Antanaclase

Antanaclase é uma figura de linguagem que consiste na repetição de uma palavra ou expressão dentro de uma mesma frase ou verso, mas com significados diferentes em cada uso. Este recurso retórico explora a ambiguidade linguística para criar um efeito estilístico, frequentemente carregado de engenhosidade ou humor. No contexto bíblico, a antanaclase é utilizada de forma significativa para destacar contrastes espirituais ou éticos, além de sublinhar a profundidade teológica de certos ensinamentos.

Em Mateus 8:22, Jesus declara: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem seus mortos.” Aqui, a palavra “mortos” é empregada em dois sentidos distintos. O primeiro refere-se aos mortos espiritualmente, enquanto o segundo alude aos mortos fisicamente. Esta antanaclase sublinha a urgência do discipulado e enfatiza a primazia das questões espirituais sobre as obrigações mundanas. De maneira semelhante, em João 3:30, João Batista afirma: “É necessário que Ele cresça, e que eu diminua.” As palavras “cresça” e “diminua” são usadas para contrastar o aumento da influência de Cristo com a redução da relevância de João. Esta construção verbal não apenas reforça a humildade de João, mas também realça o propósito de sua missão: apontar para Cristo, aceitando sua própria diminuição em prol da glorificação de Jesus.

Em 1 Coríntios 15:42, Paulo escreve sobre a ressurreição: “O corpo que é semeado é perecível, mas ressuscita imperecível.” A palavra “semeado” é empregada metaforicamente para descrever tanto o sepultamento do corpo físico quanto o surgimento de um corpo transformado na ressurreição.

Apoftegma

O termo apoftegma (do grego apophthegma, que significa “algo dito”) refere-se a uma expressão breve, memorável e frequentemente atribuída a uma figura respeitada ou a um mestre. São narrativas concisas que encapsulam um ensinamento ou ilustram um ponto específico, sendo descritas como “histórias de sabedoria” em formato compacto.

Os apoftegmas apresentam características marcantes que incluem a memorabilidade e uma conclusão impactante. Sua estrutura frequentemente segue três partes: situação, questão e resposta. A situação estabelece o contexto e introduz os personagens envolvidos; a questão cria tensão ou um desafio; a resposta, muitas vezes espirituosa ou perspicaz, fornece a resolução ou o ensinamento pretendido.

A função dos apoftegmas inclui esclarecer questões controversas, justificar comportamentos inesperados e transmitir ensinamentos de maneira sucinta. Um exemplo bíblico clássico está em Marcos 2:15-17, onde Jesus compartilha uma refeição com publicanos e pecadores, gerando questionamentos. Os fariseus indagam por que Ele se associa a essas pessoas, e Jesus responde: “Os sãos não precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores.” Este apoftegma justifica o comportamento de Jesus e esclarece sua missão.

Anáfora

O termo “anáfora” origina-se da palavra grega “anapherein”, que significa “levar de volta”. É tanto uma figura de linguagem quanto palavras de consagração na Santa Ceia (eucaristia)

Anáfora como figura de linguagem

Anáfora é um artifício retórico caracterizado pela repetição da mesma palavra ou frase no início de orações ou sentenças sucessivas. Serve para enfatizar ideias-chave, criar ritmo e aumentar o efeito persuasivo ou poético de uma passagem.

Os efeitos da anáfora incluem uma ênfase, ritmo, persuasão e poesia. A anáfora destaca temas ou conceitos específicos, repetindo-os com destaque no início de cada cláusula ou frase, chamando a atenção para seu significado.A estrutura repetitiva da anáfora cria um padrão rítmico, melhorando o fluxo da linguagem e tornando o texto mais memorável ou envolvente para o público. Ao reforçar pontos ou argumentos-chave, a anáfora pode persuadir ou convencer o público da validade ou importância de uma ideia específica. Em contextos poéticos ou literários, a anáfora contribui para o apelo estético geral do texto, imbuindo-o de um senso de simetria, equilíbrio e elegância.

Alguns exemplos bíblicos:

  1. Hebreus 11: No livro de Hebreus, o escritor emprega anáfora para sublinhar o significado da fé na vida de várias figuras bíblicas:
    • “Pela fé entendemos…
      pela fé Abel…
      pela fé Noé…
      pela fé Abraão…
      pela fé Isaque…
      pela fé Jacó…
      pela fé José…
      pela fé Moisés…
      pela fé o povo passou pelo Mar Vermelho…
      pela fé caíram os muros de Jericó…
      pela fé Raabe…” (Hebreus 11).
  2. Mateus 13: No Evangelho de Mateus, a anáfora é usada para introduzir uma série de parábolas, enfatizando a natureza do reino dos céus:
    • “O reino dos céus é como um grão de mostarda…
      O reino dos céus é como fermento…
      O reino dos céus é como um tesouro escondido num campo…
      O reino dos céus é como um comerciante…
      O reino dos céus é como uma rede….” (Mateus 13: 31, 33, 44, 45, 47).

Anáfora na liturgia

Consagração ou Anáfora refere-se à parte central da oração eucarística que envovle ações de graças a Deus, embrança da história da salvação (anamnese), invocação o Espírito Santo sobre as dádivas do pão e do vinho (epiclesis) as consagra no corpo e sangue de Cristo, com suas palavras de instituição.

Merismo

Merismo é um artifício literário no qual um todo é expresso referindo-se às suas partes, ou vice-versa. Envolve o uso de dois elementos contrastantes ou complementares para abranger a totalidade de um conceito. Em vez de especificar cada componente individual, o merismo destaca a totalidade de um conceito mencionando seus extremos ou componentes essenciais.

O termo “merismo” origina-se da palavra grega “merizein”, que significa “dividir”.

Os efeitos do merismo são a completude, vividez e simbolismo. O Merismo transmite uma sensação de totalidade ou completude ao abranger todos os elementos ou extremos possíveis associados a um conceito. Ao mencionar pares contrastantes, sugere a totalidade de algo sem enumerar explicitamente todos os detalhes. Este recurso literário muitas vezes evoca imagens e simbolismo vívidos, à medida que elementos contrastantes são usados para pintar uma imagem rica e abrangente de um conceito ou fenômeno. O merismo pode ter um significado simbólico, destacando a interconexão ou unidade de forças opostas e enfatizando a harmonia ou o equilíbrio.

Exemplos Bíblicos:

  1. Salmo 74:15-17: Esta passagem geralmente se refere à autoria de Deus sobre toda a criação. Na criação, Yahweh separou as águas para que aparecesse a terra seca; o dia e a luz também lhe pertencem, incluindo os luminares celestiais e as estações, como o inverno e o verão. A linguagem aqui lembra claramente Gênesis 1. O uso de merismas na passagem, como “dia e noite”, “lua e sol” e “inverno e verão”, reflete uma noção comum encontrada em outras partes da Bíblia Hebraica (Gênesis 1; Gênesis 8:22; Isaías 45:7) da estrutura binária do cosmos.
  2. Amós 9:2–4: Embora não seja explicitamente mencionado nesta passagem, o tema do merismo prevalece nas imagens contrastantes usadas pelo profeta Amós para transmitir a onipresença e o julgamento de Deus. À medida que Amós descreve a capacidade de Deus de alcançar até as profundezas e alturas da terra, o conceito subjacente de merismo está implícito no escopo abrangente da soberania de Deus sobre toda a criação.

Distinção de Sinédoque:
Embora tanto o merismo quanto a sinédoque envolvam a representação de um todo por meio de suas partes, eles diferem em escopo e ênfase. O merismo abrange a totalidade de um conceito mencionando seus extremos ou componentes essenciais, enquanto a sinédoque concentra-se em uma parte específica para representar o todo ou vice-versa.

Assíndeto

Assíndeto é um artifício retórico caracterizado pela omissão deliberada de conjunções entre palavras, frases ou cláusulas em uma frase. Em vez de usar conjunções como “e”, “mas” ou “ou” para ligar elementos, o assíndeto apresenta uma série de itens sem quaisquer palavras de ligação.

Os efeitos do assíndeto dão ênfase,clareza e impacto. A ausência de conjunções cria um ritmo rápido e staccato, enfatizando cada elemento individual da série. Essa atenção redobrada a cada item pode evocar um senso de urgência ou intensidade na mensagem. O assíndeto pode simplificar uma frase, tornando-a mais concisa e direta. Ao remover as conjunções, a desordem desnecessária é eliminada, permitindo que as ideias principais se destaquem com mais destaque. O fluxo abrupto e ininterrupto de palavras pode ter um impacto dramático no leitor ou ouvinte, captando a atenção e criando uma impressão memorável.

O assíndeto é comum nas línguas semíticas e menos no grego. Por essa razão, é um indício de semitismo em textos gregos. O uso frequente de assíndeto no Evangelho de João (cf. João 5:3) é melhor explicado como resultado da influência semita. Nos Evangelhos sinópticos ocorre assindeto quase exclusivamente nos ditos e parábolas de Jesus, sugerindo a existência de uma tradição de ditos traduzida em grego (cf. Mateus 15:19).

O assíndeto é usado na Bíblia para transmitir imagens vívidas. Um exemplo notável é encontrado em Isaías 2:3:

“Vinde, subamos ao monte do Senhor, //
para a casa do Deus de Jacó, //
para que ele nos ensine seus caminhos //
para que possamos andar nos seus caminhos.”
Nesta passagem, a ausência de conjunções entre as frases (“Vinde, subamos…”, “para casa…”, “para que ensine…”) enfatiza cada passo da jornada e sublinha o convite para buscar a orientação e a sabedoria de Deus.

O discurso de Paulo em Atos 20:17-35 é permeado de assíndeto de uso retórico.

Distinção do Polissíndeto:
Enquanto o assíndeto envolve a omissão de conjunções, o polissíndeto é o oposto – envolve o uso deliberado de múltiplas conjunções para unir elementos. Asyndeton cria uma sensação de brevidade e imediatismo, enquanto polissíndeto tende a desacelerar o ritmo de uma frase e pode transmitir uma sensação de abundância ou ênfase. O uso excessivo do kai e kage no grego do Novo Testamento é um exemplo de polissíndeto.