Ordenanças

As ordenanças são práticas ritualísticas de obediência ao evangelho estabelecidas por Jesus Cristo durante Seu ministério terreno. São tradicionalmente compreendidas como o batismo em água e a Santa Ceia do Senhor. Em algumas tradições teológicas, as ordenanças são vistas como alternativas ou sinônimos dos meios de graça ou dos sacramentos, embora com implicações teológicas distintas.

Natureza e Propósito

As ordenanças são geralmente interpretadas como atos simbólicos que demonstram a fé do participante e sua aliança com Deus. Diferentemente de perspectivas sacramentais, que frequentemente atribuem uma eficácia espiritual direta a esses rituais, a compreensão das ordenanças nas tradições protestantes enfatiza seu caráter representativo e memorial, sem eficácia ex opere operato.

Meios de Graça

O conceito de meios de graça, próximo das ordenanças em certas tradições, refere-se aos instrumentos pelos quais os cristãos experimentam a atuação do Espírito Santo em suas vidas. Os meios de graça abrangem práticas como a pregação da Palavra, oração e os sacramentos. Na teologia reformada e luterana, o batismo e a Ceia do Senhor são considerados meios principais de graça, enquanto o metodismo, influenciado por John Wesley, inclui uma ampla gama de práticas individuais e comunitárias como meios de graça, como obras de piedade e misericórdia.

Ordenança versus Sacramento

O termo sacramento deriva do latim sacramentum, originalmente um juramento de fidelidade. Na teologia cristã, os sacramentos são compreendidos como rituais visíveis que manifestam a graça divina de forma tangível. Por outro lado, as tradições que preferem o termo “ordenança” destacam o caráter simbólico e memorial dos rituais. A escolha entre sacramento e ordenança frequentemente reflete divergências teológicas sobre o papel desses atos na vida cristã.

Enquanto a perspectiva sacramental atribui uma eficácia espiritual intrínseca aos rituais, a visão das ordenanças sublinha a resposta humana em fé e obediência. Contudo, ambas as abordagens reconhecem o papel central desses rituais na vida comunitária e espiritual dos cristãos.

Sacramento

O termo sacramentum no latim denota originalmente um juramento de fidelidade ou voto solene. No contexto da teologia cristã, os sacramentos são entendidos como ações rituais por meio das quais os crentes compreendem a presença divina e Deus manifesta a promessa da graça. Os sacramentos atuariam como manifestações tangíveis da graça e do amor de Deus na vida da Igreja.

Em denominações de tradição sacramental, os sacramentos são considerados mais do que meros rituais simbólicos. Os sacramentos são vistos como sinais exteriores de uma graça interior, transmitindo eficazmente o amor transformador de Deus aos fiéis. Esta compreensão enfatiza o aspecto experiencial dos sacramentos, em que os crentes participam em rituais que simbolizam e atualizam a sua incorporação na vida divina de Cristo.

A terminologia usada para descrever os sacramentos varia entre as denominações cristãs. Embora algumas denominações, como os batistas de língua inglesa, prefiram o termo “ordenança” para enfatizar a natureza simbólica dos rituais, a maioria do cristianismo histórico ocidental adota o termo “sacramento” para destacar a eficácia desses rituais na transmissão da graça divina. A distinção entre sacramento e ordenança muitas vezes depende de perspectivas teológicas relativas à natureza destes rituais e ao seu papel na vida espiritual. Muitos aderentes do termo ordenança argumentam que sacramento significa univocalmente ex opere operato como um ato eficaz sobrenatural independente do sujeito. No entanto, a ex opere operato é sobre a eficácia dos sacramentos independente da condição espiritual do ministro. Adicionalmente, essa crítica não considera as várias perspectivas teológicas sobre a natureza dos sacramentos, desde as mais realistas e objetivistas até as mais subjetivistas e simbolistas, sem contar a síntese de transignificação e o posicionamento sobre meios de graça.

Números dos Sacramentos

O número de sacramentos reconhecidos pelas diferentes tradições cristãs varia consideravelmente.

  • Algumas denominações anabatistas, como os menonitas, reconhecem números variáveis de sacramentos, incluindo o batismo, a santa ceia, o lava-pés, o casamento, a unção com óleo, o ósculo santo e a cobertura da cabeça das mulheres. Os luteranos reconhecem dois ou três sacramentos: o batismo, a santa ceia e a confissão (inclusa a absolução) coletiva.
  • Por outro lado, outras tradições, como os reformados, anglicanos, metodistas e os batistas, normalmente reconhecem menos sacramentos ou ordenanças, normalmente limitados ao batismo e à comunhão. Alguns batistas contam três ordenanças, sendo a terceira o lava-pés ou a imposição das mãos. Alguns anglicanos possuem número variável de práticas tidas como sacramentos, desde dois até sete.
  • Já a Igreja Católica Romana adere a uma lista canônica de sete sacramentos: Batismo, Crisma (Confirmação), Confissão (Penitência, Reconciliação), Sagrada Comunhão (Eucaristia), Casamento (Santo Matrimônio), Ordenação (Ordens Sagradas) e Unção ( Unção dos Enfermos, antiga Extrema Unção).
  • Os morávios observam como sacramentos o batismo, a confirmação, a santa ceia, o casamento, a unção e a ordenação ministerial.
  • As igrejas ortodoxas orientais evitam especificar um número fixo de sacramentos, referindo-se a eles como mistérios.
  • A Igreja do Oriente (Assíria) consideram como sacramentos o batismo, a confirmação, a santa ceia, e a ordenação, o santo fermento e o sinal da cruz.
  • Certos grupos cristãos, como o Exército da Salvação e os Quakers, não adota nenhuma das práticas sacramentais convencionais, por adesão ao adeipnonismo.

Adeipnonismo

O adeipnonismo é uma posição que não considera a celebração dos sacramentos ou ordenanças como vinculante ou normativa para o presente. Em sentido estrito, a posição adeipnonista é um entendimento sobre a não celebração da Santa Ceia.

Os exemplos mais conhecidos de aderentes ao adeipnonismo são os Quakers e Exército de Salvação.

Os entendimentos para não celebração variam desde interpretações dos sacramentos como metáforas, espiritualização, compromisso somente para o período apostólico, ausência de um clero qualificado para oficiá-los, dentre outros.

Os principais grupos não sacramentais são os seguintes:

  • Abecedarianos
  • Ambrosianos
  • Christ’s Sanctified Holy Church
  • Collegiant
  • Doukhbors
  • Erik-jansarna
  • Exército de Salvação
  • Gichtlianos 
  • Gospel Assemblies
  • Inspirationists
  • Iveland-sekten
  • Labadistas
  • Molokans
  • Nichollists
  • Mukyōkai
  • Ranters
  • Religious Society of Friends – Quakers
  • Rogerenes
  • Schwenkenfelders
  • Seekers
  • Shakers
  • Vários grupos chamados de “Antinominianos”
  • White Quakers of Dublin

Reliquiae sacramenti

As reliquiae sacramenti são as partes remanescentes da Santa Ceia do Senhor. Diferentes entendimentos sobre a comunhão entre as diversas tradições cristãs levam a práticas variadas sobre os destinos do pão e do vinho restantes.

Considerando que ordenança sacramental na Santa Ceia é a consagração, distribuição e recepção do pão e do vinho, os elementos restantes ficam separados dessa ordenança.

Uma das primeiras orientações a respeito das reliquiae na história aparece o Segundo Concílio de Masticon, na França, que no ano 588 orientou a darem os restos para as crianças uma vez por semana. Ainda é uma prática continuada em muitas congregações evangélicas.

Na tradição católica romana, diante da doutrina de transubstanciação, somente os ministros ordenados devem consumi-los. Restos de elementos consagrados são guardados em um sacrário para próxima ocasião. O vinho geralmente é retornado à garrafa e a hóstia é disposta em um sacrário para devoção. Se por acaso tornaram impróprio para consumo (por exemplo, por mofo ou por cairem ao chão), os restos serão diluídos em água benta até que percam suas características. Lançar o pão e o vinho consagrados ao chão ou enterrá-los são passíveis de excomunhão. (Cânon. 1367 Código de Direito Canônico).

Em reação à doutrina da transubstanciação, no protestantismo consolidou-se as práticas de consumo posterior ou disposição ao solo para salientar o caráter respeitoso, porém não sobrenatural do pão e do vinho consagrados.

Entre os luteranos, a questão das relíquias foi alvo de controvérsia em dois momentos. Em 1543, Simon Wolferinus, um ministro luterano em Eisleben propunha que os restos da comunhão deveriam ser descartados como outras comidas. Lutero reagiu fortemente à visão de Wolferinus, defendendo a prática adotada em Wittenberg e enfatizando a persistência da real presença. Lutero recomendou que os ministros ou os últimos comungantes consumissem todos os elementos que sobrassem para evitar problemas teológicos e pastorais. A segunda controvérsia ocorreu em Danzig no começo da Escolástica Protestante. A presença de mercadores reformados de perspectiva zwingliana na cidade levou a uma disputa sobre os elementos. Considerando que no entendimento luterano Cristo está presente na, sob e com os elementos, há uma alta consideração pelos elementos consagrados. Assim, o descarte do vinho geralmente ocorre em uma pia especial, com um encanamento paralelo ao normal, chamada piscina, destinado ao jardim ou uma porção de solo da igreja local. Muitos espalham o pão e fazem uma libação do vinho no chão fora da igreja. Por fim, em muitas comunidades luteranas os restos são consumidos pelos ministros ou por pessoas que estejam na igreja ou casa pastoral depois do culto.

Os anglicanos acreditam que, uma vez consagrados, o pão e o vinho permanecem sagrados. Por isso, quando há sobras, ou são consumidas pelo ministro ou dispostos no solo por libação. Por tradição, e implícito no Livro de Oração Comum, esses consumos são feitos em público – às vezes quase cerimonialmente. O Livro de Serviços Alternativos diz para consumi-los na mesa lateral do altar (credence) ou na sacristia.

Entre os metodistas e outros evangélicos há a prática de enterrá-los, dentre as várias admitidas como apropriadas para as reliquiae. Segundo instrução do United Methodist Worship Book:

O que se faz com o restante pão e vinho deve exprimir a nossa
mordomia dos dons de Deus e nosso respeito pelo santo propósito que eles serviram.

1) Podem ser reservados para distribuição aos enfermos e outros que desejam comungar, mas não podem comparecer.

2) Podem ser consumidos com reverência pelo pastor e outros enquanto a mesa está sendo posta em ordem ou após o serviço.

3) Podem ser devolvidos à terra; isto é, o pão pode ser enterrado ou espalhado no chão, e o vinho pode ser reverentemente derramado no chão – um gesto bíblico de adoração (2 Samuel 23:16) e um símbolo ecológico hoje.

Como legado da tradição wesleyana, a Congregação Cristã e outras denominações oriundas do avivamento pentecostal italiano costumam enterrar o pão e o vinho que sobraram da Santa Ceia.

Muitas igrejas simplesmente descartam o vinho restante em uma pia e ralo comuns e jogam o pão no lixo comum. Outras ainda deixam para os celebrantes ou guardas da igreja consumirem após o culto. Algumas tradições o preservam para darem aos fiéis doentes ou ausentes.

A questão do destino dos elementos foi ponto de controvérsia nas relações ecumênicas entre anglicanos e metodistas nos anos 1960, e entre luteranos e anglicanos nas reuniões que levaram à comunhão de Leuenberg. Em vista disso, resultou em um entendimento mútuo de não os tratar como lixo comum. Assim, foi admitido entre anglicanos, metodistas e luteranos práticas, entre outras, de enterrá-los ou dispô-los ao solo.

BIBLIOGRAFIA

Congregation for Divine Worship and the Discipline of the Sacraments. Instruction. Redemptionis Sacramentum, 25 March 2004

Hovda, Bjørn Ole. The Controversy over the Lord’s Supper in Danzig 1561–1567: Presence and Practice–Theology and Confessional Policy. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2017.

Lockton, William. The Treatment of the Remains at the Eucharist After Holy Communion and the Time of the Ablutions.  Wipf & Stock Publishers, 2021.

Monette, Ruth. A Word on Holy Communion: Instructions as We Return to Receiving Bread and Wine. St Stephen the Martyr Anglican Church, Burnaby. 11 de Abril de 2022.

United Methodist Book of Worship. “A Service of Word and Table V”. UMBOW 51-53.

Weimarer Ausgabe Br 10, 336–341 (Luther’s and Bugenhagen’s Letter to Simon Wolferinus in Eisleben, 4.7.1543); Weimarer Ausgabe Br 10, 348–349  (Luther’s second Letter to Simon Wolferinus, 20.7.1543).

Batismo

O batismo, do grego Koinē βάπτισμα, geralmente significando “imersão”, é uma prática ritual cristã. Jesus Cristo ressurreto comissionou seus apóstolos a administrar o batismo na Grande Comissão (Mt 28:19, 20).

No período asmoneu propagou-se entre os judeus a prática de repetidas abluções para purificação ritual. Tais lavagens resultaram em construção de tanques (mikvé) ou uso de água corrente. Foi nesse sentido que o batismo de João e os batismos da comunidade de Qumran eram praticados.

No Novo Testamento o batismo cristão está associado ao perdão dos pecados (At 2:38; 22:16); união com Cristo (Gl 3:26; Rm 6:3-5); a recepção do Espírito Santo (At 2:38); e integração como membro do corpo de Cristo (Igreja) (1 Co 12:13).

Teologicamente, é considerado na tradição das igrejas livres como ato de obediência e testemunho público da conversão interior operada por graça.

Em conformidade com a raiz léxica de βαπτίζω, “mergulhar” ou “imergir” e com as exegeses acerca do batismo de João e dos apóstolos foi por imersão (cf. João 3:23; Atos 8:36-38), bem como testemunhos patrísticos (Didaquê 7) o modo por imersão tende a ser preferido entre denominações que praticam o batismo dos crentes, ou seja, com idade consciente e voluntariamente.

Discussões sobre a validade de outros modos (aspersão), consentimento (batismo infantil, batismo forçado), significado (batismo como aliança, batismo como símbolo, batismo como causa ou efeito regenerativo) e fórmula batismal permeiam a teologia cristã.

BIBLIOGRAFIA

Hellholm, David, Christer Hellholm, Øyvind Norderval, and Tor Vegge. Ablution, Initiation, and Baptism. 1. Aufl. ed. Vol. 176. Beihefte Zur Zeitschrift Fur Die Neutestamentliche Wissenschaft. Berlin/Boston: Walter De Gruyter GmbHKG, 2011.