O derramar do Espírito Santo: 15 de setembro de 1907

“O inesquecível 15 de setembro”– Louis Francescon
“Dia de sagrada memória” – Peter Ottolini

Local da “Igreja dos Toscanos” na W. Grand Avenue, cenário do avivamento de 1907.

Em uma manhã de domingo no final do viçoso verão de Chicago, o jovem Jean Etienne Perrou caminhou pela agitada e populosa colônia italiana no melhor de seus trajes domingueiros até uma porta comercial localizada na 1139 W. Grand Avenue. Entre mercearias, lojas e moradias apertadas aquele estabelecimento parecia deslocado. As duas vidraças tapadas com cortinas não revelavam muito do que se passava no interior daquele endereço. Na vidraça, a única indicação do propósito desse lugar aparecia pintada em letras brancas em italiano: “Reunidos em Nome do Senhor Jesus”.

Nascido em Marselha, na Côte D’azur, filho de pais italianos francófonos, Jean era chamado Giovanni para seus compatriotas e John para os americanos. O garçom magro e alto que há pouco migrara para a América teve acolhida entre seus correligionários valdenses em Chicago, mas não ficou muito tempo entre eles. O rapaz de vinte anos preferia a ordem de culto com mais liberdade daquele ajuntamento sem denominação da Grand Avenue. Ali se tinha liberdade para chamar cânticos, orar, testemunhar, ler e exortar pela Bíblia conforme o crente sentisse movido pelo Espírito Santo.

Perrou chegou e ajoelhou-se para sua oração privada. Súbito e inesperadamente foi tomado pelo Espírito Santo e manifestava em novas línguas. Os membros da igreja, espantados e maravilhados, não compreendiam o que se passava. Outros presentes também manifestavam da mesma forma. Um dos dois anciãos daquela igreja, Ottolini narra o que se seguiu:

Vendo essa manifestação, senti de chamar a Francescon. Encarreguei G. Marin de ir dizer a Francescon que o Senhor o queria no meio de nós. Quando Marin chegou em casa, não encontrou ninguém e escreveu um bilhete que dizia: ‘o Senhor está manifestando o seu poder na nossa igreja de Grand Avenue, a gente gostaria que fosse lá.’ E passou o bilhete por baixo da porta. Quando Francescon retornou à casa leu o aviso, foi a DiCicco, que morava na vizinhança, mostrou-lhe o bilhete ajuntando: ‘Pois que o Senhor está manifestando seu poder na igreja dos toscanos e nos tem pedido nossa presença, seria bom irmos.’ Francescon chegou cerca das 14:00 e encontrou um grande número dos presentes revestidos do poder de Deus. Nesse dia o Senhor batizou Pietro Menconi, Esterina Giometti e Caterina Gardella. Durante a terceira reunião daquele dia, o Espírito do Senhor me ordenou dizer: ‘o Senhor enviou o irmão Francescon aqui para que por meio dele possamos escutar a palavra de Deus, até que perdure as circunstâncias de agora.’ O irmão Francescon hesitava a aceitar o convite, mas o Senhor revestiu-o de um poder sobrenatural. Se levantou e disse: ‘agora estou seguro que o Senhor falou por meio do irmão Ottolini’, então deu uma mensagem poderosa. As bênçãos daquele dia foram inúmeras, não é possível contar cronologicamente os batizados (no Espírito Santo). Uma coisa pode ser dita, parecia que o dia de Pentecoste reapareceu e Chicago se tornara o centro dessa obra divina a qual estava destinada a distribuir bênçãos especiais ao povo italiano. (Ottolini. Storia della Opera Italiana. 1945).


Francescon narra os eventos desse dia com algumas variações de detalhes:

No inesquecível dia 15 de setembro do mesmo ano, na casa de oração da W. Grand Av. 1139, o Senhor se manifestou no irmão A. Lencioni, e muitos dos presentes, julgando que ele não se encontrasse em si, formaram um ambiente confuso, por não discernirem a Obra de Deus. Dois dos presentes (P. Menconi e Luigi Garrou) vendo isto, vieram me chamar, dizendo-me que fosse depressa onde eles se encontravam reunidos; antes de sair, orei ao Senhor que me determinou ir. Ao entrar naquele local, o Senhor me abriu a boca para falar-lhes do poder do sangue do concerto eterno e que só por ele se pode permanecer em pé na presença de Deus e obter as suas fiéis promessas. Imediatamente, o Senhor se manifestou com sua presença, selando os irmãos P. Menconi, A. Andreoni, A. Lencioni e outros, e as maravilhas de nosso Senhor e de seu grande poder foram conhecidas e manifestadas a todos quantos vinham para vê-las e o Senhor convencia e os selava, jovens e velhos (na fé) e entre esses os irmãos G. Marin e Umberto Gazzari. Quando voltei à Congregação da W. Grand Ave, o irmão P. Ottolini abria o serviço e P. Menconi presidia. No terceiro serviço que tivemos, sucedeu que enquanto o irmão P. Menconi subia ao púlpito, o irmão P. Ottolini (guiado pelo Espírito Santo), deu um salto e falou em alta voz: “Irmão Menconi! Pare; o Senhor me disse que enviou em nosso meio o irmão Louis Francescon para nos exortar”. E o irmão P. Menconi foi confirmado pelo Senhor para ficar sentado no momento, depois também Deus servir-se-ia dele. E foi assim, que, novamente, ocupei o lugar de ancião nessa igreja até 29 de junho de 1909 (Francescon. Fedele Testimonianza. 1952).


A congregação toda fora tomada e transformada pelo poder do alto. Vários crentes foram confirmados pelo Espírito Santo com seus dons, com falar de novas línguas e profecias que viriam em breve se cumprirem. Aquela glória continuou por todo o dia até à tarde da noite. Anos mais tarde, Francescon relembrava “o inesquecível 15 de setembro” e Ottolini o “dia de sagrada memória” tendo-o como a data inicial dessa Obra. Em um documento estatutário escrito anos mais tarde, Francescon reflete sobre o impacto do derramar do Espírito Santo:

Cremos nos dons de Deus pelos quais essa obra começou entre o povo italiano em Chicago. Essa obra começou no ano de 1907. Depois de poucos meses, alguns do povo guiados pelo Espírito Santo levaram o testemunho desta obra de Deus a diversas localidades da América do Norte, Itália e América do Sul. Deus acompanhou-os com suas maravilhas e a obra cresceu e esparramou miraculosamente. Isso se cumpriu no espaço de três anos, o que serviu para confirmar-nos que devíamos deixar o Senhor realizar Sua Obra e que devíamos tão somente escutá-Lo e segui-Lo. Essa é a única razão que nunca consentimos usar outro método humano de fazer a obra de Deus, métodos os quais são contrários aos pensamentos e caminhos do Senhor (Isa 55:8) e ao testemunho do Novo Testamento. (Francescon. Fede e Regola Congregação Cristã de Chicago, agosto de 1955).

FONTE

ALVES, Leonardo Marcondes. Congregação Cristã na América do Norte: sua origem e culto. 2011. pp. 4-5

Pietro Ottolini

Pietro ou Peter Ottolini (1870-1962) pioneiro do avivamento pentecostal italiano em Chicago e missionário na Itália. Por muitos anos desenvolveu seu ministério em St. Louis, Missouri, na região central dos Estados Unidos.

Em 1891, Ottolini deixou sua Pescaglia natal, província de Lucca, Itália, com destino a Chicago. Três anos depois, Peter casou-se com Emma Pacini. Os recém-casados passaram a morar ao lado dos Menconis. Emma, uma leitora ávida, estava procurando um livro interessante quando um hóspede da casa dos Menconi disse que a Bíblia era uma literatura entretenedora.

Emma ficou interessada, mas naquela época era difícil encontrar uma Bíblia publicada em italiano. A vizinha colocou-a em contato com um evangelista, Giuseppe Beretta, que lhe vendeu o precioso livro. Para o desânimo de Emma, o livro era confuso. Assim, ela chamou o homem que vendeu o livro e pediu que lhe explicasse. Beretta começou a fazer leituras da Bíblia no lar dos Ottolini.

Em uma das reuniões, Emma pediu-lhe que orasse por ela. Beretta orou e impôs sua mão sobre sua cabeça dizendo “Irmã, em nome de Jesus, seus pecados estão perdoados.” O Senhor a salvou e transformou nessa oração. Após a desconfiança inicial de Peter Ottolini, o casal aceitou com alegria a vida cristã.

Beretta convidou os Menconi e outros vizinhos para essa reunião. Logo, o grupo tinha 18 pessoas reunidas nas casas de Menconi e Ottolini. Beretta se sentia incapaz de ministrar a um grupo tão crescente, então os convidou a frequentar a única congregação protestante italiana de Chicago, a Primeira Igreja Presbiteriana Italiana. Rev. Grilli, o pastor os acolheu. Contudo, a congregação, muitos deles evangélicos desde o nascimento, sentiu a informalidade do grupo perturbadora: eles interferiam na ordem do culto dando testemunhos. Beretta deixou essa Igreja com seus discípulos e eles congregatam em cultos domésticos até passarem pelo batismo nas águas em 1904.

Em 1907, Ottolini e Menconi, então ancião daquele grupo chamado de “Igreja dos Toscanos”, tiveram uma experiência espiritual intensa. A missão, uma igreja em um salão comercial, que eles tinham na W. Grand Avenue em Chicago passou por um poderoso avivamento no Espírito Santo.

Posteriormente, Ottolini foi para o campo missionário em St. Louis. Entre 1910 e 1914, os Ottolinis, sob severas dificuldades econômicas, pregaram o evangelho na Itália, nas cidades de Luserna San Giovanni, Milão, Gissi e Ginosa.

Após seu retorno a Chicago em 1917, Pietro Ottolini sentiu que o fervor do avivamento havia esfriado. Após uma série de sermões exortando a buscar a presença de Deus, passou a urgir que “sem o Batismo do Espírito Santo ninguém poderia ser salvo”. Foi o suficiente para o conselho de anciãos colocá-lo sob disciplina.

Uma carta circular foi emitida aconselhando as igrejas a fecharem-lhe seus púlpitos.

Em um arranjo informal, os anciãos reconheceram a obra do Senhor sobre sua vida, mas restringiram seu ministério a uma única igreja. Ottolini escolheu a igreja de St. Louis, um de seus primeiros campos missionários. Naquela época, a igreja de St. Louis estava em uma posição difícil, pois havia apenas poucas famílias, com umas irmãs cujos maridos eram descrentes e um jovem doente, Leonard Erutti.

Os Ottolinis se mudaram para St. Louis e começaram a renovar a igreja. Essa obra prosperou com a ajuda do Senhor. Leonard Erutti tornou-se pastor assistente e genro dos Ottolinis.

Atualmente, a Full Gospel Evangelical Assembly possui uma igreja numerosa em Afton, um subúrbio na parte sul de St. Louis, aderindo ao mesmo compromisso simples e firme com o evangelho que seus antepassados ​​lhes ensinaram.

Mesmo isolado, Peter Ottolini fez um poucas viagens visitando as igrejas italianas no Nordeste, antes de morrer na venerável idade de 92 anos.

BIBLIOGRAFIA
Erutti, Leonard. Life and Work of Peter Ottolini. St. Louis, 1963.
Francescon, Louis. Testemunho fiel. Chicago, 1952.
Toppi, Francesco. Pietro Menconi. Roma: ADI-Media, 1997.
Contatos pessoais com Elmer Erutti (2001), Sandra Giacolleto-Worth (2001) e visita de campo a St. Louis (2004).


COMO REFERENCIAR

ALVES, Leonardo Marcondes (ed.). Pietro Ottolini. Círculo de Cultura Bíblica, 2021. Disponível em: https://circulodeculturabiblica.org/2021/07/19/pietro-ottolini/. Acesso em: 04 jul. 2021.