Chreia

A chreia, em grego χρεία, no plural chreiai, χρεῖαι, é uma breve anedota centrada em um dito ou ação memorável de uma figura proeminente. Na retórica antiga, era uma técnica de atribuir um contexto a um dito, usualmente a alguém importante.

Originária da retórica grega, a chreia significa “o que é útil”, especialmente em confrontos. A chreia consiste em uma referência a uma pessoa conhecida e um comentário ou gesto marcante. A figura central pode ser o agente ou o receptor da ação. Como forma oral, a chreia era flexível, permitindo expansões com detalhes sobre encontros, ocasiões e reações. Filósofos estoicos usavam chreiai como ilustrações em discursos, enquanto cínicos as empregavam em confrontos sociais e como modelos de comportamento.

Na pesquisa do Novo Testamento, muitos estudiosos descrevem as anedotas de Jesus nos evangelhos sinóticos como chreiai, por abrangerem mais histórias e ditos do que termos anteriores como “história de pronunciamento” ou “apoftegma”. A sequência de chreiai nos sinóticos sugere semelhanças sociais entre o cristianismo primitivo e os cínicos helenísticos.

Os fragmentos de Papías (c. 125 d.C.) tratam o evangelho de Marcos como chreiai (“anedotas”) sobre Jesus formuladas por Pedro, que Marcos havia “recordado” (apomnēmoneusen). (Papías, citado em Eusébio, Hist. eccl. 3.39.14–16).

Um exemplo de chreia nos evangelhos é quando Lucas descreve o início do ministério de Jesus na Galileia, na sinagoga de Nazaré (4:16–30). Lucas transforma a história de uma simples chreia ou anedota ilustrando como o “profeta não tem honra” em sua própria casa, na história do sermão inaugural de Jesus.

Mashal

O termo hebraico מָשָׁל mashal designa um gênero literário que abrange desde provérbios curtos até parábolas e alegorias extensas. Seu propósito é didático e comparativo, transmitindo sabedoria por meio de analogias e figuras de linguagem.

No Antigo Testamento, mashal aparece em diversos contextos, como a literatura sapiencial (Provérbios, Eclesiastes), a profecia (Ezequiel) e as narrativas históricas (Juízes). Muitas vezes associado a חִידָה (khidah, “enigma”), pode assumir o formato de ditado moral, sátira, cântico ou sentença legal. Sua concisão e imagética vívida favorecem a memorização e a transmissão oral.

No judaísmo rabínico, mashal tornou-se um recurso pedagógico fundamental, especialmente em parábolas que ilustram verdades espirituais por meio de situações do cotidiano. Jesus utilizou esse estilo em seus ensinamentos, aproximando-se da tradição rabínica, mas com uma intencionalidade singular. Suas parábolas não eram meras ilustrações morais, mas veículos de revelação sobre o Reino de Deus. Diferiam das fábulas, pois evitavam personagens animais falantes, e da alegoria complexa, privilegiando um impacto direto sobre o ouvinte. Seu efeito era provocativo, desafiando a audiência a uma decisão ética e espiritual. Muitas parábolas de Jesus terminam com um desfecho surpreendente, que inverte expectativas e confronta o ouvinte com uma verdade inescapável.

A tradição rabínica e os evangelhos compartilham algumas imagens e estruturas narrativas, mas frequentemente aplicam-nas com propósitos distintos. Enquanto Jesus empregava mashal para revelar mistérios do Reino e questionar convenções religiosas, os rabinos o usavam para reforçar ensinamentos morais e haláquicos. A convergência estrutural sugere um fundo cultural comum, no qual o mashal funcionava como um meio privilegiado de ensino na sociedade judaica do período do Segundo Templo.

A natureza polissêmica dos mashalim reflete a versatilidade da linguagem figurada.

Qiyna

O qiyna, קינה, termo hebraico para “elegia” ou “lamento fúnebre”, representa um gênero poético distinto no Antigo Testamento, expressando profunda tristeza e luto, frequentemente em resposta à morte ou a calamidades.

Caracterizado por linguagem emotiva, imagens vívidas e ritmo cadenciado, o qiyna lamenta não apenas a perda individual, mas também tragédias coletivas, como a destruição de Jerusalém.

Embora permeado de dor e sofrimento, o qiyna não se limita ao desespero. Em meio ao lamento, emergem elementos de esperança, fé e questionamento da justiça divina, revelando a complexidade da experiência humana diante da finitude. Exemplos notáveis de qiyna incluem o livro de Lamentações e diversos Salmos, como o Salmo 137, que expressa o luto do exílio babilônico.

Classificação dos Salmos

O Livro dos Salmos, uma parte integral da Bíblia Hebraica e do Antigo Testamento cristão, é uma antologia de 150 poemas, classificados de formas diversas em subgêneros literários. As classificações mais comuns são as seguintes.

Salmos de Louvor: uma parte significativa do Saltério, incorporando expressões celebrativas de adoração e culto ao divino. Esses salmos exaltam a grandeza de Deus, sua misericórdia e seu poder criativo, servindo como hinos de louvor jubiloso. Exemplos incluem os Salmos 8, 19, 29, 104 e 148, nos quais Deus é louvado como Criador e Libertador. Além disso, os Cânticos de Sião, como os Salmos 46, 48 e 122, exaltam o Monte Sião como o lugar sagrado da presença de Deus.

Salmos de Lamento: manifestam expressões sinceras de tristeza e aflição, oferecem uma plataforma para que indivíduos derramem suas emoções enquanto buscam consolo e conforto em Deus. Mais de um terço dos Salmos pertence a esse gênero, apresentando lamentos pessoais e comunitários. Exemplos incluem os Salmos 3, 12 e 51, nos quais os salmistas expressam luto, queixa e arrependimento, transitando eventualmente para expressões de confiança na fidelidade de Deus.

Salmos de Ação de Graças: oferecem expressões de gratidão pelas bênçãos e atos de bondade de Deus. Esses salmos relatam orações respondidas e livramentos da adversidade, servindo como lembretes da fidelidade de Deus. Exemplos incluem os Salmos 32, 65 e 124, nos quais indivíduos e comunidades agradecem pelo perdão, proteção e livramento dos inimigos.

Salmos Reais e de Aliança: focam em temas de realeza, destacando a soberania de Deus e a aliança divina com a dinastia davídica. Divididos em categorias de realeza divina, realeza teocrática e renovação da aliança, esses salmos celebram o domínio de Deus sobre o universo e afirmam a lealdade ao rei davídico. Exemplos incluem os Salmos 2, 18 e 72, que enfatizam o papel de Deus como soberano supremo e o estabelecimento da linhagem davídica.

Salmos de Sabedoria: transmitem ensinamentos práticos e morais, dando a importância de viver uma vida justa de acordo com a lei de Deus. Esses salmos contrastam os estilos de vida dos justos e dos ímpios, frequentemente empregando dispositivos retóricos como bênçãos e comparações. Exemplos incluem os Salmos 1, 37 e 119, que exaltam as virtudes da sabedoria e da obediência aos mandamentos de Deus.

Salmos Imprecatórios: expressam o desejo pela justiça e intervenção de Deus, muitas vezes invocando maldições sobre os inimigos do salmista. Embora esses salmos apresentem desafios para a interpretação, refletem as lutas dos salmistas com as complexidades da retribuição divina. Exemplos incluem os Salmos 35, 69 e 109, nos quais os salmistas clamam a Deus por julgamento sobre seus adversários.

Salmos Penitenciais: são expressões de remorso e busca pelo perdão e misericórdia de Deus. Esses salmos reconhecem a fragilidade humana e a necessidade da graça divina, oferecendo orações de arrependimento e contrição. Exemplos incluem os Salmos 6, 32 e 51, nos quais os salmistas suplicam pela misericórdia e cura de Deus diante do pecado e do sofrimento.

Salmos de Confiança: enfatizam a confiança na providência e proteção de Deus, mesmo no meio da adversidade. Esses salmos transmitem confiança na fidelidade de Deus e servem como expressões de fé inabalável. Exemplos incluem os Salmos 11, 23 e 121, nos quais os salmistas encontram segurança e refúgio no cuidado de Deus.

Salmos Messiânicos: antecipam a vinda de um messias e encontram cumprimento na pessoa de Jesus Cristo na interpretação cristã. Esses salmos contêm elementos proféticos que apontam para o futuro reinado de um rei divino. Exemplos incluem os Salmos 2, 22 e 110, que preveem o estabelecimento do reino de Deus e o reinado de um governante justo.

Salmos de Ascensão: compreendendo os Salmos 120-134, eram cantados pelos israelitas peregrinos enquanto ascendiam a Jerusalém para as festas anuais. Esses salmos refletem temas de peregrinação, unidade e adoração, servindo como expressões de devoção comunitária e anseio pela presença de Deus.

Salmos de Hallel: incluem o Hallel Egípcio (Salmos 113-118) e o Grande Hallel (Salmos 120-136), são coleções de salmos usados na liturgia judaica para louvor e ação de graças nas três festas anuais às quais todos os homens tinham que comparecer: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Esses salmos celebram a libertação, a providência e a fidelidade de Deus, servindo como expressões de adoração e adoração comunitária. A maioria dos salmos do “Grande Hallel” são canções de peregrinação. Uma terceira coleção de salmos Hallel (146-150) foi incorporado às orações diárias do culto na sinagoga após o destruição de Jerusalém em 70 d.C.

Crítica dos gêneros e das formas aplicada aos Salmos

O estudo da classificação de gêneros para os Salmos evoluiu significativamente no século XX. Foram elaboradas por biblistas que empregavam a crítica literária e crítica das formas.

Hermann Gunkel, em colaboração com J. Begrich, fez esforços pioneiros nesse campo com sua obra “Introduction to the Psalms: The Genres of the Religious Lyric of Israel” (1933), onde classificaram os Salmos com base em seus supostos contextos de vida, frequentemente atribuindo-os ao contexto cultual. Embora a ideia de Gunkel de um único contexto de vida para cada tipo de salmo seja agora considerada desatualizada, suas categorias críticas de forma ainda influenciam as discussões contemporâneas, embora com revisões.

Clause Westermann, em “Praise and Lament in the Psalms” (1981), questionu as distinções tradicionais entre os Salmos de louvor e de ação de graças, argumentando que todos os Salmos contêm elementos de louvor. Ele os categorizou como louvor descritivo ou narrativo/declarativo, com até os Salmos de lamento sendo vistos como expressões de louvor em meio à adversidade. Baseando-se nisso, Walter Brueggemann, em “The Message of the Psalms” (1984), propôs uma categorização funcional, dividindo os Salmos em orientação, desorientação e reorientação, com base em seu papel na jornada de fé do crente

Outros estudiosos, como Erhard S. Gerstenberger, têm se concentrado nos contextos sociais dos Salmos, destacando a dinâmica entre contextos de grupo interno e externo.

Outras abordagens inclueem obras como “Out of the Depths: The Psalms Speak to Us Today” de Bernard W. Anderson e as contribuições de Douglas Stuart para “How to Read the Bible for All It’s Worth”.

Parábola

Parábola refere-se a um pequeno ditado ou narrativa com um argumento ou lição de forma memorável.

As parábolas podem envolver simbolismo, metáfora, ironia ou algum tipo de duplo sentido. Às vezes, simplesmente provocam reflexões acerca de uma verdade.

As parábolas são associadas ao ensino judaico, particularmente ao período do Segundo Templo. Jesus aparece nos Evangelhos como o grande contador de parábolas.

Há diferenças técnicas do gênero “parábola” quando comparados com fábulas e apólogos (objetos ou animais fantásticos) ou outros tipos de histórias simbólicas, mas em nível facilmente apreensível.

Em sentido estrito, parábolas (como em 2 Samuel 12:1-4; Isaías 28:4) e alegorias (Isaías 5:1-7) ainda não foram encontradas em documentos sumérios, acadianos ou ugaríticos.

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