação, afirmando que “a carne de nosso Salvador nos salvou”.
  • Tertuliano: Apontou os relatos bíblicos da vida de Jesus, incluindo Seu nascimento, batismo e crucificação, como evidências de Sua verdadeira humanidade.

Os Concílios também condenaram o docetismo, reafirmando a doutrina ortodoxa da Encarnação e a união hipostática das naturezas divina e humana de Cristo.