Equivalências formal e funcional

As teorias de equivalência formal e funcional representam dois polos em um espectro na tradução bíblica, com a maioria das traduções situando-se entre esses extremos. Os tradutores enfrentam o desafio de permanecerem fiéis aos textos originais em hebraico, aramaico e grego, enquanto tornam a mensagem acessível aos leitores contemporâneos. Na prática, essas teorias guiam escolhas fundamentais nas traduções da Bíblia em português.

A equivalência formal prioriza a preservação da forma e da estrutura do texto original. Isso inclui manter escolhas lexicais, estruturas gramaticais e dispositivos literários do idioma de origem, mesmo que resultem em frases pouco naturais no idioma alvo. Por exemplo, a tradução Almeida Corrigida e Revisada Fiel (ACF) segue essa abordagem ao preservar a ordem das palavras e as construções gramaticais dos idiomas originais. Um exemplo é Gênesis 1:1: “No princípio criou Deus os céus e a terra.” Essa frase reflete a ordem de palavras do hebraico, diferente da estrutura comum em português. A abordagem formal permite uma maior fidelidade ao texto fonte e é útil em contextos acadêmicos ou jurídicos, mas pode dificultar a leitura e a compreensão por parte de um público mais amplo.

Por outro lado, a equivalência funcional busca transmitir o significado e a intenção do texto original de maneira clara e natural para o público-alvo. Essa abordagem frequentemente adapta referências culturais e reestrutura frases para melhorar a legibilidade. A Nova Versão Internacional (NVI) exemplifica essa filosofia ao reescrever provérbios e outras passagens de forma mais fluida e acessível. Em Provérbios 18:24, o texto “O homem de muitos amigos pode congratular-se, mas há amigo mais chegado do que um irmão.” (ACF) é simplificado para “Há amigos mais chegados que irmãos.” (NVI), mantendo o sentido central do versículo enquanto facilita a leitura. Essa abordagem é mais adequada para leitores que buscam uma compreensão prática e direta da mensagem bíblica, embora possa perder nuances do texto original.

Entre essas duas abordagens extremas, muitas traduções buscam um equilíbrio. A Almeida Revista e Atualizada (ARA), por exemplo, combina aspectos das equivalências formal e funcional, preservando em parte a literalidade enquanto atualiza a linguagem para maior clareza. Isso reflete a realidade de que nenhuma tradução é totalmente formal ou funcional, pois até as traduções mais literais fazem concessões à legibilidade, e as mais dinâmicas procuram ser fiéis ao significado original.

A escolha entre essas abordagens depende do propósito da tradução e do público-alvo. A equivalência formal é valorizada por sua precisão e conexão com o texto fonte, enquanto a funcional destaca a clareza e a relevância cultural. Na prática, a maioria dos tradutores adota elementos de ambas as teorias, reconhecendo a complexidade e as limitações inerentes ao processo de tradução.

Targum

Targum (plural targumim ou targuns, em aramaico significa “interpretação” ou “tradução”) são traduções da Bíblia Hebraica ao aramaico feitas na Antiguidade Tardia.

Os targuns talvez sejam, junto da Septuaginta grega, as traduções mais antigas da Bíblia. São provavelmente originárias das traduções orais feitas pelos intérpretes da Lei após o exílio, quando o hebraico se tornava uma língua estrangeira para o povo de Israel (cf. Ne 8:8). Tipicamente, o texto da Escrituras Hebraicas era lido nas sinagogas e seguido por uma interpretação em aramaico. Embora a língua-alvo fosse o aramaico, há indícios que o grego também fosse usado, como as versões de Símaco e Áquila da Septuaginta. Com o tempo, essas traduções orais foram ganhando formas padronizadas e depois registradas por escrito.

Existem targuns para todos os livros da Bíblia Hebraica, exceto Daniel e Esdras-Neemias, os quais foram parcialmente escritos em aramaico.

Os targuns mais conhecidos são:

  • Tg. Onq. Targum de Onkelos do Pentateuco: quase literal, composto durante o século I ou II d.C. na Judeia e revisado na Babilônia.
  • Tg. Neof Targum Neofiti. Manuscrito do século XVI redescoberto na Itália no século XX.
  • Tg. Neb. Targum de Jônatas ben Uziel dos Profetas: composto no século II d.C.
  • Tg. Ps.J. Targum Pseudo-Jônatas fundiu a tradução de Onkelos, os acréscimos dos Targums palestinianos e uma quantidade ainda maior de material próprio. Contém o Pentateuco.
  • Tg. Ket. Targum dos Escritos
  • Tg. sim I Targum Yerusalmi I
  • Tg. sim II Targum Yerusalmi II
  • Frg. Tg. Targum Fragmentado
  • Sam. Tg. Targum Samaritano
  • Sim. Tg. Targum iemenita
  • Tg. Isa Targum de Isaías
  • Tg. Ester I, II Primeiro ou Segundo Targum de Ester
  • Pal. Tgs. Fragmentos dos Targumim Palestinianos (Targum Jerusalém): escrito na Galileia no início do século III dC, tradução literal com consideráveis materiais adicionais.
  • 11QtgJob Targum de Jó da Caverna 11 de Qumran Cave dos Manuscritos do Mar Morto.

Os targumim tendem a parafrasear livremente o texto hebraico, sendo fonte importante para a história da recepção bíblica na Antiguidade Tardia. Uma marca são as leituras alegóricas preferidas aos antropomorfismos para evitar idolatria. Utilizaram versões hebraicas hoje perdidas.

Os Targum Onkelos e Jônatas aparecem nas edições impressas rabínicas da Tanakh (Escrituras Hebraicas ou Antigo Testamento). Ainda são utilizados no culto sinagogal entre judeus iemenitas.

Várias citações no Novo Testamento são do tipo targúmico. Elucida, por exemplo, a cristologia de João, para quem a Palavra (Verbo, Logos) é o Filho de Deus (Jo 1:1-3, 14; 3:16), leitura que ocorre no Targum Neofiti de Gênesis 1:1, com o Filho como o agente de criação. Outros exemplos são 1 Pe 1:10–11; Mt 13:17; Lc 10:24 aparentam citar uma versão do Targum Palestiniano de Gn 49:1, 8–12; Nm 24:3, 15. Mc 4:12 cita uma versão targúmica de Is 6:9,10, similar ao Targum de Jônatas. Mt 7:2 cita algo similar ao Targum de Jerusalém Gn 38:26.

BIBLIOGRAFIA

Flesher, Paul V. M., and Bruce Chilton. The Targums: A Critical Introduction. Waco, TX: Baylor University Press, 2011.

McNamara, Martin. “Targumim.” In The Oxford Encyclopedia of the Books of the Bible. Vol. 2. Edited by M. D. Coogan, 341–356. New York and Oxford: Oxford University Press, 2011.

McNamara, Martin. Targum and New Testament: Collected Essays. Vol. 279. Mohr Siebeck, 2011.

https://www.sefaria.org/texts/Tanakh/Targum

Peshitta

A peshitta, peshita ou peshitto é conjunto de versões aramaicas da Bíblia na variante siríaca, conjunto de falares do norte da Síria e da Mesopotâmia. Peshitta significa “comum” ou “simples” denotando ser uma versão sem comentários ou aparatos para uso popular (semelhante ao termo vulgata aplicada para a versão latina), sendo empregado pela primeira vez pelo escritor jacobita Moisés bar Kefa (c.813-903/913).

A língua siríaca é um conjunto de variantes do aramaico oriental. Originalmente, judeus no norte da Síria traduziram sua Bíblia para o siríaco no século II d.C. com base em uma versão hebraica hoje perdida, mas possivelmente da família da qual emergeria o Texto Massorético. Depois, cristãos de língua siríaca adotaram a Peshitta e adicionaram uma versão siríaca do Novo Testamento.

Ainda no século II d.C. Taciano editou uma harmonia dos quatro Evangelhos gregos canônicos em siríaco, o Diatessaron. Embora a harmonização de Taciano fosse muito popular no Oriente até o século V d.C., Irineu e outros líderes preferiam manter todos os quatro evangelhos canônicos separados.

Por algum tempo vários eruditos bíblicos atribuíram a autoria ou revisão da Peshitta a Rabula, bispo de Edessa entre 411 e 435. Contudo, as variantes e a adoção da Peshitta por grupos que depois seriam as igrejas Jacobita e do Oriente demonstram a antiguidade da versão.

A Peshitta foi adotada como versão-padrão por várias denominações orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia, várias comunidades uniatas católicas, a Igreja Siríaca Ortodoxa (Jacobita) e a Igreja do Oriente.

O cânon da Peshitta varia conforme as famílias dos manuscritos. Uma forma tradicional contém o Pentateuco, Jó, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Rute, Cântico dos Cânticos, Ester, Esdras, Neemias, Isaías, os Doze Profetas Menores , Jeremias e Lamentações, Ezequiel e Daniel. Seguem os deuterocanônicos. O Novo Testamento varia, com recensões ocidentais com 27 livros e as orientais sem conter a antilegômena (2 Pedro, 2 e João, Judas e Apocalipse).