Dicta probantia

Dicta probantia ou método de leitura de provas é uma prática e técnica de interpretação bíblica que infere doutrinas a partir de versos isolados.

Enquanto a prática de citar isoladamente as Escrituras sempre existiu, como uma técnica interpretativa ganhou corpo durante a Reforma pela popularização das edições impressas com divisão de capítulos e versos da Bíblia.

Cada versículo é lido isoladamente como um artigo em uma legislação ou em um verbete de dicionário para provar um ponto de vista ou atender uma necessidade prévia.

A dicta probantia tornou-se popular na escolástica protestante e no confessionalismo a partir do final do século XVI até os meados do século XVIII. O avanço da hermenêutica como disciplina em parte foi em crítica a essa técnica de leitura. O mal uso das citações longe de seu contexto é chamado de contextomia.

BIBLIOGRAFIA

Allen, Michael; Swain, Scott R. “In defense of proof-texting”. Journal of the Evangelical Theological Society (JETS). Vol. 54, n.3 set. 2011.

McGlone, Matthew S. “Quoted out of context: Contextomy and its consequences.” Journal of Communication 55.2 (2005): 330-346.

McGlone, Matthew S. “Contextomy: the art of quoting out of context.” Media, Culture & Society 27.4 (2005): 511-522.

Perícope

Perícope vem do grego “recorte ao redor”, é um trecho de texto com sentido completo. Localizar e delimitar um perícope é um dos primeiros passos para entender a mensagem inteira de um texto.

Idealmente, cada capítulo indicaria um perícope, mas isso não acontece. Não existe um padrão unificado de divisão em perícope. Tradutores, editores e biblistas dividem a Bíblia com critérios diferentes.

É difícil dividir os textos em perícopes, pois os textos antigos eram contínuos. Na Bíblia Hebraica às vezes sinais finais ou espaços ajudam a dividir perícopes.

A divisão pode ser deduzida pela narratologia, retórica e estilística. Para uma interpretação coerente, os mesmos critérios de divisão devem ser usados de forma consistente.

Um perícope pode ser muito curto, como um aparte para glosar sobre um detalhe, ou aparecer em diferentes livros, como o Ciclo de Elias e Eliseu.

Um perícope pode ocorrer dentro de outro ou fazer parte de um perícope maior se for considerado diferentes critérios.

Indicadores de início

  1. Tempo e espaço: na narrativa podem indicar o início, a continuação, a ação, a conclusão ou a repetição de um episódio. (Mt 2:1; 4:1; 8:5).
  2. Personagens: introduzidos em cena. (Mc 7:1; Lc 1:26).
  3. Argumento: com mudança de assunto, introduzidas por “finalmente…”, “a propósito de…” (1 Co 12:1; 2 Tm 4:6).
  4. Anúncio do tema: alguns perícopes anunciam em seu final os assuntos tratados a seguir (Hb 2.17-18 c/ 3.1 –5.10).
  5. Introdução: indicada no próprio texto. (Ap 2:1,8,12).
  6. Vocativo ou novos destinatários: indicam a quem é dirigido. Ex: Gl 3:1; Ap 2:1,8,12.
  7. Introdução ao recurso: o próprio texto introduz a fala de um novo personagem. (Lc 15:3,8,11).
  8. Inserção de um aparte: uma glosa que explica algo detalhadamente.
  9. Mudança de estilo ou gênero textual: transição de um discurso para uma narrativa (Mt 10:4-5), da prosa para a poesia (Fp 2:5-6) ou da poesia para a prosa (Mt 11:1-2).

Indicadores de final

  1. Personagens: aumento de número (Mc 1:45; Lc 5:15), ou mesmo reduzido (Mc 9:28; Mt 17:19) obscurecendo o foco .
  2. Espaço: mudança por partida (Mt 21:17) ou ampliação (Mc 1:39).
  3. Tempo: alteração da sequência dos eventos (At 10:48) e o chamado “tempo terminal” concluído (Jo 13:30).
  4. Ação do tipo partida: normalmente o personagem central sai de cena, separando-se dos demais (Mc 8:13).
  5. Ação terminal: consequência do episódio narrado (Mt 9:8).
  6. Ruptura do diálogo: com a fala conclusão. (Lc 14:5-6).
  7. Comentário: o narrador interrompe sua exposição para fazer observações que dão sentido ao relato (Jo 2:21-22).
  8. Estilo comum: por uso de concatenação, enumeração, paralelismo e paranomásia.
  9. Sumário: recapitulação resumida do que se disse (Jo 8:20).
  10. Inclusio: repetição de estruturas quiásticas. O Sermão da Montanha começa e termina com a expressão “a Lei e os Profetas” (Mt 5:17 + 7:12).

Conteúdos comuns

Alguns dos elementos presentes no corpo de um perícope:

  1. Ação: núcleo de um perícope narrativa, com indicações de tempo, espaço e personagens (Mc 6:17).
  2. Campo semântico: grupo de palavras cujos significados pertencem à mesma classe ou tema. Gn 22:6-10 utiliza o campo semântico “sacrifício”: lenha, fogo, cutelo, altar, cordeiro, assim por diante.
  3. Intercalação: interrupção para incluir outro perícope, como (Mc 3:20-21 e 30-31).
  4. Motivo literário (motif): repetição de palavra, frase ou ideias que junta partes do perícope, como “E viu Deus que era bom” em Gn 1.
  5. Quiasmo: estrutura “espelhada” muito comum em textos orais e abundantes na Bíblia:

A fuga para o Egito (Mt 2: 13-15)

   A (2:13) Palavras de um anjo

     B (2:14) partida para o Egito.

   A‘ (2:15) Palavras de um profeta

Emprego dos perícopes

Os perícopes fazem parte das porções de leituras (lecionários) e influenciariam a divisão em capítulos e versículos.

São elementos indispensáveis para entender tanto a história da interpretação quanto a boa exegese.

O estudo da divisão em perícopes se chama Crítica da Delimitação.

O símbolo de parágrafo ¶ originalmente indicava o perícope.

SAIBA MAIS

CRAIN, Jeanie C., Reading the Bible as Literature: An Introduction. Cambridge/​Malden, MA: Polity Press, 2010.

SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.

Lista de perícopes dos evangelhos

http://www.semanticbible.com/cgi/2004/11/pericope-index.html

Site especializado sobre a divisão em perícopes e a Crítica da Delimitação, repositório da série Pericope: Scripture as written and read in antiquity (Leiden, Brill) http://pericope.net/